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Bancos públicos irão suprir o mercado
Mantega vê como vantagem sobre outros países o Brasil ter três bancos estatais
Diante das perdas das empresas com derivativos cambiais, ministro estuda implantar sistema de controle para acompanhar mercado
DO COLUNISTA DA FOLHA
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirma que o Brasil
tem algumas vantagens em relação aos outros países. Entre
elas, os R$ 260 bilhões do compulsório e os mais de US$ 200
bilhões das reservas, que antes
eram defeitos e hoje são virtudes. "Se faltar real, nós temos.
Se faltar dólar, nós temos", diz
Mantega. Outra vantagem é o
fato de ter três bancos estatais
(Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES).
FOLHA - Por que o Brasil está mais
preparado para enfrentar a crise?
GUIDO MANTEGA - A economia
brasileira tem hoje muitas vantagens em relação às demais. O
interessante é que, no passado,
essas vantagens eram até consideradas defeitos. Hoje, são
virtudes. Nós temos, por exemplo, um nível de compulsório
que eles não têm. O chamado
mundo desenvolvido, se é que
ainda pode se chamar assim,
tem menos de 10% de depósito
compulsório, e nós aqui tínhamos 53% sobre os depósitos à
vista. Aquilo que era um defeito
no passado virou uma vantagem para nós. A acumulação de
reservas também foi muito criticada. Hoje, temos US$ 200 bilhões de reservas externas e R$
260 bilhões de compulsório.
Nós temos tudo isso de margem de manobra para irrigar o
mercado. Se faltar dólar, nós temos. Se faltar real, nós temos.
Essa é uma grande vantagem.
Outra vantagem é que temos
bancos estatais, que eles também não têm. Temos três bancos estatais fortes. O Banco do
Brasil, que é o maior banco do
país em volume de ativos, a Caixa Econômica Federal e o
BNDES. São bancos absolutamente sólidos que podem operar. Se, por exemplo, diminuir a
liquidez de algum banco privado, os bancos públicos aumentam a liquidez. Os bancos públicos estão operando com
mais margem de liquidez.
FOLHA - Eles estão instruídos para
isso?
MANTEGA - O BNDES e a Caixa
Econômica, que são bancos totalmente de controle estatal,
estão instruídos para liberar
mais crédito. O Ministério da
Fazenda transferiu recursos
para o BNDES para que ele possa cumprir os programas de financiamento. A Caixa Econômica está instruída para injetar
liquidez, comprar carteiras de
bancos e tudo o mais, e o Banco
do Brasil eu não posso dar instrução porque é um banco misto. Ele é controlado pelo setor
público, mas também possui
acionistas privados. Não dou
instrução para o Banco do Brasil, mas sei que ele não está fazendo nenhuma restrição de liquidez.
FOLHA - Qual o principal problema
do país hoje?
MANTEGA - Os principais problemas que estamos tendo aqui
são de liquidez. Estamos acompanhando os problemas causados pela crise e respondendo a
eles. São problemas gerais de liquidez e setoriais, como os do
crédito para a exportação. Outro setor que também apresentava problema de liquidez eram
os bancos pequenos e médios, o
que foi solucionado com o compulsório específico. Também
adotamos medidas para ajudar
o setor agrícola.
FOLHA - O que o governo pretende
fazer para apoiar a construção civil?
MANTEGA - Construção civil
não tem problema imediato,
mas sim necessidade de injeção
de recursos para capital de giro
no ano que vem. Vamos liberar
mais R$ 3 bilhões para o setor
no ano que vem, além dos R$ 20
bilhões da Caixa Econômica
Federal, para evitar problemas
de financiamento.
FOLHA - O dinheiro virá de onde?
MANTEGA - Não há ainda uma
decisão. Mas poderá vir do
BNDES ou da Caixa Econômica
Federal.
FOLHA - O sr. se encontrou na sexta-feira passada com Fábio Barbosa
(Febraban e Real), Marcio Cypriano
(Bradesco) e Roberto Setubal (Itaú).
O sr. acha que os bancos estão com
má vontade em conceder os empréstimos?
MANTEGA - Diante das condições excepcionais no mundo
todo, os bancos brasileiros tomaram uma posição prudencial, que é o da fuga para a qualidade. Eles não bloquearam a liberação do crédito, só que estão
liberando menos e os custos
dos empréstimos ficaram mais
elevados, e os prazos de financiamento, mais curtos.
FOLHA - Diante dessa crise, o sr. vê
necessidade de o Banco Central aumentar os juros?
MANTEGA - Quem cuida de juros é o Copom. A reunião será
na semana que vem e tenho
certeza de que o Copom vai ter
uma posição sensata em relação a essa situação.
FOLHA - O sr. sabe quantas empresas brasileiras sofreram perdas em
operações de alto risco no mercado
de derivativos de câmbio?
MANTEGA - Ninguém tem esse
número e simplesmente porque não tem como auferir. Não
há um sistema de controle. Até
estou pensando em implantar
um sistema de controle para
acompanhar melhor esse mercado de derivativos.
FOLHA - Alguns analistas compararam essas operações ao "subprime".
O sr. concorda?
MANTEGA - É um absurdo exagerado [dos analistas].
FOLHA - O sr. tem idéia de quanto
tempo pode durar essa crise?
MANTEGA - Não tenho idéia [do
tempo de duração da crise]. A
crise pode durar todo o ano de
2009. A diferença do passado é
que os governos são muito
agressivos na sua intervenção.
Apesar de Keynes não ser muito citado, ele é muito utilizado
pelos governos.
FOLHA - O sr. é keynesiano?
MANTEGA - Sou corintiano e
keynesiano desde criancinha.
FOLHA - Nessa hora, somos todos
keynesianos?
MANTEGA - É isso que me espanta. Sempre fui keynesiano e
nunca mudei de pensamento.
Agora, tem muito liberal e ortodoxo que fala que o Estado tem
de dar dinheiro para os bancos.
Fico estarrecido em ver a sanha
estatista de alguns liberais de
carteirinha.
FOLHA - Houve uma virada do
jogo?
MANTEGA - Nós temos que reconhecer que o Paulson [Henry
Paulson, secretário do Tesouro
norte-americano] relutou muito em tomar as medidas que tomou. O Paulson vem do sistema financeiro, é um republicano de carteirinha, portanto é
um liberal. Para ele, estatizar
um banco é pecado mortal. Não
sei se ele será perdoado pela
igreja liberal e irá para o céu.
Ele mesmo declarou que era
contra a estatização dos bancos, mas pior é não ter crédito
para as empresas e os indivíduos. Veja que todo mundo fica
pragmático rapidinho e vira
keynesiano e não confessa.
FOLHA - O capitalismo sai arranhado?
MANTEGA - Não, isso faz parte
do capitalismo. O capitalismo
possui ciclos. Há o ciclo de expansão, depois tem uma crise, e
aí a economia se reacomoda.
No ciclo de expansão sempre se
cometem excessos. Desta vez,
houve excesso de liquidez, irresponsabilidades e o uso de
derivativos que não existiam
antes. Não é o fim do capitalismo, não é o fim da sociedade de
consumo. Quando a gente está
no meio da turbulência, parece
que o mundo vai acabar. Não
vai acabar. As medidas que estão sendo tomadas pelos governos dos países avançados são
medidas adequadas, corretas e
que vão fazer efeito em algum
momento.
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