São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005

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EFEITO CURUPIRA

Incomodado com apelido de "estuprador da floresta", governador assume culpa por erro de secretário

Maggi diz que dará prioridade a ambiente

DO ENVIADO A MATO GROSSO

Eleito em 2002 com o discurso do desenvolvimento a qualquer custo -ambiental inclusive-, Blairo Borges Maggi, 49, viu explodir no seu colo nas últimas semanas a bomba florestal mato-grossense. E não gostou.
Desde a divulgação dos números do desmatamento na Amazônia, no mês passado, o governador, conhecido como o "rei da soja", ganhou apodos menos nobres: "rei do desmatamento" e "estuprador da floresta". Isso tudo antes de explodir o escândalo de corrupção que levou para a cadeia seu secretário de Meio Ambiente, Moacir Pires.
Na quarta-feira passada, Maggi ainda pagou o mico de ganhar o Prêmio Motosserra de Ouro, da ONG Greenpeace -que se recusou a receber, das mãos dos humoristas do Pânico Na TV.
Paranaense de São Miguel do Iguaçu, engenheiro agrônomo e pai de três filhos, o governador, dono do Grupo André Maggi, principal exportador de soja do mundo (com US$ 532 milhões de faturamento em 2003), está de olho na reeleição em 2006 e numa eventual projeção nacional de seu nome em 2010 por motivos outros que a destruição da Amazônia. Após o desmonte da Fema, Maggi tenta recuperar o desgaste de sua imagem e se "esverdear".
Já deu carta branca ao promotor Domingos Sávio Arruda e ao interventor da Fema, Marcos Machado, para reformular a política e a legislação ambiental do Estado e criar uma secretaria para substituir o órgão. Questionado sobre o quão central numa escala de zero a dez era o meio ambiente para seu governo, respondeu: "Agora é dez, né?" (CA)

Folha - Durante uma reunião de governo, o sr. teria dito: "Esse negócio de floresta não tem o menor futuro". O que o sr. quis dizer?
Blairo Maggi -
Primeiro, eu não sei se eu disse essa frase exatamente. Eu tenho utilizado mais no seguinte sentido: que não dá para sustentar a população brasileira ou fazer o desenvolvimento econômico de Mato Grosso catando coquinho na floresta. Talvez a forma como eu defendi [isso] tenha sido um pouco agressiva, e eu ganhei alguns inimigos até internacionais. Os ambientalistas têm o costume de minimizar o território e maximizar as coisas que são feitas. "Ah, mas a Amazônia perdeu um Alagoas este ano!" Nada contra os alagoanos, mas olha quantas Alagoas cabem no território amazônico.

Folha - São quantas Bélgicas ocupadas com soja?
Maggi -
Dá duas Bélgicas e pouquinho de soja no território mato-grossense. É coisa pequena.

Folha - A soja não acaba valorizando as terras e empurrando a pecuária para dentro da floresta?
Maggi -
Eu acho que a abordagem não deveria ser essa. Para fazer pecuária de cerrado, o pecuarista consegue deixar uma cabeça em um hectare de terra. Ela não tem suporte. Então, a pecuária sempre tendeu a estar ligada mais à área da floresta, porque quando ele desmata uma área dessas, em vez de uma cabeça, deixa seis ou sete cabeças por hectare.

Folha - Mas não é verdade que a soja está ocupando áreas de pasto em zonas de floresta, como na sua fazenda Tanguro, em Querência?
Maggi -
Mas lá não é floresta! A fazenda Tanguro é considerada uma zona de transição.

Folha - O RadamBrasil diz que é floresta. O zoneamento ecológico-econômico do Estado também.
Maggi -
Veja bem: naquela região tem zona de transição. Se a classificação da fazenda Tanguro é floresta então é floresta, não vou discutir porque não vi documento. Agora, eu comprei a fazenda do jeito que está e não abri nada.

