São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 2002

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LUÍS NASSIF

O limite dos procuradores

Afinal, procuradores devem ou não se valer da mídia para divulgar meras suspeitas? Recentemente, uma procuradora federal em São Paulo, aguerrida, porém equilibrada, defendeu que o exagero de alguns procuradores não deveria impedir o acesso dos demais à mídia.
A autonomia do Ministério Público foi uma das grandes conquistas democráticas do país. O MP ganhou poder e, como tal, tem de saber dosá-lo. O processo jurídico é necessariamente complexo, por envolver muitos componentes, e exigir a análise técnica dos fatos levantados por ambas as partes. Não é trabalho para amador. Para entendê-lo, exige conhecimento jurídico e muito discernimento para separar alhos de bugalhos e filtrar a verdade.
O trabalho do procurador é levantar peças de acusação. Assim como o jornalista que consegue seu "furo", o procurador procura supervalorizar os indícios que levanta, esquentar suas suspeitas, tirar conclusões que podem ou não ter consistência. Mas o seu limite é dado pelo Judiciário, incumbido de analisar todos os argumentos e proferir a sentença.
Quando a reportagem ouve o procurador que, em "off" ou em "on", apresenta suas suspeitas como sendo provas -ou mesmo quando divulga esse primor acaciano tipo "se houver provas contra tal candidato, ele será indiciado"-, confere-se um poder sem limites a ele. Ele pode dispor de suspeitas sem fundamento, de acusações sem prova, mas no ambiente não-técnico de uma reportagem dará sua palavra final.
O limite do poder do procurador -assim como do jornalista- está dado pela análise técnica dos fatos. O procurador tem de se ater aos fatos. Se se tirar esse limite, não tem como controlar a corporação, e será fácil alguns procuradores se prestarem a jogos de interesse, ou exercerem o poder pelo poder.
Recentemente, Zeca do PT foi alvo de um tiroteio por parte de procuradores com os quais tem desavenças antigas. Os procuradores divulgaram acusações, de supostas ligações do governador com criminosos que atuavam na fronteira. Era uma profusão de informações, de personagens, de fatos, de tentativa de estabelecer ilações, relações entre personagens e fatos, denotando a complexidade do episódio.
Muitas questões tecnicamente justificáveis eram apresentadas como "denúncias" pelos procuradores. Como, por exemplo, o tom de acusação adotado para denunciar o fato de um coronel ter obtido habeas corpus para responder ao processo em liberdade. O habeas corpus havia sido concedido por unanimidade pelo tribunal -provavelmente pelo fato de o coronel ser réu primário. Ou seja, uma decisão absolutamente justificável, do ponto de vista técnico, ganha ares de escândalo quando transportada para as páginas dos jornais sem as devidas explicações. Quem resiste?
No foro técnico adequado -o processo-, a informação da reportagem era a de que o MP em Brasília não teria identificado nenhuma evidência contra o governador que permitisse transformar o processo em inquérito. No entanto os procuradores conseguiram fazer prevalecer sua posição no foro não-técnico (a mídia).
Às vezes pode ser que o processo esbarre em posições suspeitas de juízes. Ocorre que o direito de ir à mídia e fuzilar reputações é dado indistintamente a todos os procuradores -dos responsáveis aos tresloucados. E cada um deles decide de forma pessoal e intransferível como utilizá-lo: se com discernimento ou se como um novo-rico do poder.
Cada manipulação política dessa arma é debitada ao MP como um todo, prejudicando o trabalho daqueles procuradores que, sem o foco da mídia, trabalham de maneira anônima e técnica para cumprir sua função constitucional.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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