|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
Nobel de Economia encabeça abaixo-assinado enviado a George W. Bush que pede descriminalização da droga
"Legalize já (a maconha)", diz Friedman, 92
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
Em "Insignificância", um dos
filmes mais interessantes e menos
conhecidos de Nicolas Roeg, o cineasta de "Inverno de Sangue em
Veneza" coloca juntos no mesmo
hotel numa noite dos anos 50 o físico Albert Einstein, a atriz Marilyn Monroe, o jogador de beisebol Joe DiMaggio e o senador Joseph MacCarthy. O encontro, é
claro, nunca aconteceu. Assim como não aconteceu o de Milton
Friedman, 92, o papa do neoliberalismo, teórico e defensor mais
ferrenho do livre mercado, com o
rei do reggae Bob Marley (1945-81). Mas vale imaginar o diálogo:
"Legalize já?", diria Marley, repetindo o slogan da legalização da
maconha. "Legalize já", responderia Milton Friedman.
Na semana retrasada, o Prêmio
Nobel de Economia de 1985 e
membro do conservador Instituto Hoover, na Califórnia, encabeçou uma lista de 500 economistas
enviada ao presidente George W.
Bush e aos membros do Congresso norte-americano que pedia a
legalização da maconha.
Ele baseia seu pedido no estudo
recém-divulgado de um economista de Harvard que calcula que
a medida economizaria US$ 14 bilhões por ano ao país (leia texto
nesta página).
Friedman apóia a medida por
razões econômicas, mas também
morais. "Nos últimos mil anos,
nunca houve uma morte por
overdose de maconha", disse o
economista norte-americano em
entrevista exclusiva à Folha, repetindo um argumento que milhões
de adolescentes do mundo sabem
de cor. Leia a conversa:
Folha - "Legalize já"?
Milton Friedman - Sim. É imoral
que os Estados Unidos proíbam
as chamadas drogas ilegais. Sou a
favor da legalização de todas as
drogas, não apenas da maconha.
O atual estado das coisas é uma
desgraça social e econômica. Veja
o que acontece todos os anos neste país: colocamos milhares de jovens na prisão, jovens que deveriam estar se preparando para o
seu futuro, não sendo afastados
da sociedade. Além disso, matamos milhares de pessoas todos os
anos na América Latina, principalmente na Colômbia, na tal
"Guerra contra as Drogas".
Nós proibimos o uso das drogas, mas não podemos garantir
que elas não sejam de fato consumidas. Isso só leva à corrupção, à
violação de direitos civis. Acho
que o programa contra as drogas
dos EUA é uma monstruosidade e
ele é que devia ser eliminado. A
maconha é apenas um pequeno
pedaço desse problema, mas essa
equação pode ser aplicada a qualquer droga hoje em dia ilegal.
Folha - E o que o senhor acha que
deve acontecer com as drogas que
são vendidas legalmente, com exigência de receita médica, mas que
também são usadas com fins recreativos, como analgésicos à base
de codeína?
Friedman - Defendo a liberação
total de todas as drogas. Vicodin,
que é um analgésico poderoso,
deveria ser vendido legalmente,
sem a exigência de uma receita
médica. Essas drogas são liberadas ou não para consumo da população, com as devidas ressalvas,
pelo órgão federal que as controla
[FDA - Food and Drug Administration]. Pois acho que o FDA
causou muito mais danos do que
benefícios à população.
Veja o caso recente de remédios
que foram liberados às pressas e
mataram milhares. Se o órgão julgasse a eficiência das drogas no
lugar de regular o seu uso, baixaria o custo das pesquisas para a invenção de novas drogas, que é o
que importa de verdade.
Folha - Entendo que uma pessoa
como o senhor tenha primeiro se
interessado pelo aspecto econômico da legalização das drogas. Mas e
o moral? O sr. não acha que haveria
um boom de consumo nos primeiros anos após uma lei como essa ser
aprovada, conseqüentemente com
mais mortes?
Friedman - As pessoas aprendem com a experiência, e não precisa ser a própria experiência, a
dos outros também ensina. Não
vejo nenhuma vantagem em legalizar uma droga com ressalvas.
Todo mundo sabe como conseguir a receita de um remédio que
quer usar para recreação.
Folha - E o sr. defende que todas
as drogas deveriam ser vendidas
em qualquer quantidade, em qualquer lugar? A Holanda, por exemplo, um dos países mais liberais
nesse assunto, tem bares em que
usuários podem comprar e fumar,
mas não levar.
Friedman - Defendo que seja como o cigarro, como a bebida alcoólica. Cada um compra quanto
quer e usa como quer.
Folha - Na mesma semana do economista de Harvard, o governo divulgou um estudo segundo o qual a
maior parte dos presos por maconha se tornam "criminosos violentos, reincidentes e traficantes".
Friedman - Nada do que o governo faz com quem é pego usando
ou vendendo drogas serve para
educar o cidadão. Eles dizem isso
porque precisam justificar a prisão de tantos jovens que vêem seu
futuro ser quase fatalmente atingido quando são presos com droga. Muitos dos presos são realmente perigosos e criminosos,
mas a maioria não é.
