São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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Brasileiro fica nos EUA e quer dólar a R$ 4

Desvalorização do real faz com que imigrantes refaçam planos e prolonguem temporada nos EUA para poupar mais

Na sexta-feira, moeda norte-americana fechou em R$ 2,12, com alta de 10% em relação ao valor de há um mês; pico chegou a R$ 2,31

DANIEL BERGAMASCO
ENVIADO ESPECIAL A NEWARK

A balconista mineira Giselaine de Matos, 28, há quatro nos Estados Unidos, estava cansada de ver seu salário em dólares valer pouco em reais quando mandava dinheiro para casa. Planejava, então, voltar ao país -até que a reviravolta no câmbio nas últimas semanas a fez mudar de idéia.
"Não gosto muito daqui e não estava compensando economizar com o dólar a R$ 1,60. Agora me animei de novo", diz ela, que retomou então o plano de só voltar para Minas Gerais quando tiver reais suficientes para comprar por lá a casa própria. "Vou mandando dinheiro aos poucos. Acho que vai levar mais uns cinco anos para eu conseguir comprar uma casa, mas vai compensar, desde que o dólar esteja alto."
A decisão de adiar o plano de volta -esfriando o fenômeno de debandada de brasileiros que explodiu com o início da crise imobiliária, no ano passado- é comum nas rodas de conversa de Newark (Nova Jersey), uma das principais colônias brasileiras nos Estados Unidos, onde as padarias vendem pão francês e pastéis e se ouvem as músicas de Ivete Sangalo por todos os cantos.
Entre as coxinhas e empadas da lanchonete brasileira onde trabalha, Iole Coelho, 51, se diz "aliviada" com a valorização da moeda norte-americana.
"Quero ver o dólar a R$ 4! Assim, menos brasileiros voltam e as minhas "tips" [gorjetas, que são comuns em lanchonetes nos EUA] aumentam", diz.
"Tem dia que aqui parece uma Bolsa de Valores: o pessoal já entra perguntando quanto está o dólar, é a maior euforia", conta Coelho, que vive há uma década nos EUA e envia dinheiro para pagar o INSS no Brasil.
"Quando estiver velhinha, pode ser que queira morar lá, então é bom ter uma aposentadoria. Com o dólar alto, tenho de enviar menos dinheiro, sobra mais para eu gastar aqui."
Na casa de pão de queijo em frente, na sexta-feira, a funcionária Leda Santos olhava atenta para a TV de 29 polegadas ligada na TV Globo Internacional. A notícia: o dólar fechara em queda, a R$ 2,11. Todos se entreolham e bufam, como no gol adversário em uma partida de futebol. "É uma tristeza ver o dólar cair. Porque as pessoas aqui trabalham duro, e desanima juntar dólar se ele não vale muito no Brasil. Se for para ganhar a mesma coisa, é melhor ficar lá", explica a baiana de Teixeira de Freiras, que decidiu há meses voltar para o Brasil com o marido, mas repensou a decisão após o revés cambial.
Por enquanto, a estimativa é que, com a crise, o volume de dinheiro que os latino-americanos enviam a seus países de origem também diminui.
Segundo o Banco Mundial, as remessas em dólar para a região caíram pela primeira vez desde que a instituição iniciou sua medição anual, em 2000, se considerada a inflação.
Em valores nominais, o aumento sutil foi de US$ 66,5 bilhões para US$ 67,5 bilhões. Em 2009, a projeção é de queda também em valores absolutos.
Ao lado do desemprego crescente e outros efeitos negativos na economia americana, o retorno de hispânicos a seus países influencia esses números.
Nos EUA, quatro em cada cinco imigrantes ilegais têm origem hispânica. De acordo com o Pew Hispanic Center, o total de imigrantes ilegais no país caiu em 2008 pela primeira vez em muitos anos. Eram 12,4 milhões em 2007 e são 11,9 milhões atualmente, segundo a estimativa, que tem margem de erro de 500 mil pessoas para mais ou para menos.
O fenômeno de volta de estrangeiros está ligado à raiz da crise imobiliária, e mistura parte de suas causas e conseqüências. Atraídos pelo sonho da casa própria sem necessidade de comprovação de bom crédito ou de cidadania, muitos latinos aceitaram hipotecas chamadas de "subprime" que, em troca da facilidade de obtenção, tinham juros bem mais altos do que a média do mercado.
Grande parte desses clientes logo sinalizou que não conseguiria honrar os pagamentos, e a projeção de calote generalizado detonou o efeito dominó que agora se traduz em efeitos drásticos para o resto da economia americana e global.
A situação difícil do país, é claro, faz com que mesmo o dólar valorizado não anime todos os imigrantes.
"De que adianta o dólar subir se a gente não tem dólares para mandar? Arranjar emprego aqui está difícil", diz a depiladora Beatriz Dutra, 40, também na cidade de Newark.


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