Folha - O Estado de Mato Grosso perdeu o controle sobre o setor produtivo?
Maggi -
Não. De jeito nenhum. veja bem: no ano de 1995, quando houve o maior percentual de desmatamento, naquele ano Mato Grosso desmatou 2,6 mil quilômetros quadrados. De lá para cá foram estabelecidos alguns programas e houve uma redução. Agora, a redução que houve tem de ser compreendida dentro de um contexto econômico. Você teve depressão nos preços da soja, endividamento agrícola.

Folha - Não é uma percepção falsa? Porque, em 2003, o Estado teve o seu maior crescimento de PIB, mas o desmatamento caiu.
Maggi -
Porque ele veio aproveitando o desmatamento grande feito em 1995 e 1996. O desmatamento grande que foi feito no ano passado vai demorar dois ou três anos para entrar na atividade econômica. O maior crescimento que o Estado teve em 2003 reaproveitou o desmatamento que fez lá atrás. Ele transformou muita pecuária e, de fato, pelos preços da soja no mercado internacional, houve esse avanço no aproveitamento das terras. Então, o Estado perdeu o controle? Não. O Estado não conseguiu acompanhar a fiscalização. Uma vez por ano nós temos acesso a imagens de satélite do Inpe do Estado de Mato Grosso para que nós possamos verificar, depois de um ano, onde houve desmatamento e se ele foi legal ou ilegal. O que aconteceu no ano passado, só ficamos sabendo neste ano. O que nós vamos fazer agora? O que fizemos no ano passado: sair a campo e checar se o cidadão tem documento, se não tem e você multa se ele não está legal. O Estado fez a parte dele.

Folha - O sr. acha que a fiscalização funcionou?
Maggi -
A Fema vistoriou as áreas detectadas como irregulares no ano passado. Vai repetir o mesmo trabalho agora. Só que nós estamos chegando depois que o ladrão já arrombou a porta, porque nós não temos uma estrutura para cobrir 900, 1.000 quilômetros quadrados, um fiscal em cada local e saber o que está acontecendo no meio da floresta.

Folha - Agora, não era exatamente isso o que a Fema vinha fazendo?
Maggi -
Não, não, não. Era uma vez por ano...

Folha - Mas o sujeito sabia que ele não ia ficar impune. Isso em 2001 e 2002 funcionou.
Maggi -
Não, veja bem, funcionou. Quando há a denúncia o fiscal vai lá. O que eu quero dizer a você é o seguinte: isso não resolve o problema, tanto é que nós fizemos desses 1,8 milhão de quilômetros quadrados desmatados, 400 mil quilômetros quadrados tinham documento. Então, a gente sabe onde tem documento. Onde não tem documento, você não sabe, aí eu teria que ter um fiscal em cada lugar ou o vizinho denunciando o vizinho que está desmatando. O Estado não sabe tudo isso. Não havia esse programa [o Deter, do governo federal] para ter as imagens uma vez por semana, por mês ou a cada 15 dias.

Folha - Então, o senhor não considera o sistema satisfatório do jeito que ele foi herdado?
Maggi -
Não, o sistema que foi herdado aqui é um sistema de monitoramento, vamos chamar assim, de informação do produtor e de acompanhamento daqueles que têm o licenciamento ambiental único. E aí isso remete à questão da Medida Provisória 2.166 [que altera o Código Florestal], que tanto nós temos defendido que seja votada. Não me interessa qual será o resultado. A partir do momento em que a 2.166 for aprovada no Congresso, definida como lei, eu estou te dizendo, não me interessa qual é o tamanho que vai ter, esse pessoal todo que tem a esperança de poder voltar a ter mais área para desmatar.

Folha - O Plano Real foi medida provisória durante três anos. O Estado não teria que estar fazendo cumprir a legislação?
Maggi -
Sim e nós estamos cumprindo dentro do que está aí na 2.166. O que eu estou dizendo é o seguinte: o produtor que ainda não veio fazer a regularização dele, na cabeça dele, ele pensa que isso pode mudar, porque os políticos dizem que pode mudar.

