São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2010

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ANÁLISE

País de Chávez volta a enfrentar pressão

PAVEL GÓMEZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na Venezuela, nos últimos dez anos, a pressão política e econômica vem disparando em intervalos certos. Desta vez os alarmes que soaram no país vêm do mercado cambiário.
Em 8 de janeiro, a moeda foi desvalorizada na média de 20% e foi instaurado um esquema de câmbio múltiplo: 2,60 bolívares fortes por dólar para importação de alimentos, remédios e bens de capital; 4,30 bolívares fortes por dólar para exportações petrolíferas e importações não prioritárias.
Por fim, foi criado um tipo de câmbio livre, que naquele momento estava em 6,25 bolívares fortes por dólar.
Na semana passada, o mercado de câmbio livre foi fechado, depois de a taxa ter chegado a 8,20 bolívares fortes por dólar, o que implicava uma desvalorização de 30% entre janeiro e maio de 2010.
Agora esse mercado será redefinido, e veremos se os câmbios alcançam as metas de estabilidade e acesso.
O mercado livre era a opção mais acessível que os venezuelanos dispunham para trocar bolívares por dólares.
Após a desvalorização de 8 de janeiro, muitos apostavam que a taxa de câmbio livre poderia se aproximar da taxa do câmbio preferencial superior (4,30 bolívares fortes por dólar), ou pelo menos se estabilizar.
Essa suposição ingênua se baseava na conjunção de três fatores: a) o petróleo parecia prestes a estabilizar-se em cerca de US$ 70 o barril; b) a esse preço, o governo poderia injetar mais dólares a 4,30 bolívares fortes; e c) em ano eleitoral, o governo teria incentivos para frear os efeitos inflacionários da desvalorização e estimular a atividade econômica.
Essa hipótese não se concretizou, e a realidade confirmou as expectativas apocalípticas feitas pelos previsores habituais de catástrofes.
O que aconteceu? Em primeiro lugar, a atuação do governo parece revelar que a situação fiscal (balanço entre entradas e saídas de dinheiro do governo) é pior do que se imaginava até então.
As crises bancária e elétrica podem ter custado mais do que o admitido e previsto, e a produção de petróleo talvez seja inferior às suposições conservadoras de alguns analistas independentes.
Finalmente, o governo talvez não estivesse disposto a gastar no curto prazo as poucas economias que lhe permitiriam enfrentar as eleições parlamentares de setembro de 2010.
Todas essas são hipóteses que procuram encontrar alguma racionalidade nos fatos, antes de admitir argumentos de pura e simples falta de inteligência e miopia ideológica.
O que os planejadores governamentais deixaram de prever?
A brutal contração dos investimentos privados e da disposição de produzir na Venezuela, suscitada por anos de discursos contra a empresa privada, de ameaças regulatórias, de intervenções, desapropriações, controles, impedimentos e tratamentos diferenciais por razões políticas.
O resultado: a oferta local se contraiu a tal ponto que qualquer injeção de gasto e estímulo fiscal da economia promete apenas inflação e escassez.
No curto prazo, essa é má notícia para os venezuelanos, mas uma boa notícia para os parceiros comerciais, que podem continuar a fornecer os produtos que a Venezuela deixou de produzir.


PAVEL GÓMEZ é economista e professor do Instituto de Estudos Superiores de Administração (Iesa), em Caracas.

Tradução de CLARA ALLAIN


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