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Liberais brasileiros são os mais radicais de todos, diz analista
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
No meio da crise internacional, a única certeza a permanecer de pé, tempestade após
tempestade, é a de que será necessário rever alguns preceitos
econômicos que se fizeram hegemônicos no mundo a partir
dos anos 70. Considerando que
o plano lançado pelo primeiro-ministro britânico, Gordon
Brown, para combater as turbulências foi até agora o mais
aplaudido, talvez uma versão
aprimorada do capitalismo seja
mais próxima da maneira como
os europeus o vêem.
Nesse caso, pode-se considerar o economista francês Guy
Sorman, 64, como um dos seus
maiores teóricos. Defensor
apaixonado do "laissez-faire", o
analista pondera que os mercados financeiros corrigem, sim,
seus próprios erros, mas sempre dentro das leis criadas pelo
Estado.
Na sua opinião, os liberais
brasileiros são os mais radicais
que existem. "Entendo o fenômeno de um ponto de vista político, porque o seu Estado é tão
pesado que acaba requerendo
esse tipo de intelectual que empreende uma luta extrema pela
liberdade", disse ele em entrevista à Folha por telefone, de
Nova York. Ele desembarca no
Brasil na próxima quinta-feira
para lançar seu mais recente livro, "A Economia não Mente",
editado pela É Realizações. A
seguir, trechos da entrevista.
FOLHA - Por que o sr. diz que "a
economia não mente"?
GUY SORMAN - Porque é uma
ciência, não é uma opinião. Não
é perfeita, mas descreve uma
parte do funcionamento da sociedade e ajuda a tomar decisões. O Brasil está crescendo
pois, entre outros motivos, seguiu idéias da teoria econômica
como a estabilidade da moeda e
a abertura ao comércio.
FOLHA - Qual foi a parte da teoria
que o governo americano ignorou e
que causou esta crise?
SORMAN -
O governo dos EUA
tem papel muito limitado na
economia -basicamente é o
mercado que decide. Havia alguns sinais, mas os economistas não são bons em fazer previsões. Sabemos dizer o que não
fazer, como um médico aconselha seu paciente a não fumar,
mas não conseguimos afirmar
o que se deve fazer.
FOLHA - Há motivos para o mundo
se preocupar com uma bolha na China também?
SORMAN - A economia chinesa
tem dois pontos fracos. Primeiro, o governo da China resolveu
ter um tipo de economia que é
completamente dependente
das exportações -não existe
mercado doméstico. A segunda
questão é social: o país não vai
conseguir gerar o crescimento
de que precisa para diminuir a
pobreza.
FOLHA - O Brasil também necessita
que a China continue crescendo bastante para comprar suas commodities agrícolas e minerais?
SORMAN -
Se é que posso colocar desta maneira, a beleza do
atual momento é mostrar o
quanto somos interdependentes. A globalização é positiva
porque é razão de relações mais
pacíficas entre os países. No caso do Brasil, o momento que vivemos deixa claro que é essencial diversificar a economia.
Desta vez, diferentemente do
que aconteceu nos anos 30, os
governos não estão falando em
fechar as suas fronteiras -exceto [Barack] Obama, mas é só
para ganhar a eleição- e em aumentar impostos.
FOLHA - O mundo vai deixar de
acreditar no dogma da auto-regulação dos mercados?
SORMAN -
Não há mercado sem
o Estado. O mercado resolve os
seus problemas -dentro das
leis e regras do Estado. Só no
Brasil encontrei liberais tão radicais -essa é uma criação brasileira. E entendo esse fenômeno de um ponto de vista político, porque o seu Estado é tão
pesado que acaba requerendo
esse tipo de intelectual que empreende uma luta extrema pela
liberdade.
FOLHA - O sr. vem com freqüência
ao Brasil. Que mudanças no país
chamam sua atenção?
SORMAN -
É fascinante observar a mudança de atitude desde
a primeira vez em que estive no
país, em 1985. Para ver socialistas agora é preciso ir procurar
na Universidade de São Paulo.
Na vida real, a democracia e o
livre comércio foram aceitos. A
justiça social é importante, mas
entende-se que ela é resultado
de crescimento econômico e
não de uma revolução. Lembro
de uma conversa com o então
sindicalista Lula, no início dos
anos 80. Ele era trotskista, fumava bastante, bebia muito café e falava em revolução para
fazer justiça social. É o mesmo
cara que agora, como presidente, está mantendo a estabilidade da moeda e a abertura da
economia.
FOLHA - Isso o surpreendeu?
SORMAN -
Na verdade não, porque o Lula é um político. Você
pode ser um [Hugo] Chávez para se colocar como o último
grande revolucionário e fingir
que está fazendo as pessoas felizes tomando o caminho errado. No entanto, se você é um
político de verdade e gosta do
seu povo -e acho que o Lula
ama o Brasil-, torna-se realista, olha o mundo ao redor, vê o
que mudou e repete o que deu
certo. Não é um debate teórico,
é um debate prático: o que funciona e o que não funciona. É
melhor pegar o caminho certo.
Quer dizer, é melhor pegar o
melhor caminho, porque caminho certo não existe. Em épocas de desaceleração, como a
presente, fica claro que o caminho não é uma linha reta.
FOLHA - O que mais pode ser feito
pelos governos em todo o mundo
para resolver a crise?
SORMAN -
Não vejo muito mais
atitudes que possam ser tomadas. Os governos estão indo
bem. Por meio de uma ação
coordenada, estão evitando o
congelamento do crédito, o
crescimento da inflação e o
protecionismo. Depois disso, é
deixar os empreendedores fazerem seu trabalho.
FOLHA - Em que medida o Estado
brasileiro atrapalha os empresários?
SORMAN -
Os empreendedores
não estão felizes em lugar nenhum do mundo. Mesmo na
Suíça eles reclamam dos impostos e da burocracia. É parte
da sua função. No Brasil, nos
anos 80, era realmente impossível fazer negócios por causa
das regulações, da tributação,
do fechamento do país. Então,
prefiro olhar no longo prazo e
identificar uma tendência. As
coisas mudam devagar, e o importante é o rumo tomado. A
tendência do país é positiva e
encorajadora.
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