São Paulo, terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

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Brasil analisa medida contra trigo argentino

Embora possa ir à OMC, governo prefere negociação à parte; protecionismo prejudica indústria nacional

LEONARDO SOUZA
CLÁUDIA DIANNI

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo argentino adotou medidas protecionistas no setor de trigo que, na prática, funcionam como uma espécie de dumping (venda por preço artificialmente baixo) no mercado brasileiro.
O secretário-executivo da Camex (Câmara de Comércio Exterior), Mário Mugnaini, disse à Folha que cabe recurso à OMC (Organização Mundial do Comércio). Em sua opinião, o Brasil teria grandes chances de ganhar a disputa.
Ele afirmou, no entanto, que o governo não tomou a decisão política de acionar a OMC porque prefere tratar o assunto em negociação bilateral.
No ano passado, as compras de farinha de trigo do país vizinho aumentaram 350%, enquanto a produção nacional do grão caiu para menos da metade em relação a 2005.
Segundo o presidente da Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo), Samuel Hosken, alguns moinhos já fecharam contratos de importação de farinha pronta da Argentina. Entre março e abril, vão passar a empacotá-la e distribuí-la no mercado nacional, reduzindo a fabricação própria.
Em outubro de 2006, o governo argentino reduziu a alíquota do imposto de exportação sobre a farinha de trigo de 20% para 10%. No mês passado, cortou o imposto sobre a mistura de trigo (usada em massas de pães e bolos, por exemplo) de 10% para 5%. O tributo sobre o grão, no entanto, foi mantido em 20%.
"O governo está atento aos danos que esses impostos têm causado ao setor no Brasil, mas prefere avaliar a situação com cuidado", disse Mugnaini.
Sob o argumento de conter a inflação, o governo argentino decidiu, ainda no mês passado, tabelar o preço da tonelada de trigo no mercado interno em cerca de US$ 120 (370 pesos). Para o comércio exterior, entretanto, a negociação com os compradores é livre.

Faturamento menor
Maiores consumidores mundiais do trigo argentino, os moinhos brasileiros têm comprado o grão por US$ 156 a tonelada (mais frete e imposto). Ou seja, o moinho argentino tem um custo de produção reduzido artificialmente e incentivos comparativos na hora de exportar seus produtos.
No sentido inverso, o moinho nacional compra o trigo mais caro e tem de pagar uma alíquota sobre a matéria-prima muito maior do que os importadores dos itens industrializados (farinha e mistura).
"Ao tributar a farinha em 5% e o trigo em 20%, a Argentina está facilitando a exportação do produto com maior valor agregado, o que prejudica o setor no Brasil", afirmou Mugnaini.
De acordo com a Abitrigo, as importações de farinha e mistura para massas, somadas, subiram de US$ 50,9 milhões em 2005 para US$ 71 milhões no ano passado. Já o faturamento dos moinhos brasileiros teve, no mesmo período, redução de R$ 565 milhões (de R$ 7,7 bilhões para R$ 7,135 bilhões).
"Se o governo não fizer nada, seremos totalmente dependentes do mercado argentino. Os moinhos fecharão e haverá somente importadores de farinha", disse Hosken.
O presidente da Abitrigo alerta para o risco de aumento, no futuro, dos preços de produtos básicos para o consumidor, como o pão francês.
Ele diz que hoje, para ganhar mercado, os produtores argentinos vendem a farinha ao Brasil a um preço normalmente mais baixo do que o produto feito no país. "Ao acabar com a concorrência local, eles terão muito mais facilidade para aumentar seus preços."


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