São Paulo, terça-feira, 19 de junho de 2007

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Cidade simbólica pode destravar Rodada Doha

G4 se reúne em Potsdam, que, em 1945, sediou reunião para decidir o que fazer com a Europa pós-Guerra

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A POTSDAM

Para os amantes de simbolismos, Potsdam é a cidade ideal para uma reunião que a maioria dos negociadores considera o "vai ou racha" para a Rodada Doha, a mais recente e a mais abrangente negociação para a liberalização comercial mundial, lançada em 2001 e virtualmente estancada desde então.
Foi em Potsdam, entre julho e agosto de 1945, que as potências vitoriosas na 2ª Guerra Mundial (1939/45) se reuniram para decidir o que fazer com a Europa. EUA, União Soviética, Reino Unido e França estabeleceram, para todos os efeitos práticos, a divisão entre Ocidente e Oriente que permaneceu por toda a Guerra Fria, só encerrada com a queda do Muro de Berlim, em 1989, aliás a apenas 30 km de Potsdam.
A partir de hoje e até sábado, são de novo quatro as potências reunidas em Potsdam: Estados Unidos, União Européia, Brasil e Índia (os dois últimos potenciais comerciais apenas). Formam o G4 e pretendem, se não estabelecer uma "nova geografia comercial" do mundo, como gostaria o presidente Lula em seus arroubos megalômanos, pelo menos deixar claros, doravantes, os eventuais contornos do comércio global.
Ou, como prefere Peter Mandelson, comissário europeu do Comércio e um dos negociadores: "O encontro do G4 pode não concluir a Rodada Doha, mas determinará se a Rodada Doha pode ser concluída".
Mandelson resumiu o encontro com precisão: mesmo que consigam um acordo total, os quatro presentes a Potsdam ainda terão que vendê-lo aos demais 146 países da Organização Mundial do Comércio, tarefa mais difícil do que o acerto feito ao final da 2ª Guerra.
Naquela época, as potências vencedoras decidiam -e os demais países não tinham alternativa a não ser seguir o acertado por elas. Agora, não é mais assim. As decisões na OMC são tomadas por consenso, o que, em tese, faz o voto da Bolívia valer tanto quanto o dos EUA.

"Estamos perto"
De todo modo, se não houver um entendimento no G4, nem se chegará à etapa seguinte -a de convencer os outros 146.
Quais as chances, então, de o G4 fechar agora um acordo que vem sendo tentado há pelo menos um ano e meio, sem maiores avanços?
Os otimistas dizem que é a chance é grande. "Estamos muito perto. Estamos a apenas alguns pontos percentuais e a alguns bilhões de dólares de conseguir um acordo", aposta Tony Blair, primeiro-ministro britânico -ele deixará o cargo na próxima semana.
Por alguns pontos percentuais, entenda-se o nível de redução nas tarifas de importação de bens agrícolas que a União Européia se dispõe a oferecer. A oferta européia oficial é um corte de 40%, insuficiente para satisfazer o apetite tanto dos EUA como do Brasil. O número mágico parece ser 54%.
Tanto que, ontem mesmo, Mandelson cobrou dos ministros de Relações Exteriores da União Européia, reunidos em Bruxelas, que aceitem ir "ao limite da flexibilidade", pedido que estendeu a seus pares do G4. "Se cada parte negociar no limite de sua flexibilidade, então as conversas [em Potsdam] serão um sucesso", afirmou.
Já os bilhões de dólares mencionados por Blair são a cota americana. Os EUA mantêm sua proposta de preservar seus subsídios domésticos à agricultura em US$ 22 bilhões.
"O número terá que ser significativamente menor que esse", diz o ministro Celso Amorim, chefe da delegação brasileira.
Até um negociador neutro, Crawford Falconer, presidente do Comitê de Negociação Agrícola da OMC, sugere o que no jargão ganhou o nome de "low teens". Seria a redução dos subsídios norte-americanos para as primeiras dezenas de bilhões de dólares. Talvez seja aceitável uma oferta de US$ 15 bilhões.
O problema é que esses números, por ora, não passam do que Amorim chama de "poltergeist". Fantasmas que surgem aqui e ali, mas não se materializam à mesa de negociação.
"Não há nenhum número à mesa nem dos europeus nem dos americanos", afirma Clodoaldo Hugueney, embaixador do Brasil na OMC, depois da enésima rodada de negociação entre técnicos do G4, para preparar o encontro de Potsdam.
Sem que se chegue finalmente a números, não haverá acordo em Potsdam, como é óbvio. "A janela de oportunidade para alcançar um acordo está se fechando", avisa Mandelson.
Se a janela não for aproveitada, "muitos negociadores dizem que a Rodada Doha ficará no congelador por um tempo -talvez anos", diz Carin Smaller, do Instituto para a Agricultura e Política Agrícola (EUA).


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