Folha - Posso fazer uma questão
pessoal? O sr. já fumou maconha?
Ou usou droga ilegal?
Friedman - Não, nunca, mas não
quero me comprometer com essa
resposta. Talvez eu decida usar
um dia e não quero ser considerado um criminoso por isso. Não tenho nenhuma objeção ao desejo
de usar drogas, eu simplesmente
nunca tive interesse.
Folha - E se um dia as drogas fossem legalizadas, usaria?
Friedman - Talvez sim, talvez
não. Mas eu comemoraria o fato
de alguma maneira.
Folha - Em um de seus textos mais
recentes, o sr. escreve que os níveis
de analfabetismo nos EUA "são absolutamente criminosos, mantidos
apenas pelo poder dos sindicatos
dos professores". O sr. realmente
acha que o motivo de a nação mais
rica e poderosa do mundo não ter
resolvido seu sistema educacional
de maneira satisfatória é culpa de
alguns sindicalistas?
Friedman - Agora você me pegou (risos). Eu realmente não tenho uma boa resposta para essa
pergunta. Poderia dizer que geralmente os países que oferecem
maiores recompensas para os
professores se saem melhor, como os da União Européia nessa
área. Não sei o que responder...
Folha - O sr. também escreveu: "O
déficit é a única razão que impede
este Congresso de gastar mais, não
há diferenças entre republicanos e
democratas. Gastar é a maneira
mais fácil de comprar votos". O sr.
continua republicano?
Friedman - Com erre maiúsculo.
Mas acho que até agora o presidente Bush tem feito um péssimo
trabalho. Os gastos só aumentaram. Ele está se saindo um pouco
melhor do que no primeiro mandato, mas ainda está tudo ruim.
Quanto ao Congresso, políticos
são políticos. É a melhor profissão
do mundo: gastar o dinheiro dos
outros. Você faria o mesmo se estivesse lá (risos).
Folha - Ainda sobre o governo
Bush, o sr. acha que a invasão do
Iraque foi uma medida inteligente,
seja economicamente, seja no aspecto moral?
Friedman - Não apoiei a invasão
do Iraque. Agora que já estamos
lá, no entanto, temos de achar um
jeito de sair de uma maneira honrada e decente o mais rápido possível. Dito isso, certamente não
havia uma motivação econômica
justificável para a invasão, assim
como não havia para a primeira
Guerra do Golfo.
Os produtores de petróleo norte-americanos não ganham nada
com essa guerra. Faria mais sentido econômico se nós tivéssemos
invadido Dallas e vendido o petróleo de lá ao mercado mundial,
pelos preços do mercado mundial. Acho que fomos à guerra
porque o presidente realmente
acreditava que havia armas de
destruição de massa e que o mundo corria perigo por isso. É uma
boa razão para ter derrubado Saddam Hussein, mas ainda defendo
o pensamento de outro George,
Washington: "Devemos ser amigos de todos os países".
Folha - Se fosse chamado a palpitar, o que diria para melhorar a
economia do Brasil?
Friedman - Não posso responder. Estive no país há 10 ou 15
anos apenas por alguns dias e
achei e acho a sua economia muito complicada. Sei, no entanto,
que o livre mercado está funcionando em muitos países. No Chile. Mas a maioria dos países da
América Latina ainda não foi exposta ao capitalismo...
Folha - O que acha da decisão recente do G7, de perdoar o débito
dos países mais pobres?
Friedman - Bem, eles não iam receber esse dinheiro de qualquer
maneira... Acredito que a ajuda financeira externa mais prejudica
um país do que o ajuda. O mundo
seria um lugar melhor se o FMI
nunca tivesse sido criado, o Banco
Mundial não existisse.
Folha - Por quê?
Friedman - Ao emprestar dinheiro a governos fracos, você os
fortalece. E o dinheiro nunca chega aonde deveria chegar. Muitas
ditaduras nasceram de empréstimos do FMI ou do Banco Mundial. O ideal é que o dinheiro fosse
emprestado pelos países ricos diretamente para as empresas de
países pobres, tirando o governo
da equação. Se não pagassem, seriam as empresas que entrariam
em concordata, não os países.
Folha - O sr. tem defendido idéias
pouco ortodoxas ou não-compatíveis com sua biografia...
Friedman - Sou um defensor do
livre-arbítrio. Não sou um anarquista, acredito em governo, um
governo mais contido, mas um
governo. Acredito no governo tal
qual foi pensado pela primeira
constituição dos Estados Unidos,
de poderes limitados.
Folha - O sr. realmente vê as drogas sendo legalizadas?
Friedman - No mínimo a maconha. No curso da história humana, nos últimos mil anos, nunca
houve uma morte por overdose
de maconha. Na comparação, é
dez vezes menos viciante que o cigarro e menos que o álcool. Cedo
ou tarde isso vai acontecer, como
aconteceu com o cigarro e com o
álcool, aliás. Eu não vou estar aqui
para ver, mas você vai.
Texto Anterior: Entrevista: Analista prevê nova bolha em seis meses Próximo Texto: Estudo prevê economia de US$ 14 bi Índice
|