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LUÍS NASSIF
O gênio de Escobar
Que meus conterrâneos não me
leiam, mas Poços de Caldas tornou-se cidade tão ignorante de
sua história, que nem sei se mantém inteligência para coisas menores. Se perguntar ao pessoal
quem foi Francisco Escobar, vão
dizer que é grupo escolar.
No entanto, se existia alguém
inteligente no Brasil no começo
do século, era o Escobar. Ruy Barbosa o chamava de "cabeça de
Salomão, pois sabe tudo o que eu
sei e ainda o que eu não sei: música". Euclides da Cunha o tratava
de "meu mestre", assim como
Monteiro Lobato.
Escobar nasceu em Jaguari,
município de Camanducaia, sul
de Minas, em 1865. Não cursou
escola. Foi autodidata a vida toda.
Ainda jovem, em São Paulo,
manteve brilhante polêmica com
a Faculdade de Direito 11 de
Agosto, que proibia que rábulas
(provisionados) exercessem a advocacia. Ele e Eliseu Guilhermino
encaminharam manifestação para o Senado estadual que derrubou a proibição. Teve início aí
sua reputação.
Em 1892, com 27 anos, foi convidado pelo fazendeiro Labiano da
Costa Machado para ir a São José
do Rio Pardo. Em pouco tempo,
candidatou-se a vereador, tornou-se presidente da Câmara de
São José e, logo depois, intendente
municipal (prefeito).
Era intendente em 1897, quando chegou à cidade Euclides da
Cunha. Tornaram-se logo grandes amigos. Virou "mestre" de
Euclides porque fornecia-lhe livros, inclusive traduzindo do latim a coleção "Martius", sobre a
flora, que Dom Pedro 2º ofereceu
para a Escola Normal de Casa
Branca -onde minha mãe estudou nos anos 40.
Euclides ficou em São José de
1897 a 1902. "Os Sertões" foi publicado em 1902, escrito de janeiro a dezembro.
Dona Aninha
Anos atrás, Ana de Assis, a mulher de Euclides, virou símbolo da
mulher independente, depois de
uma biografia romanceada, que
mereceu até minissérie, com personagem vivido por Vera Fischer.
Naqueles tempos, dona Aninha
já era cravo em sua vida, lembra
Rosaura, a caçula dos Escobar.
Em São José do Rio Pardo, ficava
à janela, com largos decotes, a
fim de provocar ciúmes no marido. Teve um caso com o médico
Álvaro Ribeiro, tornando insuportável sua vida. O médico precisou vender a casa e mudar-se
da cidade. Escobar proibia a família de frequentar a casa de Euclides, por conta dos modos de
dona Aninha.
Em Poços
Em 1903, Francisco ficou doente
do pulmão em São José e retornou para Camanducaia, para se
tratar na casa da mãe. Ficou em
Camanducaia até 1909, quando
Wenceslau Bráz o nomeou prefeito de Poços de Caldas. Seu nome já havia sido lançado nacionalmente quando Venâncio Filho divulgou sua correspondência com Euclides no livro "Euclides e seus amigos".
Em 1910, deu início à grande reforma de Poços de Caldas.
A primeira grande inauguração foi do Polytheama, o teatro
da cidade. Para inaugurá-lo, Escobar foi buscar no Rio de Janeiro o maestro Guido Rocchi, que
servia à orquestra italiana que
desembarcou no Rio na ocasião,
e radicou-se na cidade, com sua
mulher Terezinha Rocchi -biografada por Antônio Cândido e
mulher de gênio terrível.
Com Escobar, Poços foi a primeira cidade do interior a usar
cimento armado nas pontes. A
população ficava à espreita esperando a ponte cair. Foi também a
primeira a usar macadame para
piso de rua.
Toda casa tinha que ter jardim
com árvore. Havia redução de
impostos para casas que mantivessem recuos e caprichassem na
aparência.
O músico
Com toda essa bagagem, Escobar era um músico de finíssima
técnica. Em julho de 1916, o violinista russo Mischa Violin foi a
Belo Horizonte. Francisco Escobar foi acompanhá-lo. Interpretaram "Ronde des Luttins", de
Bazzini, e "Chacone", de Bach.
Certa vez, o conhecido maestro
Chiafarelli veio a Poços e mostrou a partitura que acabara de
chegar da Europa. Era peça para
quatro mãos. Francisco tocou na
primeira leitura.
Também acompanhou Giuleto
Veronezzi, violinista italiano cujo acompanhante adoeceu.
Escobar morreu em 1924, aos 54
anos. Para a Poços atual, saiu da
história para virar grupo escolar.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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