|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Dois brasis, nenhuma política
GESNER OLIVEIRA
Não é preciso ser estatístico
para saber que a média é
uma coisa abstrata, freqüentemente distante de cada situação
individual. Na média, a economia está em franco processo de
recuperação, mas as boas notícias demoram muito e às vezes
nem chegam para vários setores.
O interior do país embalado pelo agronegócio e as regiões metropolitanas parecem dois países totalmente diferentes. Mesmo com
a recuperação da indústria, a decomposição da taxa de crescimento do PIB no primeiro trimestre revela a disparidade de
desempenhos relativamente ao
mesmo período de 2003. A agropecuária cresceu 6,4%, contra
2,9% da indústria e 1,2% dos serviços.
O desemprego é a principal
preocupação do trabalhador urbano. Mas desemprego é uma palavra estranha no oeste da Bahia,
onde termina hoje a primeira
edição do Agrishow Nordeste na
antiga Mimoso e recém-criada
Luís Eduardo Magalhães. A cidade nasceu a partir de um posto de
gasolina há quatro anos e se
transformou em um município
de 25 mil habitantes que já é referência para a região de plantio de
soja e algodão.
A demanda por mão-de-obra
em Luís Eduardo Magalhães
lembra a São Paulo dos anos 70:
precisa-se de todo tipo de mão-de-obra, do pedreiro, do torneiro
mecânico e do dentista. Algo semelhante ocorre em Rondonópolis e em partes do Pará e do Piauí.
Em contraste, um em cada cinco membros da população economicamente ativa está desocupado na Região Metropolitana de
São Paulo. O fraco crescimento
do emprego urbano, aliado à
queda de rendimentos reais dos
assalariados, poderia explicar a
redução do ICC (Índice de Confiança do consumidor) divulgado
na quinta-feira pela Fecomercio
SP (Federação do Comércio do
Estado de São Paulo).
São da natureza do processo de
crescimento o declínio de alguns
segmentos e regiões e a emergência de novas áreas. O problema
no Brasil e em outras economias
emergentes é que tal processo não
ocorre de forma rápida e eficiente. Os fatores de produção não se
mobilizam com a velocidade necessária para animar o desenvolvimento.
A falta de infra-estrutura adequada é simultaneamente causa
e conseqüência dessa desarticulação da economia brasileira. A
expansão para o Oeste dos EUA
que ocorreu no século 19 foi impulsionada pelo avanço da infra-estrutura de transportes por meio
das ferrovias. Em contraste, o
avanço espetacular da fronteira
agrícola no Brasil nas últimas
duas décadas se deu a uma taxa
muito superior à do sistema logístico necessário para organizar
a produção e à dos sistemas complementares de agricultura familiar e de serviços diversos.
Por sua vez, a agenda do debate
público parece se guiar por problemas de um outro país que não
é o Brasil. É urgente, por exemplo, reformar a legislação trabalhista arcaica, dotando-a de mais
flexibilidade e adaptando-a para
as enormes diferenças regionais.
Tal necessidade não guarda a
menor relação com a festiva e recorrente polêmica no Congresso
em torno do valor do salário mínimo. A derrota do governo no
Senado nesta semana pode refletir a descoordenação do núcleo
duro do Planalto, a desarmonia
da base aliada ou uma lógica de
luta político-partidária; mas está
longe dos principais temas de
uma agenda para enfrentar a informalidade e o desemprego.
O Plano Agrícola e Pecuário
2004/05 divulgado ontem pelo
governo, no qual libera R$ 39,45
bilhões para a agricultura comercial, deve ser visto em sua devida
e limitada importância. O crédito
oficial perdeu o peso que teve no
passado para impulsionar a atividade rural. O que há de relevante nas medidas anunciadas é
a criação de novos instrumentos
de atração de investimento privado, como o certificado de recebível do agronegócio e o certificado de depósito agropecuário.
Muitos agricultores das novas
áreas em expansão afirmam que
a maior contribuição do governo
para o sucesso do agronegócio foi
não atrapalhar. É um exagero.
Mas reforça a impressão de que o
crescimento sustentado e integrado no campo e na cidade está
a exigir reformas estruturais e
inovadoras que vão muito além
do atual cardápio de políticas
públicas.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
Texto Anterior: Vaca doente: Pará proíbe circulação de animais Próximo Texto: Luís Nassif: A mordida do Confaz Índice
|