São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2008

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Política industrial e câmbio


A política industrial anunciada merece apoio, mas não substitui uma taxa de câmbio não-competitiva

A POLÍTICA industrial que o governo anunciou na última semana merece apoio porque envolve um conjunto de medidas que estimularão o desenvolvimento tecnológico e a competitividade da indústria nacional. É uma política desenvolvimentista da melhor estirpe, semelhante às políticas que outros países adotam para promover sua indústria. Nenhum país rico deixa de apoiar suas empresas, não há razão para que não o façamos também. Entretanto, conforme observou o jornal "Valor" (13/5), "a segunda versão da política industrial do governo Lula é uma continuação ampliada da primeira, cujos resultados foram escassos". E o jornal prevê que o mesmo destino está reservado a essa segunda versão.
Por que a Política de Desenvolvimento Produtivo deverá trazer poucos resultados? A limitação da nova política não está no fato de limitar os recursos que o governo investirá na infra-estrutura, como sugere o editorial, mas no valor limitado dos estímulos que são oferecidos.
Segundo os cálculos do governo, a política industrial deverá transferir para as empresas, nos próximos quatro anos, R$ 21 bilhões. Essa cifra deixa clara uma idéia fundamental para o desenvolvimento econômico: política industrial não substitui uma taxa de câmbio não-competitiva. Fiz alguns cálculos muito simples que mostram esse fato. Se a taxa de câmbio fosse uma taxa de equilíbrio, ou seja, que garantisse a competitividade de indústrias de bens comercializáveis utilizando tecnologia no estado-da-arte -se estivesse em torno de no mínimo R$ 2,50, em vez de R$ 1,70 por dólar-, o ganho adicional da indústria seria de R$ 340 bilhões (suposto um crescimento das exportações de apenas 5% ao ano). O governo, portanto, está oferecendo um valor 94% menor à indústria do que aquele que esta obteria se a política macroeconômica do governo assegurasse uma taxa de câmbio de equilíbrio.
Os ministros Guido Mantega e Miguel Jorge certamente sabem desse fato. Talvez não tenham feito o mesmo cálculo, mas sabem que os valores oferecidos são muito menores do que os subtraídos. Sentem-se, entretanto, impotentes em relação à taxa de câmbio porque não é fácil intervir nos níveis correlacionados da taxa de juros (elevadíssimos) e da taxa de câmbio (sobreapreciada). Essa intervenção implicaria medidas fortes que nem o presidente nem a coalizão político-social dominante estão dispostos a apoiar. O presidente está satisfeito com sua popularidade; a sociedade, com o bom momento da economia brasileira; a elite político-social dominante, com os ganhos que realiza.
Se fosse fácil corrigir a taxa de câmbio, o Ministério da Fazenda já o teria feito, porque seus economistas sabem da necessidade dessa correção. Mas esta envolve uma estratégia integrada de todo o governo com o apoio da sociedade: a desvalorização cambial implica redução temporária de salários reais e um aumento também temporário da inflação.
Não é, portanto, apenas a política de juros altos do Banco Central que impede o resto do governo de agir. Somam-se a ela a alienação e a dependência de nossas elites, que se satisfazem com as taxas atuais de crescimento e não se dão conta de que uma taxa de câmbio tão apreciada apenas interessa aos países ricos, que naturalmente a apóiam com entusiasmo.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br


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