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Ex-madeireiro se assusta com devastação
DO ENVIADO A MATO GROSSO
O catarinense Ari Hoffman, 49,
pertence a uma classe cada vez
mais comum na região médio-norte de Mato Grosso: a dos ex-madeireiros. "Isso aqui está decadente", diz, ao apontar para o barracão semidesmoronado de sua
antiga serraria. "Não compensa
mais recuperar um telhado desses." O negócio agora é soja.
Hoffman vendeu metade de sua
parte numa madeireira pequena
de Sinop, um dos pólos madeireiros do Estado. Nos tempos gordos, ele serrava até 300 metros cúbicos por mês. Hoje, com a matéria-prima cada vez mais longe,
aluga uma serra e o barracão por
R$ 1.500. A empresa trabalha com
metade da capacidade.
Hoffman tem orgulho mesmo
da soja, do milho e do arroz que
planta em duas propriedades,
uma a 20 km e outra a 90 km de
Sinop. Em uma frase, o produtor
resume a equação econômica que
o fez mudar de ramo e agora
orienta a região. "A agricultura te
dá números melhores." Em outra,
a lógica pessoal da decisão: "Depois que virei agricultor, parei de
ser tachado de bandido".
Ao levar a reportagem para conhecer sua fazenda, ele aponta para as madeireiras ao longo da BR-163. "Essa aqui bate o cadeado segunda-feira", diz. Está fechando
por causa da queda do dólar. Tem
400 funcionários. E um pouco
mais adiante: "Aqui era uma madeireira. Passaram a frigorífico".
"Muita gente no ano passado
migrou para o setor agrícola porque se cansou de se incomodar
com o setor florestal", diz Jaldes
Langer, presidente do Sindicato
das Indústrias Madeireiras do
Norte do Estado de Mato Grosso.
Uma das razões do incômodo,
para Langer, é a lentidão na aprovação de um plano de manejo florestal. Outra é a pressão do agronegócio sobre as terras. Como o
preço internacional do grão teve
um boom e a maioria das terras é
privada, os proprietários preferem desmatar e plantar.
"A floresta está na mão de grandes pecuaristas e grandes agricultores", diz Langer, culpando o fato pela redução do fornecimento
de madeira para as serrarias e
processadoras da cidade.
A pressão ao agronegócio atingiu também empresas maiores. A
Guavirá Industrial e Agroflorestal, a única madeireira de Mato
Grosso certificada pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal), vendeu 15 mil hectares de uma de
suas florestas para a agricultura
durante o auge dos preços da soja
-e acabou abrindo mão do selo
verde. O negócio, no entanto, foi
desfeito recentemente.
Por fim, a exploração predatória ao longo de três décadas cobrou seu preço. As matas que restam na região já não têm mais
madeira, como se verifica facilmente num sobrevôo do local,
que revela várias estradas de madeireiros em virtualmente toda a
floresta. "Essa tora vem de no mínimo 200 km daqui", diz Hoffman, com a mão sobre uma itaúba de um metro de diâmetro.
Ele mesmo é um exemplo de como essa exploração aconteceu.
Primeiro, esgotou a madeira em
sua fazenda em Sinop, de 400 hectares. Depois, repetiu o padrão na
área de 2.400 hectares no município de Santa Carmen. Então passou a comprar toras de longe.
A Folha levou Hoffman para
um sobrevôo de duas horas sobre
Sinop e os municípios vizinhos de
Feliz Natal e Nova Ubiratã -este
último, o que mais desmatou na
Amazônia em 2005, segundo o
Ministério do Meio Ambiente.
O vôo é uma aula compacta de
crimes ambientais, que vão de
desmatamentos em 100% das
propriedades -quando o permitido por lei são 20%- até degradação de matas ciliares. Até a divisa do Parque Indígena do Xingu,
as matas estão inteiramente perfuradas por estradas feitas pela
predação madeireira.
Em Nova Ubiratã, grandes extensões de floresta estão sendo
convertidas diretamente para a
agricultura. "Fiquei assustado
com o tanto que estão desmatando", diz o ex-madeireiro.
(CA)
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