São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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Tensão pode durar dois anos, diz ex-Fed

Para ex-dirigente do banco central dos EUA, com a crise, Brasil deverá demorar mais para receber o grau de investimento

Mercado aguarda com ansiedade os próximos balanços dos bancos para saber o tamanho real dos prejuízos, disse Handorf

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ex-diretor do Federal Reserve [o BC dos EUA], o professor William Handorf, da Universidade George Washington, prevê de um a dois anos de tensão nos mercados. Afirma que o Fed e os BCs poderão colocar ainda mais dinheiro nos mercados e baixar as taxas de juros se notarem indícios de recessão -ele afirma que há risco de 30% do que chama de "hard landing" [pouso forçado] na economia americana. Diretor do Federal Home Loan Bank, instituição que atua no crédito imobiliário, epicentro da crise, Handorf afirma que a má notícia para o Brasil será o atraso na chegada do "grau de investimento", chancela de bom pagador. O motivo? A crise será um último teste de resistência antes do reconhecimento do país.

 

FOLHA - Como surgiu a crise? Por que os alertas não foram ouvidos?
HANDORF
- Quando fui diretor do Fed, há quatro anos, comecei a ver um aumento significante do risco nas hipotecas feitas por financeiras que pouco avaliavam os empréstimos. Três anos atrás, indiquei ao Fed que esses créditos iriam terminar em calote, mas que os bancos não teriam perda porque os imóveis tinham se valorizado. Isso mudou no ano passado, quando os preços dos imóveis começaram a cair. Alguns imóveis não cobrem as hipotecas e não servem mais de garantia.

FOLHA - Quanto maior a crise pode ficar? Teremos mais surpresas?
HANDORF
- Há a percepção que o mercado de hipotecas nos EUA é todo de "subprime" [segunda linha]. Não é verdade. O mercado de hipotecas tem 70% de "prime" [primeira linha], 20% de "subprime" e 10% de crédito "alternativo" -aquele que não tem qualquer tipo de avaliação e deve desaparecer. O que é chamado de crise do "subprime", eu diria ser mais uma correção do crédito de alto risco. Ou, simplesmente, que os bancos fizeram empréstimos que não deveriam ter feito -sem verificar renda, avaliar imóveis e com juro baixo.

FOLHA - Quanto tempo deve durar a turbulência nos mercados?
HANDORF
- Até dois anos. Desde que não aconteça nenhuma catástrofe em outra parte do mundo, minha expectativa é de um ano de crescimento mais lento e outro ano de mais turbulência.

FOLHA - Qual a probabilidade de "hard landing" na economia americana?
HANDORF
- Um modelo que eu uso calcula que a probabilidade de "hard landing" é de 30%. E isso baseado em problemas no mercado imobiliário e diminuição do consumo porque as pessoas não conseguem refinanciar com facilidade a hipoteca.

FOLHA - Como os bancos centrais devem lidar com a crise? Qual a maior preocupação do Fed?
HANDORF
- O Banco Central Europeu (BCE) e o Fed querem ter certeza que a economia não sofrerá uma retração por falta de liquidez. Há uma reavaliação do crédito que reduz a habilidade dos bancos de fazer novos empréstimos ou ter acesso a "cash". A necessidade de "cash" leva à queda nos mercados. Para o sistema não parar, os BCs injetam e injetarão mais dinheiro nos mercados.

FOLHA - Como o Fed e o BCE enfrentariam uma piora no cenário?
HANDORF
- Caso tenhamos mais notícias ruins, é provável que os BCs cortem as taxas de juros ainda neste ano para tornar os empréstimos mais baratos e, pelo menos, minimizar a extensão do "hard landing".

FOLHA - Como essa crise afetará o Brasil?
HANDORF
- O Brasil estava muito perto de obter o grau de investimento. O preço de ações e títulos já refletia a mudança. Agora, as agências de rating vão querer ver como a economia brasileira passa pela crise e como as exportações para os EUA serão afetadas. Acredito que o Brasil não vai mais obter o grau de investimento em 2007, como achava, mas em 2008.

FOLHA - Teremos quebra de fundos, bancos e empresas?
HANDORF
- Espero ver um número de construtores , imobiliárias e "hedge funds" [grandes fundos] americanos quebrando. Não ficaria surpreso de ver uns dois ou três bancos que atuem especialmente no setor de hipotecas quebrarem. A grande preocupação é que um grande banco, como Citibank ou Chase, tenha perdas suficientes para impactar seus resultados. A preocupação real que tive como membro do Fed é que os bancos tenham de remarcar esses empréstimos a preços de mercado. Esses empréstimos valem menos, e os bens relacionados, também.

FOLHA - Quando vamos saber?
HANDORF
- Vamos saber só quando saírem os resultados do terceiro trimestre dos bancos, em outubro. Até lá, teremos desconfiança. Não surpreenderá ver um número considerável de bancos fazendo correções pesadas no crédito, uma verdadeira faxina na casa. O mercado espera isso: um trimestre ou ano ruim para os bancos.

FOLHA - Quais as lições que esta crise deixará aos mercados?
HANDORF
- Diminuirá os empréstimos para os fundos de "private equitiy" (de capital privado). Citibank e Morgan Chase ficarão menos interessados em dar dinheiro para esses fundos comprarem companhias. A concessão de empréstimos será mais rigorosa, e as taxas, mais caras. A sofisticação do mercado de crédito diminuirá, mas não desaparecerá.

FOLHA - Qual o maior desafio do BC brasileiro durante a crise?
HANDORF
- É manter a estabilidade e a ordem no mercado. Lidar com essa situação será importante para o Brasil obter o grau de investimento.

FOLHA - Houve mudança no Fed com a saída de Alan Greenspan?
HANDORF
- Após seis anos em que fui diretor com Alan Greenspan, não vejo uma mudança crítica na condução da política monetária no Fed. Nos EUA, temos 12 membros regionais no comitê [que decide os juros]. O presidente tem só um voto. Na minha região, em Richmond, o presidente local discorda de Ben Bernanke [presidente do Fed] e acha que deve subir os juros. Cada um tem o direito de discordar. Isso mostra independência. É muito útil ter diferença de opinião.


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