São Paulo, sábado, 19 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Dois brasis, nenhuma política

GESNER OLIVEIRA

Não é preciso ser estatístico para saber que a média é uma coisa abstrata, freqüentemente distante de cada situação individual. Na média, a economia está em franco processo de recuperação, mas as boas notícias demoram muito e às vezes nem chegam para vários setores.
O interior do país embalado pelo agronegócio e as regiões metropolitanas parecem dois países totalmente diferentes. Mesmo com a recuperação da indústria, a decomposição da taxa de crescimento do PIB no primeiro trimestre revela a disparidade de desempenhos relativamente ao mesmo período de 2003. A agropecuária cresceu 6,4%, contra 2,9% da indústria e 1,2% dos serviços.
O desemprego é a principal preocupação do trabalhador urbano. Mas desemprego é uma palavra estranha no oeste da Bahia, onde termina hoje a primeira edição do Agrishow Nordeste na antiga Mimoso e recém-criada Luís Eduardo Magalhães. A cidade nasceu a partir de um posto de gasolina há quatro anos e se transformou em um município de 25 mil habitantes que já é referência para a região de plantio de soja e algodão.
A demanda por mão-de-obra em Luís Eduardo Magalhães lembra a São Paulo dos anos 70: precisa-se de todo tipo de mão-de-obra, do pedreiro, do torneiro mecânico e do dentista. Algo semelhante ocorre em Rondonópolis e em partes do Pará e do Piauí.
Em contraste, um em cada cinco membros da população economicamente ativa está desocupado na Região Metropolitana de São Paulo. O fraco crescimento do emprego urbano, aliado à queda de rendimentos reais dos assalariados, poderia explicar a redução do ICC (Índice de Confiança do consumidor) divulgado na quinta-feira pela Fecomercio SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo).
São da natureza do processo de crescimento o declínio de alguns segmentos e regiões e a emergência de novas áreas. O problema no Brasil e em outras economias emergentes é que tal processo não ocorre de forma rápida e eficiente. Os fatores de produção não se mobilizam com a velocidade necessária para animar o desenvolvimento.
A falta de infra-estrutura adequada é simultaneamente causa e conseqüência dessa desarticulação da economia brasileira. A expansão para o Oeste dos EUA que ocorreu no século 19 foi impulsionada pelo avanço da infra-estrutura de transportes por meio das ferrovias. Em contraste, o avanço espetacular da fronteira agrícola no Brasil nas últimas duas décadas se deu a uma taxa muito superior à do sistema logístico necessário para organizar a produção e à dos sistemas complementares de agricultura familiar e de serviços diversos.
Por sua vez, a agenda do debate público parece se guiar por problemas de um outro país que não é o Brasil. É urgente, por exemplo, reformar a legislação trabalhista arcaica, dotando-a de mais flexibilidade e adaptando-a para as enormes diferenças regionais. Tal necessidade não guarda a menor relação com a festiva e recorrente polêmica no Congresso em torno do valor do salário mínimo. A derrota do governo no Senado nesta semana pode refletir a descoordenação do núcleo duro do Planalto, a desarmonia da base aliada ou uma lógica de luta político-partidária; mas está longe dos principais temas de uma agenda para enfrentar a informalidade e o desemprego.
O Plano Agrícola e Pecuário 2004/05 divulgado ontem pelo governo, no qual libera R$ 39,45 bilhões para a agricultura comercial, deve ser visto em sua devida e limitada importância. O crédito oficial perdeu o peso que teve no passado para impulsionar a atividade rural. O que há de relevante nas medidas anunciadas é a criação de novos instrumentos de atração de investimento privado, como o certificado de recebível do agronegócio e o certificado de depósito agropecuário.
Muitos agricultores das novas áreas em expansão afirmam que a maior contribuição do governo para o sucesso do agronegócio foi não atrapalhar. É um exagero. Mas reforça a impressão de que o crescimento sustentado e integrado no campo e na cidade está a exigir reformas estruturais e inovadoras que vão muito além do atual cardápio de políticas públicas.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


Texto Anterior: Vaca doente: Pará proíbe circulação de animais
Próximo Texto: Luís Nassif: A mordida do Confaz
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.