São Paulo, quarta-feira, 19 de junho de 2002

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ARTIGO

Venda de títulos da dívida pública do Brasil afeta AL

ALEXANDER MANDA
DA REUTERS, EM LONDRES

A onda de vendas de títulos da dívida pública brasileira, que já dura dois meses, foi mais que acompanhada por movimento semelhante no comparativamente novo mercado de swaps de moratória, onde os problemas afetaram também as avaliações do México e do Chile.
Os contratos semelhantes a transações de seguros que esse mercado negocia -conhecidos como CDS- permitem que aqueles que adquirem a proteção tenham seus títulos pagos pelos vendedores, a um preço preestabelecido, caso seja decretada uma moratória.
Por esse privilégio, as partes contratantes da proteção pagam aos vendedores dos contratos uma taxa calculada na forma de um ágio sobre a taxa libor.
Os operadores decidem elevar a taxa, ou reduzir preços, quando o risco está em ascensão e se torna menos provável que os compradores mantenham um determinado ativo.
Os swaps brasileiros com prazo de dois anos estavam cotados a 1.500 pontos básicos (15%) acima da libor na terça-feira, em comparação com 1.525 na segunda e 535 pontos em abril, antes que a onda de vendas atual começasse.
"O Brasil arrastou o restante da América Latina em sua queda. Qualquer tumulto causará vendas em outras partes", diz o operador de um banco alemão.
A porção brasileira no índice padrão desse segmento, o índice plus de mercados emergentes do JP Morgan, estava cotada a 1.263 pontos básicos (12,63%) de ágio com relação aos bônus do Tesouro dos Estados Unidos, em comparação com os 749 pontos básicos de antes da onda de vendas.
"Os swaps de moratória tendem a ver ágios crescendo muito mais rápido do que no caso dos bônus", diz Robert McAdie, estrategista do mercado de derivativos no Lehman Brothers.

Efeito eleição
Os ativos brasileiros estão em queda desde a metade de abril, quando os mercados começaram a acreditar que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha chances de vencer a eleição presidencial brasileira em outubro.
Os mercados têm medo de Lula porque no passado ele fez da reestruturação da dívida brasileira uma de suas plataformas de campanha eleitoral.
A campanha de Lula apresentou declarações contraditórias sobre suas posições quanto à política econômica, e, na segunda-feira, ele se recusou a indicar quem comporia sua equipe econômica, uma providência que talvez tivesse causado o fim das informações conflitantes.
Os swaps do México e do Chile, que eram considerados portos seguros na região, também foram atingidos.
Os CDS de dois anos do México estavam cotados em cem pontos básicos de ágio sobre a libor em abril, mas atingiram os 140 na terça-feira. Os do Chile subiram de 85 pontos básicos para 130.
O mercado agora começa a se acalmar, graças a um pacote de medidas econômicas anunciado na semana passada pelo presidente do Banco Central e pelo ministro da Fazenda brasileiros. Mas é preciso que o ágio caia muito antes que os níveis anteriores à crise sejam restabelecidos.
"O mercado de CDS se aquietou. Vê-se muita especulação, mas não me parece que haja muitas transações. Os níveis não caíram", diz o operador.
Os níveis dos CDS brasileiros indicam uma probabilidade comparativamente alta de moratória, diz McAdie, do Lehman Brothers. Se os detentores de bônus presumirem que seu papel teria valor equivalente a 30% do valor de face depois de uma reestruturação da dívida, o ágio implica uma chance em três de que o país decrete uma moratória, estimou ele.
"Os ágios podem se elevar a ponto de fazer com que os bancos deixem de se interessar por oferecer proteção aos investidores. Estamos perto disso no momento", declara.

Moratória argentina
Mesmo assim, há quem acredite, nos mercados, que essas crises encorajaram o crescimento dos CDS. Quando a Argentina suspendeu o pagamento de sua dívida externa publicamente negociada, em janeiro, os detentores de contratos de proteção repentinamente se deram bem. O país decretou moratória bem no final de 2001 devido a uma recessão desgastante que já dura quatro anos.
"Depois da Argentina, as atividades se aceleraram", diz um estrategista de derivativos de um banco europeu. "Depois de moratórias como essas, o interesse na compra de proteção aumenta", acrescentou. Os detentores de contratos de proteção para papéis argentinos tiveram bons lucros, em um momento em que os detentores de bônus caíam no vermelho, segundo o estrategista.
Os detentores de contratos de proteção entregaram os bônus aos vendedores dos contratos e receberam o preço preestabelecido por eles. No começo do ano, o bônus FRB Brady argentino padrão estava sendo negociado por 28,75% de seu valor de face, o que potencialmente daria aos detentores de contratos de proteção um lucro da ordem de 71,25%.
O pico na demanda - causado pelos detentores de contratos que precisavam adquirir bônus a serem entregues aos vendedores de proteção- fez com que o FRB subisse para 36,25% de seu valor de face.
No momento, as transações de CDS estão paradas, mas o operador do banco alemão disse que as coisas não ficariam assim por muito tempo.
"As operações se reduziram, mas acredito que as pessoas estejam esperando para ver em que direção o mercado vai", disse. "Depois de duas semanas complicadas, é melhor esperar para ver para onde vai o mercado", acrescentou o analista.


Tradução de Paulo Migliacci


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