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Brasileiro fica nos EUA e quer dólar a R$ 4
Desvalorização do real faz com que imigrantes refaçam planos e prolonguem temporada nos EUA para poupar mais
Na sexta-feira, moeda norte-americana fechou em R$ 2,12, com alta de 10% em relação ao valor de há um mês; pico chegou a R$ 2,31
DANIEL BERGAMASCO
ENVIADO ESPECIAL A NEWARK
A balconista mineira Giselaine de Matos, 28, há quatro nos
Estados Unidos, estava cansada
de ver seu salário em dólares
valer pouco em reais quando
mandava dinheiro para casa.
Planejava, então, voltar ao país
-até que a reviravolta no câmbio nas últimas semanas a fez
mudar de idéia.
"Não gosto muito daqui e não
estava compensando economizar com o dólar a R$ 1,60. Agora
me animei de novo", diz ela,
que retomou então o plano de
só voltar para Minas Gerais
quando tiver reais suficientes
para comprar por lá a casa própria. "Vou mandando dinheiro
aos poucos. Acho que vai levar
mais uns cinco anos para eu
conseguir comprar uma casa,
mas vai compensar, desde que
o dólar esteja alto."
A decisão de adiar o plano de
volta -esfriando o fenômeno
de debandada de brasileiros
que explodiu com o início da
crise imobiliária, no ano passado- é comum nas rodas de
conversa de Newark (Nova Jersey), uma das principais colônias brasileiras nos Estados
Unidos, onde as padarias vendem pão francês e pastéis e se
ouvem as músicas de Ivete Sangalo por todos os cantos.
Entre as coxinhas e empadas
da lanchonete brasileira onde
trabalha, Iole Coelho, 51, se diz
"aliviada" com a valorização da
moeda norte-americana.
"Quero ver o dólar a R$ 4! Assim, menos brasileiros voltam e
as minhas "tips" [gorjetas, que
são comuns em lanchonetes
nos EUA] aumentam", diz.
"Tem dia que aqui parece
uma Bolsa de Valores: o pessoal
já entra perguntando quanto
está o dólar, é a maior euforia",
conta Coelho, que vive há uma
década nos EUA e envia dinheiro para pagar o INSS no Brasil.
"Quando estiver velhinha,
pode ser que queira morar lá,
então é bom ter uma aposentadoria. Com o dólar alto, tenho
de enviar menos dinheiro, sobra mais para eu gastar aqui."
Na casa de pão de queijo em
frente, na sexta-feira, a funcionária Leda Santos olhava atenta para a TV de 29 polegadas ligada na TV Globo Internacional. A notícia: o dólar fechara
em queda, a R$ 2,11. Todos se
entreolham e bufam, como no
gol adversário em uma partida
de futebol. "É uma tristeza ver
o dólar cair. Porque as pessoas
aqui trabalham duro, e desanima juntar dólar se ele não vale
muito no Brasil. Se for para ganhar a mesma coisa, é melhor
ficar lá", explica a baiana de
Teixeira de Freiras, que decidiu
há meses voltar para o Brasil
com o marido, mas repensou a
decisão após o revés cambial.
Por enquanto, a estimativa é
que, com a crise, o volume de
dinheiro que os latino-americanos enviam a seus países de
origem também diminui.
Segundo o Banco Mundial, as
remessas em dólar para a região caíram pela primeira vez
desde que a instituição iniciou
sua medição anual, em 2000, se
considerada a inflação.
Em valores nominais, o aumento sutil foi de US$ 66,5 bilhões para US$ 67,5 bilhões.
Em 2009, a projeção é de queda
também em valores absolutos.
Ao lado do desemprego crescente e outros efeitos negativos
na economia americana, o retorno de hispânicos a seus países influencia esses números.
Nos EUA, quatro em cada
cinco imigrantes ilegais têm
origem hispânica. De acordo
com o Pew Hispanic Center, o
total de imigrantes ilegais no
país caiu em 2008 pela primeira vez em muitos anos. Eram
12,4 milhões em 2007 e são 11,9
milhões atualmente, segundo a
estimativa, que tem margem de
erro de 500 mil pessoas para
mais ou para menos.
O fenômeno de volta de estrangeiros está ligado à raiz da
crise imobiliária, e mistura parte de suas causas e conseqüências. Atraídos pelo sonho da casa própria sem necessidade de
comprovação de bom crédito
ou de cidadania, muitos latinos
aceitaram hipotecas chamadas
de "subprime" que, em troca da
facilidade de obtenção, tinham
juros bem mais altos do que a
média do mercado.
Grande parte desses clientes
logo sinalizou que não conseguiria honrar os pagamentos, e
a projeção de calote generalizado detonou o efeito dominó
que agora se traduz em efeitos
drásticos para o resto da economia americana e global.
A situação difícil do país, é
claro, faz com que mesmo o dólar valorizado não anime todos
os imigrantes.
"De que adianta o dólar subir
se a gente não tem dólares para
mandar? Arranjar emprego
aqui está difícil", diz a depiladora Beatriz Dutra, 40, também
na cidade de Newark.
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