São Paulo, quinta, 20 de fevereiro de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Retrato do governo FHC, por ele próprio

ALOYSIO BIONDI

O presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma declaração espantosa em sua viagem à Itália. Pela primeira vez, desde que foi ministro da Fazenda no governo Itamar Franco, FHC admitiu que a "abertura" da economia brasileira às importações foi demasiado rápida. Isto é, FHC agora reconhece que toda a base de sua política econômica é um desastre, e está provocando a destruição da indústria brasileira, desempregando milhões de pessoas, reduzindo a produção nacional, "torrando" dólares, provocando rombos na balança comercial em virtude da explosão das importações -e, acrescente-se, vai provocar nova e grave onda recessiva no país.
Noticiada quase exclusivamente por esta Folha, a declaração de FHC foi, porém, acompanhada de falseamento da verdade histórica. O presidente da República atribuiu o "escancaramento" da economia brasileira ao governo Collor.
Na verdade, seu antecessor deu início ao processo. Mas, reconheça-se, a abertura do mercado, apresentada à sociedade como "nova política industrial", seria feita de forma gradual, ao longo de alguns anos. Ou, sinteticamente, o imposto sobre as importações (tarifas) seria reduzido um pouco a cada ano, com o objetivo de "dar tempo" à indústria nacional de investir para produzir melhor e mais barato, enfrentando a concorrência estrangeira.
Quem mudou da noite para o dia as regras do jogo foi a equipe do governo FHC/BNDES, que reduziu para 10%, 3% ou mesmo 0% (isenção total de imposto) as tarifas sobre produtos importados.
Em lugar de reconhecer os erros monumentais cometidos por ele próprio e sua arrogante equipe, o ex-sociólogo FHC limita-se a inculpar Collor. Nenhuma autocrítica, capaz de trazer a expectativa de mudanças nos rumos desastrosos da política econômica. E o país paga, dramática e bovinamente, o preço dos equívocos.
Com a declaração de FHC, como ficam os de-formadores de opinião que há três ou quatro anos vêm tecendo loas incontidas à "abertura"?
Mais recessão
Para conter o rombo da balança comercial, o governo já estuda medidas para reduzir o consumo, reduzir a produção, provocar mais recessão e desemprego. Absurdo. As importações -até de matérias-primas- cresceram por causa do "escancaramento" do mercado, e não por hipotética "explosão do consumo". É preciso rever toda a política de importações. Combater as causas. Há meses esta coluna diz isso.
Viva a fraude - 1
Escândalo de bilhões de reais, na emissão de títulos por governadores e prefeitos. Dois pontos a destacar. As emissões foram autorizadas em regime de urgência, em poucos dias, pelo Senado. Leia-se: foram autorizações "políticas", dentro dos conchavos entre o governo FHC e as lideranças do Senado. E mais: as emissões liberadas em regime de urgência pelo Banco Central, que dispensou até mesmo a apresentação de documentos por parte dos governadores ou prefeitos. Leia-se: ordens do Planalto. Estilo de governar.
Viva a fraude - 2
Investigações mostraram que parte do dinheiro das fraudes foi enviado para o exterior. Lembre-se: o procurador da República que investigou o caso PC Farias desabafou, na época, que o Banco Central não apenas "tolera" remessas ilegais, como dificulta as investigações da Justiça. A Receita Federal quis mudar leis, para dificultar fraudes. O Banco Central se opôs. O presidente da República apoiou o Banco Central. Estilo de governar.
Viva a dengue
O ministro Gustavo Krause teve dengue. Milhões de brasileiros tiveram dengue. O Ministério da Saúde lança campanha bilionária, inclusive com anúncios na TV, para combater a doença, priorizando a erradicação do mosquito transmissor.
Está nos jornais (de 8 deste mês): "Por enquanto, a Fundação Nacional da Saúde ainda enfrenta problemas de recursos para o combate à dengue e à malária''. Aguarda, por exemplo, a liberação de verbas da ordem de R$ 4 milhões (atenção: milhões com m, ninharia) para a aquisição de inseticidas. Para matar o mosquito.
O governo FHC corta verbas para a saúde. Dengue, malária, tuberculose, leishmaniose são algumas doenças que estão de volta. Estilo Malan/Kandir/FHC de governar.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha e diretor de Redação da revista ``Visão''. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1996 Empresa Folha da Manhã