Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Tensão pode durar dois anos, diz ex-Fed
Para ex-dirigente do banco central dos EUA, com a crise, Brasil deverá demorar mais para receber o grau de investimento
Mercado aguarda com ansiedade os próximos balanços dos bancos para saber o tamanho real dos prejuízos, disse Handorf
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Ex-diretor do Federal Reserve [o BC dos EUA], o professor
William Handorf, da Universidade George Washington, prevê de um a dois anos de tensão
nos mercados. Afirma que o
Fed e os BCs poderão colocar
ainda mais dinheiro nos mercados e baixar as taxas de juros se
notarem indícios de recessão
-ele afirma que há risco de
30% do que chama de "hard
landing" [pouso forçado] na
economia americana. Diretor
do Federal Home Loan Bank,
instituição que atua no crédito
imobiliário, epicentro da crise,
Handorf afirma que a má notícia para o Brasil será o atraso na
chegada do "grau de investimento", chancela de bom pagador. O motivo? A crise será um
último teste de resistência antes do reconhecimento do país.
FOLHA - Como surgiu a crise? Por
que os alertas não foram ouvidos?
HANDORF - Quando fui diretor
do Fed, há quatro anos, comecei a ver um aumento significante do risco nas hipotecas
feitas por financeiras que pouco avaliavam os empréstimos.
Três anos atrás, indiquei ao Fed
que esses créditos iriam terminar em calote, mas que os bancos não teriam perda porque os
imóveis tinham se valorizado.
Isso mudou no ano passado,
quando os preços dos imóveis
começaram a cair. Alguns imóveis não cobrem as hipotecas e
não servem mais de garantia.
FOLHA - Quanto maior a crise pode
ficar? Teremos mais surpresas?
HANDORF - Há a percepção que
o mercado de hipotecas nos
EUA é todo de "subprime" [segunda linha]. Não é verdade. O
mercado de hipotecas tem 70%
de "prime" [primeira linha],
20% de "subprime" e 10% de
crédito "alternativo" -aquele
que não tem qualquer tipo de
avaliação e deve desaparecer. O
que é chamado de crise do
"subprime", eu diria ser mais
uma correção do crédito de alto
risco. Ou, simplesmente, que os
bancos fizeram empréstimos
que não deveriam ter feito
-sem verificar renda, avaliar
imóveis e com juro baixo.
FOLHA - Quanto tempo deve durar
a turbulência nos mercados?
HANDORF - Até dois anos. Desde que não aconteça nenhuma
catástrofe em outra parte do
mundo, minha expectativa é de
um ano de crescimento mais
lento e outro ano de mais turbulência.
FOLHA - Qual a probabilidade de
"hard landing" na economia americana?
HANDORF - Um modelo que eu
uso calcula que a probabilidade
de "hard landing" é de 30%. E
isso baseado em problemas no
mercado imobiliário e diminuição do consumo porque as pessoas não conseguem refinanciar com facilidade a hipoteca.
FOLHA - Como os bancos centrais
devem lidar com a crise? Qual a
maior preocupação do Fed?
HANDORF - O Banco Central
Europeu (BCE) e o Fed querem
ter certeza que a economia não
sofrerá uma retração por falta
de liquidez. Há uma reavaliação
do crédito que reduz a habilidade dos bancos de fazer novos
empréstimos ou ter acesso a
"cash". A necessidade de "cash"
leva à queda nos mercados. Para o sistema não parar, os BCs
injetam e injetarão mais dinheiro nos mercados.
FOLHA - Como o Fed e o BCE enfrentariam uma piora no cenário?
HANDORF - Caso tenhamos
mais notícias ruins, é provável
que os BCs cortem as taxas de
juros ainda neste ano para tornar os empréstimos mais baratos e, pelo menos, minimizar a
extensão do "hard landing".
FOLHA - Como essa crise afetará o
Brasil?
HANDORF - O Brasil estava muito perto de obter o grau de investimento. O preço de ações e
títulos já refletia a mudança.
Agora, as agências de rating vão
querer ver como a economia
brasileira passa pela crise e como as exportações para os EUA
serão afetadas. Acredito que o
Brasil não vai mais obter o grau
de investimento em 2007, como achava, mas em 2008.
FOLHA - Teremos quebra de fundos, bancos e empresas?
HANDORF - Espero ver um número de construtores , imobiliárias e "hedge funds" [grandes
fundos] americanos quebrando. Não ficaria surpreso de ver
uns dois ou três bancos que
atuem especialmente no setor
de hipotecas quebrarem. A
grande preocupação é que um
grande banco, como Citibank
ou Chase, tenha perdas suficientes para impactar seus resultados. A preocupação real
que tive como membro do Fed
é que os bancos tenham de remarcar esses empréstimos a
preços de mercado. Esses empréstimos valem menos, e os
bens relacionados, também.
FOLHA - Quando vamos saber?
HANDORF - Vamos saber só
quando saírem os resultados do
terceiro trimestre dos bancos,
em outubro. Até lá, teremos
desconfiança. Não surpreenderá ver um número considerável
de bancos fazendo correções
pesadas no crédito, uma verdadeira faxina na casa. O mercado
espera isso: um trimestre ou
ano ruim para os bancos.
FOLHA - Quais as lições que esta
crise deixará aos mercados?
HANDORF - Diminuirá os empréstimos para os fundos de
"private equitiy" (de capital
privado). Citibank e Morgan
Chase ficarão menos interessados em dar dinheiro para esses
fundos comprarem companhias. A concessão de empréstimos será mais rigorosa, e as
taxas, mais caras. A sofisticação
do mercado de crédito diminuirá, mas não desaparecerá.
FOLHA - Qual o maior desafio do
BC brasileiro durante a crise?
HANDORF - É manter a estabilidade e a ordem no mercado. Lidar com essa situação será importante para o Brasil obter o
grau de investimento.
FOLHA - Houve mudança no Fed
com a saída de Alan Greenspan?
HANDORF - Após seis anos em
que fui diretor com Alan
Greenspan, não vejo uma mudança crítica na condução da
política monetária no Fed. Nos
EUA, temos 12 membros regionais no comitê [que decide os
juros]. O presidente tem só um
voto. Na minha região, em
Richmond, o presidente local
discorda de Ben Bernanke
[presidente do Fed] e acha que
deve subir os juros. Cada um
tem o direito de discordar. Isso
mostra independência. É muito útil ter diferença de opinião.
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Visão externa Índice
|