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Cidade simbólica pode destravar Rodada Doha
G4 se reúne em Potsdam, que, em 1945, sediou reunião para decidir o que fazer com a Europa pós-Guerra
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A POTSDAM
Para os amantes de simbolismos, Potsdam é a cidade ideal
para uma reunião que a maioria
dos negociadores considera o
"vai ou racha" para a Rodada
Doha, a mais recente e a mais
abrangente negociação para a
liberalização comercial mundial, lançada em 2001 e virtualmente estancada desde então.
Foi em Potsdam, entre julho
e agosto de 1945, que as potências vitoriosas na 2ª Guerra
Mundial (1939/45) se reuniram para decidir o que fazer
com a Europa. EUA, União Soviética, Reino Unido e França
estabeleceram, para todos os
efeitos práticos, a divisão entre
Ocidente e Oriente que permaneceu por toda a Guerra Fria,
só encerrada com a queda do
Muro de Berlim, em 1989, aliás
a apenas 30 km de Potsdam.
A partir de hoje e até sábado,
são de novo quatro as potências
reunidas em Potsdam: Estados
Unidos, União Européia, Brasil
e Índia (os dois últimos potenciais comerciais apenas). Formam o G4 e pretendem, se não
estabelecer uma "nova geografia comercial" do mundo, como
gostaria o presidente Lula em
seus arroubos megalômanos,
pelo menos deixar claros, doravantes, os eventuais contornos
do comércio global.
Ou, como prefere Peter Mandelson, comissário europeu do
Comércio e um dos negociadores: "O encontro do G4 pode
não concluir a Rodada Doha,
mas determinará se a Rodada
Doha pode ser concluída".
Mandelson resumiu o encontro com precisão: mesmo
que consigam um acordo total,
os quatro presentes a Potsdam
ainda terão que vendê-lo aos
demais 146 países da Organização Mundial do Comércio, tarefa mais difícil do que o acerto
feito ao final da 2ª Guerra.
Naquela época, as potências
vencedoras decidiam -e os demais países não tinham alternativa a não ser seguir o acertado por elas. Agora, não é mais
assim. As decisões na OMC são
tomadas por consenso, o que,
em tese, faz o voto da Bolívia
valer tanto quanto o dos EUA.
"Estamos perto"
De todo modo, se não houver
um entendimento no G4, nem
se chegará à etapa seguinte -a
de convencer os outros 146.
Quais as chances, então, de o
G4 fechar agora um acordo que
vem sendo tentado há pelo menos um ano e meio, sem maiores avanços?
Os otimistas dizem que é a
chance é grande. "Estamos
muito perto. Estamos a apenas
alguns pontos percentuais e a
alguns bilhões de dólares de
conseguir um acordo", aposta
Tony Blair, primeiro-ministro
britânico -ele deixará o cargo
na próxima semana.
Por alguns pontos percentuais, entenda-se o nível de redução nas tarifas de importação de bens agrícolas que a
União Européia se dispõe a oferecer. A oferta européia oficial
é um corte de 40%, insuficiente
para satisfazer o apetite tanto
dos EUA como do Brasil. O número mágico parece ser 54%.
Tanto que, ontem mesmo,
Mandelson cobrou dos ministros de Relações Exteriores da
União Européia, reunidos em
Bruxelas, que aceitem ir "ao limite da flexibilidade", pedido
que estendeu a seus pares do
G4. "Se cada parte negociar no
limite de sua flexibilidade, então as conversas [em Potsdam]
serão um sucesso", afirmou.
Já os bilhões de dólares mencionados por Blair são a cota
americana. Os EUA mantêm
sua proposta de preservar seus
subsídios domésticos à agricultura em US$ 22 bilhões.
"O número terá que ser significativamente menor que esse",
diz o ministro Celso Amorim,
chefe da delegação brasileira.
Até um negociador neutro,
Crawford Falconer, presidente
do Comitê de Negociação Agrícola da OMC, sugere o que no
jargão ganhou o nome de "low
teens". Seria a redução dos subsídios norte-americanos para
as primeiras dezenas de bilhões
de dólares. Talvez seja aceitável
uma oferta de US$ 15 bilhões.
O problema é que esses números, por ora, não passam do
que Amorim chama de "poltergeist". Fantasmas que surgem
aqui e ali, mas não se materializam à mesa de negociação.
"Não há nenhum número à
mesa nem dos europeus nem
dos americanos", afirma Clodoaldo Hugueney, embaixador
do Brasil na OMC, depois da
enésima rodada de negociação
entre técnicos do G4, para preparar o encontro de Potsdam.
Sem que se chegue finalmente a números, não haverá acordo em Potsdam, como é óbvio.
"A janela de oportunidade para
alcançar um acordo está se fechando", avisa Mandelson.
Se a janela não for aproveitada, "muitos negociadores dizem que a Rodada Doha ficará
no congelador por um tempo
-talvez anos", diz Carin Smaller, do Instituto para a Agricultura e Política Agrícola (EUA).
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