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EFEITO CURUPIRA
Incomodado com apelido de "estuprador da floresta", governador assume culpa por erro de secretário
Maggi diz que dará prioridade a ambiente
DO ENVIADO A MATO GROSSO
Eleito em 2002 com o discurso
do desenvolvimento a qualquer
custo -ambiental inclusive-,
Blairo Borges Maggi, 49, viu explodir no seu colo nas últimas semanas a bomba florestal mato-grossense. E não gostou.
Desde a divulgação dos números do desmatamento na Amazônia, no mês passado, o governador, conhecido como o "rei da soja", ganhou apodos menos nobres: "rei do desmatamento" e
"estuprador da floresta". Isso tudo antes de explodir o escândalo
de corrupção que levou para a cadeia seu secretário de Meio Ambiente, Moacir Pires.
Na quarta-feira passada, Maggi
ainda pagou o mico de ganhar o
Prêmio Motosserra de Ouro, da
ONG Greenpeace -que se recusou a receber, das mãos dos humoristas do Pânico Na TV.
Paranaense de São Miguel do
Iguaçu, engenheiro agrônomo e
pai de três filhos, o governador,
dono do Grupo André Maggi,
principal exportador de soja do
mundo (com US$ 532 milhões de
faturamento em 2003), está de
olho na reeleição em 2006 e numa
eventual projeção nacional de seu
nome em 2010 por motivos outros que a destruição da Amazônia. Após o desmonte da Fema,
Maggi tenta recuperar o desgaste
de sua imagem e se "esverdear".
Já deu carta branca ao promotor
Domingos Sávio Arruda e ao interventor da Fema, Marcos Machado, para reformular a política
e a legislação ambiental do Estado
e criar uma secretaria para substituir o órgão. Questionado sobre o
quão central numa escala de zero
a dez era o meio ambiente para
seu governo, respondeu: "Agora é
dez, né?"
(CA)
Folha - Durante uma reunião de
governo, o sr. teria dito: "Esse negócio de floresta não tem o menor
futuro". O que o sr. quis dizer?
Blairo Maggi - Primeiro, eu não
sei se eu disse essa frase exatamente. Eu tenho utilizado mais
no seguinte sentido: que não dá
para sustentar a população brasileira ou fazer o desenvolvimento
econômico de Mato Grosso catando coquinho na floresta. Talvez a forma como eu defendi [isso] tenha sido um pouco agressiva, e eu ganhei alguns inimigos
até internacionais. Os ambientalistas têm o costume de minimizar o território e maximizar as
coisas que são feitas. "Ah, mas a
Amazônia perdeu um Alagoas este ano!" Nada contra os alagoanos, mas olha quantas Alagoas cabem no território amazônico.
Folha - São quantas Bélgicas ocupadas com soja?
Maggi - Dá duas Bélgicas e pouquinho de soja no território mato-grossense. É coisa pequena.
Folha - A soja não acaba valorizando as terras e empurrando a pecuária para dentro da floresta?
Maggi - Eu acho que a abordagem não deveria ser essa. Para fazer pecuária de cerrado, o pecuarista consegue deixar uma cabeça
em um hectare de terra. Ela não
tem suporte. Então, a pecuária
sempre tendeu a estar ligada mais
à área da floresta, porque quando
ele desmata uma área dessas, em
vez de uma cabeça, deixa seis ou
sete cabeças por hectare.
Folha - Mas não é verdade que a
soja está ocupando áreas de pasto
em zonas de floresta, como na sua
fazenda Tanguro, em Querência?
Maggi - Mas lá não é floresta! A
fazenda Tanguro é considerada
uma zona de transição.
Folha - O RadamBrasil diz que é
floresta. O zoneamento ecológico-econômico do Estado também.
Maggi - Veja bem: naquela região tem zona de transição. Se a
classificação da fazenda Tanguro
é floresta então é floresta, não vou
discutir porque não vi documento. Agora, eu comprei a fazenda
do jeito que está e não abri nada.
Folha - O Estado de Mato Grosso
perdeu o controle sobre o setor
produtivo?
