São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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Liberais brasileiros são os mais radicais de todos, diz analista

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

No meio da crise internacional, a única certeza a permanecer de pé, tempestade após tempestade, é a de que será necessário rever alguns preceitos econômicos que se fizeram hegemônicos no mundo a partir dos anos 70. Considerando que o plano lançado pelo primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, para combater as turbulências foi até agora o mais aplaudido, talvez uma versão aprimorada do capitalismo seja mais próxima da maneira como os europeus o vêem.
Nesse caso, pode-se considerar o economista francês Guy Sorman, 64, como um dos seus maiores teóricos. Defensor apaixonado do "laissez-faire", o analista pondera que os mercados financeiros corrigem, sim, seus próprios erros, mas sempre dentro das leis criadas pelo Estado.
Na sua opinião, os liberais brasileiros são os mais radicais que existem. "Entendo o fenômeno de um ponto de vista político, porque o seu Estado é tão pesado que acaba requerendo esse tipo de intelectual que empreende uma luta extrema pela liberdade", disse ele em entrevista à Folha por telefone, de Nova York. Ele desembarca no Brasil na próxima quinta-feira para lançar seu mais recente livro, "A Economia não Mente", editado pela É Realizações. A seguir, trechos da entrevista.

 

FOLHA - Por que o sr. diz que "a economia não mente"?
GUY SORMAN - Porque é uma ciência, não é uma opinião. Não é perfeita, mas descreve uma parte do funcionamento da sociedade e ajuda a tomar decisões. O Brasil está crescendo pois, entre outros motivos, seguiu idéias da teoria econômica como a estabilidade da moeda e a abertura ao comércio.

FOLHA - Qual foi a parte da teoria que o governo americano ignorou e que causou esta crise?
SORMAN - O governo dos EUA tem papel muito limitado na economia -basicamente é o mercado que decide. Havia alguns sinais, mas os economistas não são bons em fazer previsões. Sabemos dizer o que não fazer, como um médico aconselha seu paciente a não fumar, mas não conseguimos afirmar o que se deve fazer.

FOLHA - Há motivos para o mundo se preocupar com uma bolha na China também?
SORMAN - A economia chinesa tem dois pontos fracos. Primeiro, o governo da China resolveu ter um tipo de economia que é completamente dependente das exportações -não existe mercado doméstico. A segunda questão é social: o país não vai conseguir gerar o crescimento de que precisa para diminuir a pobreza.

FOLHA - O Brasil também necessita que a China continue crescendo bastante para comprar suas commodities agrícolas e minerais?
SORMAN - Se é que posso colocar desta maneira, a beleza do atual momento é mostrar o quanto somos interdependentes. A globalização é positiva porque é razão de relações mais pacíficas entre os países. No caso do Brasil, o momento que vivemos deixa claro que é essencial diversificar a economia. Desta vez, diferentemente do que aconteceu nos anos 30, os governos não estão falando em fechar as suas fronteiras -exceto [Barack] Obama, mas é só para ganhar a eleição- e em aumentar impostos.

FOLHA - O mundo vai deixar de acreditar no dogma da auto-regulação dos mercados?
SORMAN - Não há mercado sem o Estado. O mercado resolve os seus problemas -dentro das leis e regras do Estado. Só no Brasil encontrei liberais tão radicais -essa é uma criação brasileira. E entendo esse fenômeno de um ponto de vista político, porque o seu Estado é tão pesado que acaba requerendo esse tipo de intelectual que empreende uma luta extrema pela liberdade.

FOLHA - O sr. vem com freqüência ao Brasil. Que mudanças no país chamam sua atenção?
SORMAN - É fascinante observar a mudança de atitude desde a primeira vez em que estive no país, em 1985. Para ver socialistas agora é preciso ir procurar na Universidade de São Paulo. Na vida real, a democracia e o livre comércio foram aceitos. A justiça social é importante, mas entende-se que ela é resultado de crescimento econômico e não de uma revolução. Lembro de uma conversa com o então sindicalista Lula, no início dos anos 80. Ele era trotskista, fumava bastante, bebia muito café e falava em revolução para fazer justiça social. É o mesmo cara que agora, como presidente, está mantendo a estabilidade da moeda e a abertura da economia.

FOLHA - Isso o surpreendeu?
SORMAN - Na verdade não, porque o Lula é um político. Você pode ser um [Hugo] Chávez para se colocar como o último grande revolucionário e fingir que está fazendo as pessoas felizes tomando o caminho errado. No entanto, se você é um político de verdade e gosta do seu povo -e acho que o Lula ama o Brasil-, torna-se realista, olha o mundo ao redor, vê o que mudou e repete o que deu certo. Não é um debate teórico, é um debate prático: o que funciona e o que não funciona. É melhor pegar o caminho certo. Quer dizer, é melhor pegar o melhor caminho, porque caminho certo não existe. Em épocas de desaceleração, como a presente, fica claro que o caminho não é uma linha reta.

FOLHA - O que mais pode ser feito pelos governos em todo o mundo para resolver a crise?
SORMAN - Não vejo muito mais atitudes que possam ser tomadas. Os governos estão indo bem. Por meio de uma ação coordenada, estão evitando o congelamento do crédito, o crescimento da inflação e o protecionismo. Depois disso, é deixar os empreendedores fazerem seu trabalho.

FOLHA - Em que medida o Estado brasileiro atrapalha os empresários?
SORMAN - Os empreendedores não estão felizes em lugar nenhum do mundo. Mesmo na Suíça eles reclamam dos impostos e da burocracia. É parte da sua função. No Brasil, nos anos 80, era realmente impossível fazer negócios por causa das regulações, da tributação, do fechamento do país. Então, prefiro olhar no longo prazo e identificar uma tendência. As coisas mudam devagar, e o importante é o rumo tomado. A tendência do país é positiva e encorajadora.

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