Folha - Aí não é o caso do governador deixar claro para os produtores que vale o que está escrito?
Maggi -
Está bom, eu falo assim: vale o que está escrito. Aí você vai nas campanha eleitorais por aí, você sai Mato Grosso afora, aí o deputado federal fala, o senador fala, todo mundo diz, não: nós vamos votar a 2.166, nós vamos voltar ao que era. Você tem direito adquirido, porque quando você comprou a sua propriedade ela era averbada em 50%, quer dizer, então, por que o medo de o governo federal votar a 2.166?

Folha - O sr. acha viável economicamente que seja mantido o limite ao corte raso imposto pela MP?
Maggi -
As atividades na floresta, de 20%, não têm sustentação econômica para isso. Não têm. Ninguém. Você vai comprar 1.000 hectares e vai abrir 200 hectares? Duzentos hectares não sustentam uma família na pecuária. Não tem jeito. Na floresta, vamos chamar assim. Nas área de cerrado os 65% não há problema nenhum.

Folha - O sr. sabia dos problemas da Fema desde quando?
Maggi -
Eu nunca tive informação dos problemas da Fema. Quer dizer, eu sempre tomo parte com todos os secretários, converso muito freqüentemente e sempre recomendei ao ex-secretário Moacir Pires, que tomasse muito cuidado na Fema, que era um órgão, vamos chamar assim, de vulnerabilidade. Agora, isso eu nunca tive informação que dentro da Fema tinha esse negócio até porque se tivesse a informação tinha rompido na hora.

Folha - O senhor se reuniu em dezembro com o promotor do Meio Ambiente. Ele disse que as notícias da Fema não eram boas. O senhor teria dito para ele: "Também não tenho boas notícias da Fema". Quais seriam?
Maggi -
São essas notícias dos licenciamentos. No entendimento do promotor Domingos Sávio estava havendo uma diferenciação entre aquilo que a Fema faz e aquilo que a lei federal determina. Tem, nesse processo todo, tem coisas que a Fema corrigiu do Ibama, que o Ibama disse que era cerrado e, na verdade, quando a Fema fez a vistoria disse: não, isso aqui é floresta. Então, quer dizer, também houve coisas que o Ibama determinou que era assim e que, na verdade, na fiscalização, era de outro jeito. Também, incluso, o licenciamento da Fema houveram esses tipos de coisas.

Folha - Por que sabendo dessa complexidade o sr. escolheu uma pessoa notoriamente despreparada para a pasta do Meio Ambiente?
Maggi -
Olha, qualquer cidadão que tenha vontade de aprender pode ser colocado. Agora, eu acho, nesta altura do campeonato, que se tivesse colocado uma outra pessoa mais ligada ao meio, poderia ter sido diferente o processo. Eu não vou fazer nenhuma condenação do ex-secretário até que haja efetivamente uma condenação. Até porque, se ele não é um "expert" no assunto, você tem toda uma diretoria de suporte.

Folha - Como foi o processo de escolha dele? Foi indicação do PFL?
Maggi -
Todos os secretários foram escolhidos por mim, obviamente, dentro dos partidos que me apoiaram. Então, não adianta eu dizer: "Ah, foi o PFL". Escolhi alguém do PFL para aquela pasta, como escolhi alguém do PT para outra pasta. Poderia ter gente mais preparada? Poderia ter, mas, naquele momento, eu achei que ele fosse preparado e talhado para a função para a qual foi escolhido. Se tem responsabilidade de ter escolhido errado, [ela] é minha. Tenho de reconhecer e acabou. Não vou ficar fugindo do problema.

Folha - O senhor tem sido chamado de coisas como "estuprador da floresta" e "rei do desmatamento". Isso incomoda?
Maggi -
Incomoda, claro. Eu procuro pautar minha vida sempre dentro do que a legislação permite. Se tivessem responsabilizado o governador por Mato Grosso... Agora, querer extrapolar o Blairo Maggi para o resto da Amazônia e querer transformar o Blairo como inimigo número um da floresta... acho uma injustiça. Em resumo: não gostei. Não dá. Os problemas, vamos corrigir, mas não vamos abrir mão do nosso crescimento e desenvolvimento dentro do que a lei permite.


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