Maggi - Não. De jeito nenhum.
veja bem: no ano de 1995, quando
houve o maior percentual de desmatamento, naquele ano Mato
Grosso desmatou 2,6 mil quilômetros quadrados. De lá para cá
foram estabelecidos alguns programas e houve uma redução.
Agora, a redução que houve tem
de ser compreendida dentro de
um contexto econômico. Você teve depressão nos preços da soja,
endividamento agrícola.
Folha - Não é uma percepção falsa? Porque, em 2003, o Estado teve
o seu maior crescimento de PIB,
mas o desmatamento caiu.
Maggi - Porque ele veio aproveitando o desmatamento grande
feito em 1995 e 1996. O desmatamento grande que foi feito no ano
passado vai demorar dois ou três
anos para entrar na atividade econômica. O maior crescimento que
o Estado teve em 2003 reaproveitou o desmatamento que fez lá
atrás. Ele transformou muita pecuária e, de fato, pelos preços da
soja no mercado internacional,
houve esse avanço no aproveitamento das terras. Então, o Estado
perdeu o controle? Não. O Estado
não conseguiu acompanhar a fiscalização. Uma vez por ano nós
temos acesso a imagens de satélite
do Inpe do Estado de Mato Grosso para que nós possamos verificar, depois de um ano, onde houve desmatamento e se ele foi legal
ou ilegal. O que aconteceu no ano
passado, só ficamos sabendo neste ano. O que nós vamos fazer
agora? O que fizemos no ano passado: sair a campo e checar se o cidadão tem documento, se não
tem e você multa se ele não está legal. O Estado fez a parte dele.
Folha - O sr. acha que a fiscalização funcionou?
Maggi - A Fema vistoriou as
áreas detectadas como irregulares
no ano passado. Vai repetir o
mesmo trabalho agora. Só que
nós estamos chegando depois que
o ladrão já arrombou a porta, porque nós não temos uma estrutura
para cobrir 900, 1.000 quilômetros
quadrados, um fiscal em cada local e saber o que está acontecendo
no meio da floresta.
Folha - Agora, não era exatamente isso o que a Fema vinha fazendo?
Maggi - Não, não, não. Era uma
vez por ano...
Folha - Mas o sujeito sabia que
ele não ia ficar impune. Isso em
2001 e 2002 funcionou.
Maggi - Não, veja bem, funcionou. Quando há a denúncia o fiscal vai lá. O que eu quero dizer a
você é o seguinte: isso não resolve
o problema, tanto é que nós fizemos desses 1,8 milhão de quilômetros quadrados desmatados,
400 mil quilômetros quadrados
tinham documento. Então, a gente sabe onde tem documento. Onde não tem documento, você não
sabe, aí eu teria que ter um fiscal
em cada lugar ou o vizinho denunciando o vizinho que está desmatando. O Estado não sabe tudo
isso. Não havia esse programa [o
Deter, do governo federal] para
ter as imagens uma vez por semana, por mês ou a cada 15 dias.
Folha - Então, o senhor não considera o sistema satisfatório do jeito
que ele foi herdado?
Maggi - Não, o sistema que foi
herdado aqui é um sistema de
monitoramento, vamos chamar
assim, de informação do produtor e de acompanhamento daqueles que têm o licenciamento ambiental único. E aí isso remete à
questão da Medida Provisória
2.166 [que altera o Código Florestal], que tanto nós temos defendido que seja votada. Não me interessa qual será o resultado. A partir do momento em que a 2.166 for
aprovada no Congresso, definida
como lei, eu estou te dizendo, não
me interessa qual é o tamanho
que vai ter, esse pessoal todo que
tem a esperança de poder voltar a
ter mais área para desmatar.
Folha - O Plano Real foi medida
provisória durante três anos. O Estado não teria que estar fazendo
cumprir a legislação?
Maggi - Sim e nós estamos cumprindo dentro do que está aí na
2.166. O que eu estou dizendo é o
seguinte: o produtor que ainda
não veio fazer a regularização dele, na cabeça dele, ele pensa que isso pode mudar, porque os políticos dizem que pode mudar.
Folha - Aí não é o caso do governador deixar claro para os produtores que vale o que está escrito?
