São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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LUÍS NASSIF
O gênio de Escobar

Que meus conterrâneos não me leiam, mas Poços de Caldas tornou-se cidade tão ignorante de sua história, que nem sei se mantém inteligência para coisas menores. Se perguntar ao pessoal quem foi Francisco Escobar, vão dizer que é grupo escolar.
No entanto, se existia alguém inteligente no Brasil no começo do século, era o Escobar. Ruy Barbosa o chamava de "cabeça de Salomão, pois sabe tudo o que eu sei e ainda o que eu não sei: música". Euclides da Cunha o tratava de "meu mestre", assim como Monteiro Lobato.
Escobar nasceu em Jaguari, município de Camanducaia, sul de Minas, em 1865. Não cursou escola. Foi autodidata a vida toda.
Ainda jovem, em São Paulo, manteve brilhante polêmica com a Faculdade de Direito 11 de Agosto, que proibia que rábulas (provisionados) exercessem a advocacia. Ele e Eliseu Guilhermino encaminharam manifestação para o Senado estadual que derrubou a proibição. Teve início aí sua reputação.
Em 1892, com 27 anos, foi convidado pelo fazendeiro Labiano da Costa Machado para ir a São José do Rio Pardo. Em pouco tempo, candidatou-se a vereador, tornou-se presidente da Câmara de São José e, logo depois, intendente municipal (prefeito).
Era intendente em 1897, quando chegou à cidade Euclides da Cunha. Tornaram-se logo grandes amigos. Virou "mestre" de Euclides porque fornecia-lhe livros, inclusive traduzindo do latim a coleção "Martius", sobre a flora, que Dom Pedro 2º ofereceu para a Escola Normal de Casa Branca -onde minha mãe estudou nos anos 40.
Euclides ficou em São José de 1897 a 1902. "Os Sertões" foi publicado em 1902, escrito de janeiro a dezembro.

Dona Aninha
Anos atrás, Ana de Assis, a mulher de Euclides, virou símbolo da mulher independente, depois de uma biografia romanceada, que mereceu até minissérie, com personagem vivido por Vera Fischer.
Naqueles tempos, dona Aninha já era cravo em sua vida, lembra Rosaura, a caçula dos Escobar. Em São José do Rio Pardo, ficava à janela, com largos decotes, a fim de provocar ciúmes no marido. Teve um caso com o médico Álvaro Ribeiro, tornando insuportável sua vida. O médico precisou vender a casa e mudar-se da cidade. Escobar proibia a família de frequentar a casa de Euclides, por conta dos modos de dona Aninha.

Em Poços
Em 1903, Francisco ficou doente do pulmão em São José e retornou para Camanducaia, para se tratar na casa da mãe. Ficou em Camanducaia até 1909, quando Wenceslau Bráz o nomeou prefeito de Poços de Caldas. Seu nome já havia sido lançado nacionalmente quando Venâncio Filho divulgou sua correspondência com Euclides no livro "Euclides e seus amigos".
Em 1910, deu início à grande reforma de Poços de Caldas.
A primeira grande inauguração foi do Polytheama, o teatro da cidade. Para inaugurá-lo, Escobar foi buscar no Rio de Janeiro o maestro Guido Rocchi, que servia à orquestra italiana que desembarcou no Rio na ocasião, e radicou-se na cidade, com sua mulher Terezinha Rocchi -biografada por Antônio Cândido e mulher de gênio terrível.
Com Escobar, Poços foi a primeira cidade do interior a usar cimento armado nas pontes. A população ficava à espreita esperando a ponte cair. Foi também a primeira a usar macadame para piso de rua.
Toda casa tinha que ter jardim com árvore. Havia redução de impostos para casas que mantivessem recuos e caprichassem na aparência.

O músico
Com toda essa bagagem, Escobar era um músico de finíssima técnica. Em julho de 1916, o violinista russo Mischa Violin foi a Belo Horizonte. Francisco Escobar foi acompanhá-lo. Interpretaram "Ronde des Luttins", de Bazzini, e "Chacone", de Bach.
Certa vez, o conhecido maestro Chiafarelli veio a Poços e mostrou a partitura que acabara de chegar da Europa. Era peça para quatro mãos. Francisco tocou na primeira leitura.
Também acompanhou Giuleto Veronezzi, violinista italiano cujo acompanhante adoeceu.
Escobar morreu em 1924, aos 54 anos. Para a Poços atual, saiu da história para virar grupo escolar.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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