São Paulo, terça-feira, 19 de junho de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

A reforma e as fontes da bandalha


Financiar campanha eleitoral com dinheiro público e mudar regras de votação não afetam corrupção dentro do Estado

É DIFÍCIL AINDA levar a sério a reforma política que tramita no Congresso depois de assistir à demonstração, mais outra, de histrionismo, ignorância, vileza, má-fé e despropósito que foi em geral a sessão de ontem da Comissão de Ética do Senado -lá eram ouvidos o advogado da moça que teve uma filha com Renan Calheiros e um amigo do senador, aquele que trabalha numa empreiteira.
Mas nada como um dia pior que outro para sacudir o desânimo profundo. A perspectiva do saco sem fundo de motivos de desprezo ressuscita alguma resistência. Além do mais, a reforma política intenta tratar de temas como o patrimônio suspeito de políticos, assunto que deveria ter sido objeto da comissão do Senado, no entanto muita vez preterido pelo enxovalho e pela fofoca.
Debate-se no Congresso se a lista fechada, o financiamento público de campanhas e a cassação de deputados que mudam de partido reduziriam a corrupção e o paroquialismo parlamentares. Na eleição de deputados por lista fechada, vota-se na legenda, apenas. Os partidos escolhem os parlamentares a serem eleitos. O método reforçaria a solidariedade partidária, diz-se, pois os candidatos fariam campanha pelo partido, e não por si próprios. Os programas partidários ganhariam relevância, pois os parlamentares deixariam de dar excessiva atenção a sua clientela local, sua base de voto. Primeiro problema: como seriam escolhidos os candidatos da lista?
Candidatos com mais recursos (ilegais) não seriam privilegiados pela cúpula partidária? Mesmo vedado o financiamento privado da campanha, tal recurso vai desaparecer? Por que não é contido agora o financiamento ilegal? Se houver prévias para a escolha dos candidatos, o problema ressurge: haverá uma pré-eleição. Quem vai financiá-la?
Segundo, o sistema de lista fechada pode provocar uma distritalização informal das candidaturas, pois seria racional os partidos evitarem a concentração de candidatos em uma região específica. Não parece um bom modo de evitar a municipalização clientelística dos mandatos.
Terceiro, a corrupção parlamentar não está ligada apenas ao financiamento das campanhas, e tal financiamento deixou de ser motivo central de corrupção, mas apenas um de seus canais e motivações. O Congresso tornou-se um modo de ascensão social e de expansão do capital dos parlamentares. A acumulação do patrimônio desenvolve-se no lobby parlamentar mais particularista ou mesmo na participação em bancadas transpartidárias, que defendem grupos de interesse (por vezes de modo até legal e legítimo!).
Quarto, os métodos de apreciação, votação e liberação do Orçamento, seja na tramitação mesma do Orçamento ou nas medidas provisórias ou leis que o emendam, é um grande canal de malversação de dinheiros e condutas. O Orçamento é definido pelo Executivo; o Congresso debate migalhas particularistas. A reforma não evita tal fonte de corrupção.
Quinto, o excesso de cargos de nomeação livre no governo é outra fonte de barganha ilícita e pasto de bancadas bandidas. Enfim, a reforma eleitoral é inócua em termos políticos (pode haver boas e más democracias com diversos sistemas de voto) e não contém a corrupção.

vinit@uol.com.br


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