São Paulo, quarta-feira, 19 de setembro de 2007

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Ação do Fed foi política ou revela crise maior, diz ex-FMI

Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago, diz que riscos ainda são elevados

Para economista, corte de meio ponto cria o risco de o mercado acreditar que Fed "virá em socorro" sempre que surgir um problema

Spencer Platt/France Presse
Operadores da Bolsa de Nova York observam anúncio de corte nos juros, que animou os mercados e gerou forte alta nos pregões


FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O corte de 0,5 ponto na taxa básica do Fed ontem pode levar a duas conclusões possíveis: "Ou a percepção sobre a crise é muito maior do que imaginávamos ou o Fed deixou-se submeter a pressões políticas".
Para Raghuram Rajan, economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional) entre 2003 e 2006, com a popularidade do governo Bush no chão, "em termos políticos um corte menor agora que mantivesse a pressão sobre Wall Street traria mais problemas do que uma redução maior que acabe jogando os problemas para o futuro".
Rajan é Ph.D pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) e um dos principais professores de Finanças da Universidade de Chicago, a mesma de Milton Friedman (1912-2006), papa do liberalismo. Questionado se a alta de ontem de 4,28% da Bovespa o encorajaria a manter grandes fatias de suas aplicações pessoais na Bolsa brasileira, Rajan afirmou: "Não manteria níveis de otimismo muito elevados". Leia a seguir entrevista.
 

FOLHA - O corte de 0,5 ponto indica que a crise talvez seja maior do que parece?
RAGHURAM RAJAN -
O corte atingiu o teto das expectativas de uma minoria. A maioria esperava um corte de 0,25 ponto. Lembre-se de que houve um corte na taxa de redesconto [para empréstimos entre bancos] também de 0,5. A maioria achava que a taxa básica cairia 0,25, e a de redesconto, 0,5.
A decisão emite uma série de sinais trocados. De um lado, certamente indica que o efeito da crise sobre a atividade econômica pode ser maior do que o imaginado antes. O Fed jamais vai admitir, mas pode ter havido uma pressão política forte para um corte dessa magnitude. Em termos políticos, um corte menor agora que trouxesse pressões sobre Wall Street traria mais problemas do que uma redução maior que pode acabar jogando os problemas para o futuro. Você pode dizer o quanto quiser que você está imune a pressões políticas, mas isso não existe.

FOLHA - O Fed corre o risco de ser responsabilizado moralmente por socorrer bancos ou instituições que fizeram apostas erradas e agora recebem ajuda?
RAJAN -
Os problemas que estamos vendo hoje foram "montados" no passado. O Fed não viu nenhum problema relativo à inflação, por isso não interveio. Mas às vezes é preciso intervir, mesmo quando você não vê efeitos dramáticos sobre a inflação, com o objetivo de prevenir problemas mais à frente. Há potencialmente outro risco: o de o mercado chegar à conclusão de que há um padrão na atual administração do Fed.
Ou seja, se houver riscos, o Fed virá em socorro. É importante observar que as condições da economia americana recomendavam maiores graus de observação. As pressões inflacionárias parecem ter acalmado, e a atividade econômica esfriou um pouco. Mas não há tantos dados disponíveis assim. E outros relatórios indicam que há pressões sobre os preços de várias commodities, incluindo o petróleo. A produtividade nos EUA também está estagnada, o que colocará mais pressões sobre os salários. Por último, a inflação está tomando uma tendência de alta em várias partes do mundo, incluindo China e vários outros mercados emergentes. O mesmo ocorre no Brasil. Há vários motivos para não ficarmos muito otimistas com o comportamento da inflação. Creio que o Fed vinha pesando todos esses dados com muito cuidado até recentemente.
Esse corte de 0,5 nos leva, portanto, a duas conclusões possíveis: a percepção sobre a crise é muito maior do que imaginávamos ou eles [no Fed] deixaram-se submeter um pouco a pressões políticas.

FOLHA - A crise do "subprime" americano é maior do que parece?
RAJAN -
Eu separaria a crise no setor de habitação da do mercado financeiro americano. Elas estão relacionadas, mas não são a mesma coisa. A crise no setor habitacional parece não ter tido grande efeito sobre a economia, já que até julho passado o consumo mostrou-se ainda forte. A queda nos preços das moradias não desencorajou o consumidor. O efeito ainda ficou bastante restrito ao setor da construção civil.
Já no lado do setor financeiro, a coisa pode complicar se a capacidade dos americanos de tomar ou refinanciar hipotecas ficar mais restritiva. Isso pode tornar o mercado de moradias mais azedo, levando os consumidores a reduzirem o otimismo, afetando a economia como um todo.
Uma das leituras da decisão do Fed é que esse contágio do mercado de moradias sobre o consumo será maior do que o esperado e acabará afetando o crescimento. Ou seja, teria sido uma ação preventiva.

FOLHA - Como os emergentes serão afetados?
RAJAN -
Não vejo a crise afetando de modo considerável. Emergentes como o Brasil continuam bastante atrativos. Claro que, se o tremor financeiro contaminar o lado real da economia e o consumo americanos, isso acabará afetando os mercados emergentes mais gravemente.

FOLHA - A Bolsa brasileira fechou em alta de 4,28% ontem. Se o sr. tivesse uma boa parte de seu dinheiro aplicado ali, o sr. manteria essas posições por mais algum tempo?
RAJAN -
Ainda há uma série de incertezas em relação aos rumos da atual crise. Não creio que essa ação de Fed venha a resolver todos os problemas. Eles continuam presentes. Eu não manteria níveis de otimismo muito elevados.


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