São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 2006

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Mais um teco na turma da bufunfa

A combinação juro alto e câmbio valorizado é a receita infalível para manter o Brasil crescendo abaixo do potencial

A Fernando Gasparian
In memoriam


O DEBATE econômico na campanha presidencial, mesmo no segundo turno, tem sido bastante rarefeito. Os gastos públicos acabaram assumindo a posição de destaque. Apareceram até defensores entusiasmados de uma redução radical e imediata das despesas correntes não-financeiras.
O destaque deveria ser outro: os erros clamorosos do Banco Central na condução da política de juros e câmbio. A combinação juros altos-câmbio valorizado é a receita infalível para manter o Brasil crescendo abaixo do seu potencial. Lamentavelmente, a poderosa turma da bufunfa não colabora.
Banqueiros, rentistas e seus numerosos asseclas nos meios políticos e na imprensa nem sempre permitem que o tema juros-câmbio receba a atenção e o tratamento merecidos.
São, como se sabe, os felizes beneficiários da política de juros do Banco Central. É o Bolsa Família dos ricos. Muitos analistas insistem em condicionar a redução das taxas de juro ao prévio equacionamento dos problemas fiscais do governo. Trata-se de uma inversão. O déficit público contribui para o nível da taxa de juro, mas a relação de causalidade é tênue e difícil de captar com precisão.
Já a relação inversa, da taxa de juro para o déficit, é clara e cristalina, podendo ser mensurada com relativa facilidade. Graças à overdose aplicada pelo Banco Central, o custo da dívida pública continua nas alturas. O setor público como um todo paga juros equivalentes a nada menos que 8% do PIB.
Repare, leitor, que, apesar das despesas financeiras, a situação das contas públicas está longe de ser calamitosa. Há diversos pontos de fragilidade, mas não existe crise fiscal. O superávit primário tem sido sempre superior a 4% do PIB nos anos recentes. O déficit público total (incluindo juros) alcança atualmente 3,5% do PIB. Poderia ser menor, mas não é nada de excepcional em termos do que se vê no resto do mundo. Nos EUA, o déficit do governo geral será de 3,1% do PIB em 2006, segundo projeção do FMI. Na Alemanha, de 2,9%; na França, de 2,7%; na Itália, de 4%; no Reino Unido, de 3,2%; no Japão, de 5,2%. O único país do Grupo dos 7 que apresentará superávit nas contas do governo geral é o Canadá (de 1,1% do PIB).
A dívida pública brasileira também não é excepcionalmente alta para padrões internacionais. Em termos líquidos, ela está estabilizada, flutuando entre 50% e 52% do PIB desde o final de 2004. Isso depois de ter aumentado rapidamente no governo FHC e no primeiro ano do governo Lula, quando chegou a 57% do PIB.
O que é, sim, claramente fora do comum é o nível das taxas de juro praticadas no Brasil. A começar pela taxa básica fixada pelo Banco Central. Apesar da queda da Selic nos últimos meses, a taxa real brasileira ainda é a maior do mundo. A brasileira é superior a 9%; a média internacional dos principais países desenvolvidos e emergentes é 1,9%, segundo levantamento da UpTrend Consultoria.
Vamos sonhar um pouco. Imaginemos, por um instante, uma diminuição das taxas básicas de juro para níveis mais próximos aos internacionais, digamos, uma Selic nominal da ordem de 7% a 8%, patamar que poderia ser alcançado acelerando o ritmo de diminuição dos juros ao longo dos próximos meses. Isso traria enorme alívio para as contas públicas. De duas maneiras. Diretamente, por diminuir o custo médio da dívida governamental. Indiretamente, por provocar aceleração do crescimento da economia com benefícios para as contas públicas do lado da receita (maior arrecadação sem aumento de impostos) e do lado dos gastos (diminuição das despesas com seguro-desemprego e outros gastos de caráter cíclico).
A turma da bufunfa, tradicional defensora do ajustamento das contas públicas, teria motivos de sobra para apoiar essa economia de despesas. Mas já sabemos. Não o fará nunca. Como diz o deputado Delfim Neto, "o bolso é a parte mais sensível do corpo humano".


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net


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