Maggi - Está bom, eu falo assim:
vale o que está escrito. Aí você vai
nas campanha eleitorais por aí,
você sai Mato Grosso afora, aí o
deputado federal fala, o senador
fala, todo mundo diz, não: nós vamos votar a 2.166, nós vamos voltar ao que era. Você tem direito
adquirido, porque quando você
comprou a sua propriedade ela
era averbada em 50%, quer dizer,
então, por que o medo de o governo federal votar a 2.166?
Folha - O sr. acha viável economicamente que seja mantido o limite
ao corte raso imposto pela MP?
Maggi - As atividades na floresta,
de 20%, não têm sustentação econômica para isso. Não têm. Ninguém. Você vai comprar 1.000
hectares e vai abrir 200 hectares?
Duzentos hectares não sustentam
uma família na pecuária. Não tem
jeito. Na floresta, vamos chamar
assim. Nas área de cerrado os 65%
não há problema nenhum.
Folha - O sr. sabia dos problemas
da Fema desde quando?
Maggi - Eu nunca tive informação dos problemas da Fema. Quer
dizer, eu sempre tomo parte com
todos os secretários, converso
muito freqüentemente e sempre
recomendei ao ex-secretário
Moacir Pires, que tomasse muito
cuidado na Fema, que era um órgão, vamos chamar assim, de vulnerabilidade. Agora, isso eu nunca tive informação que dentro da
Fema tinha esse negócio até porque se tivesse a informação tinha
rompido na hora.
Folha - O senhor se reuniu em dezembro com o promotor do Meio
Ambiente. Ele disse que as notícias
da Fema não eram boas. O senhor
teria dito para ele: "Também não
tenho boas notícias da Fema".
Quais seriam?
Maggi - São essas notícias dos licenciamentos. No entendimento
do promotor Domingos Sávio estava havendo uma diferenciação
entre aquilo que a Fema faz e
aquilo que a lei federal determina.
Tem, nesse processo todo, tem
coisas que a Fema corrigiu do Ibama, que o Ibama disse que era
cerrado e, na verdade, quando a
Fema fez a vistoria disse: não, isso
aqui é floresta. Então, quer dizer,
também houve coisas que o Ibama determinou que era assim e
que, na verdade, na fiscalização,
era de outro jeito. Também, incluso, o licenciamento da Fema houveram esses tipos de coisas.
Folha - Por que sabendo dessa
complexidade o sr. escolheu uma
pessoa notoriamente despreparada para a pasta do Meio Ambiente?
Maggi - Olha, qualquer cidadão
que tenha vontade de aprender
pode ser colocado. Agora, eu
acho, nesta altura do campeonato, que se tivesse colocado uma
outra pessoa mais ligada ao meio,
poderia ter sido diferente o processo. Eu não vou fazer nenhuma
condenação do ex-secretário até
que haja efetivamente uma condenação. Até porque, se ele não é
um "expert" no assunto, você tem
toda uma diretoria de suporte.
Folha - Como foi o processo de escolha dele? Foi indicação do PFL?
Maggi - Todos os secretários foram escolhidos por mim, obviamente, dentro dos partidos que
me apoiaram. Então, não adianta
eu dizer: "Ah, foi o PFL". Escolhi
alguém do PFL para aquela pasta,
como escolhi alguém do PT para
outra pasta. Poderia ter gente
mais preparada? Poderia ter, mas,
naquele momento, eu achei que
ele fosse preparado e talhado para
a função para a qual foi escolhido.
Se tem responsabilidade de ter escolhido errado, [ela] é minha. Tenho de reconhecer e acabou. Não
vou ficar fugindo do problema.
Folha - O senhor tem sido chamado de coisas como "estuprador da
floresta" e "rei do desmatamento".
Isso incomoda?
Maggi - Incomoda, claro. Eu
procuro pautar minha vida sempre dentro do que a legislação
permite. Se tivessem responsabilizado o governador por Mato
Grosso... Agora, querer extrapolar o Blairo Maggi para o resto da
Amazônia e querer transformar o
Blairo como inimigo número um
da floresta... acho uma injustiça.
Em resumo: não gostei. Não dá.
Os problemas, vamos corrigir,
mas não vamos abrir mão do nosso crescimento e desenvolvimento dentro do que a lei permite.
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