São Paulo, domingo, 19 de julho de 2009

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Desequilíbrio fiscal ameaça crescimento

Economistas criticam medidas como lei que exclui PAC do superávit primário e veem "herança maldita" para o próximo governo

Aumento de gastos fiscais, que deixa menor espaço para reduzir juros e ampliar a produção, já afeta risco do país nos juros futuros

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A decisão do governo de dar mais flexibilidade aos gastos públicos, permitindo que as despesas com projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, plano de investimento do governo) não sejam consideradas na hora de avaliar a performance fiscal da União, reacendeu o debate sobre o equilíbrio fiscal no país daqui para a frente, especialmente no início do mandato do próximo presidente, em 2011.
Entre os economistas, já se fala "na herança maldita" que o presidente Lula deixará para o sucessor. Desde o início do governo petista, a questão fiscal era considerada debate secundário no mercado financeiro.
Nas últimas duas semanas, porém, ela tem ocupado espaço cada vez maior. A dúvida dos investidores sobre o futuro do equilíbrio fiscal já responde por uma parte do risco atribuído ao Brasil nos juros futuros.
A taxa dos contratos referenciados em janeiro de 2011, por exemplo, que era de 9,42% ao ano no início de junho, está em alta. Uma pequena parcela do aumento é atribuída a dúvidas fiscais, segundo especialistas.
O peso das incertezas fiscais aumentou nesta semana, com a aprovação, no Congresso, da LDO de 2010 (lei que dá as diretrizes para os gastos orçamentários do próximo ano).
Com o texto, o governo legalizou uma brecha que já havia sido aberta informalmente para este ano e que, na prática, permite que os ministérios gastem mais com investimentos sem serem acusados de irresponsáveis fiscais.

Diferença
No entanto, há uma diferença no debate sobre a questão fiscal. No passado, ele era vinculado à solvência do país, colocando em dúvida se o governo teria capacidade de fazer economia (chamada de superávit primário) suficiente para manter o pagamento da sua dívida em dia e evitar um calote.
Agora, a discussão está diretamente relacionada ao crescimento da economia. "A questão é se o "mix" de política econômica que o país seguirá irá assegurar crescimento econômico", afirma Roberto Padovani, economista para América Latina do WestLB.
Isso porque, quanto maior o gasto fiscal, menor o espaço para a redução dos juros e, portanto, para elevar a capacidade produtiva do país.
Segundo o economista Samuel Pessoa, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), o tema estará inevitavelmente na pauta de debate da sucessão presidencial.
"O próximo presidente pegará um país crescendo, mas com pressão inflacionária e sem poder cortar gastos públicos porque eles cresceram com despesas permanentes."
Ele critica o aumento do funcionalismo nos últimos anos, considerado "fora da realidade do país". Além disso, o governo prepara um novo reajuste para o Bolsa Família e diminuiu a contrapartida que Estados e municípios são obrigados a arcar nos projetos do PAC, sobrecarregando os desembolsos da União.
Para Pessoa, "o governo jogou a toalha da responsabilidade fiscal nos últimos dois anos e vai deixar uma herança maldita para o próximo presidente".
A economista-chefe do banco ING, Zeina Latif, diz que a flexibilidade para investir veio com o engessamento das despesas de custeio. "O governo não quis fazer um ajuste e cortar gastos. Com a queda na arrecadação, preferiu reduzir a meta de superávit primário."
A brecha para mais gastos, que pode abrir precedentes para que outras despesas sejam incluídas, pegou carona na crise financeira mundial e ganhou o rótulo de política anticíclica. "Essa política pressupõe aumento de gastos quando a economia vai mal e cortes quando a economia se recupera. Como o aumento se deu em gastos permanentes, está sendo feita uma política anticíclica de um lado só", diz Fábio Akira, economista-chefe do JPMorgan.


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