São Paulo, quarta-feira, 20 de março de 2002

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LUÍS NASSIF

O caso Globo Cabo

No sábado passado apresentei os argumentos do BNDES para a operação Globo Cabo. A lógica do banco é que, com a atual estrutura de capital, a Globo Cabo é inviável, colocando em risco o próprio dinheiro que o banco tem a receber. Portanto há que capitalizar a empresa para viabilizá-la e salvar os ativos lá colocados.
Na opinião de analistas de mercado, o aporte de capital, de fato, é inevitável, mas não resolve de imediato a vida da empresa. Com a capitalização de R$ 1 bilhão, a dívida cairia para R$ 800 milhões e o capital subiria para R$ 1 bilhão. O valor do endividamento seria razoável para os padrões de mercado, mas não viabilizaria a empresa em seu formato atual.
Há duas pedras no caminho. A primeira, seu próprio desempenho operacional, diz Eduardo Aragaki, do Sudameris. Em 2001 o resultado operacional da companhia (geração de caixa) foi de R$ 277 milhões. A depreciação anual do investimento (que mede quanto a empresa tem que investir para repor os equipamentos que vão sendo usados) foi de R$ 423 milhões. Se a dívida de R$ 800 milhões for paga a 18% ao ano, haverá mais R$ 144 milhões de despesa financeira anual. Ou seja, mesmo reestruturada, a companhia ainda terá prejuízo por volta de R$ 300 milhões por ano, apenas por conta da depreciação e da despesa financeira.
Essa diferença entre depreciação e resultado é decorrência da capacidade ociosa da rede. Portanto o aumento do uso é fundamental para estabelecer o equilíbrio do negócio.
Aí se entra no segundo nível de análise, as características do negócio cabo. Como lembra o leitor e provavelmente analista Augusto César Contrucci Alvim, o modelo de TV a cabo vem sofrendo em todo o mundo. Quando a Globo Cabo foi lançada, havia projeções irrealistas de penetração no mercado brasileiro. O nível de penetração é de apenas nove domicílios por cem com TV aberta.
Esbarra-se no problema de renda e na própria competição da TV aberta. Na Argentina o cabo conquistou parcelas expressivas de consumidores, mas, além da melhor renda do argentino, a TV a cabo reservava para seus assinantes atrações como campeonatos de futebol. Aqui há uma canibalização entre a TV aberta e a TV a cabo. E, perdendo a hegemonia absoluta que marcou a era Boni, dificilmente a TV Globo abriria mão de atrações em favor do cabo.

Estratégia possível
Para dar novos usos à sua rede -como a banda larga de telefonia-, a Globo Cabo precisaria não só de investimentos como de clientes. Mas como conseguiria clientes para a sua rede se é concorrente também por meio do Virtua?
A partir desses dados e de alguns sinais colhidos no ano passado, o analista levanta algumas hipóteses para a operação. Em sua opinião, a estratégia consiste em fazer o aporte mínimo para viabilizar a empresa. Depois a Globo Cabo venderia a rede para um novo operador, que investiria em um padrão melhor e poderia alugar pelo mesmo preço para a próprio Globo Cabo e seus competidores. De um lado, a Globo Cabo se livraria da depreciação gigantesca. De outro, receberia pelos ativos vendidos.
São vários os sinais que apontam nessa direção. Primeiro, o fato de o BNDES convencer a Globopar (controladora da Globo Cabo) a estender o "tag along" (o direito de receber o mesmo valor das ações do controlador) de 100% para os minoritários, inclusive para os acionistas preferenciais. O "tag along" é optativo. Como o BNDES tem ações preferenciais, é evidente que está se resguardando, diz Aragaki.
O segundo sinal é que em setembro do ano passado todas as empresas das Organizações Globo juntaram-se para criar um ágio. O ágio consiste na diferença entre o valor de aquisição de companhias adquiridas e seu valor contábil. Ele serve para abater do Imposto de Renda, no momento em que a empresa registrar lucro.
Em setembro do ano passado, a Globo Cabo já tinha prejuízo acumulado de R$ 1,5 bilhão -que poderia ser abatido dos lucros futuros à razão de 1/3 ao ano. Por que então esse trabalho de consolidar o ágio? A única explicação é a possibilidade de um lucro extraordinário, proveniente de venda de ativos.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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