São Paulo, sábado, 20 de março de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

PPP não é panacéia

GESNER OLIVEIRA

A aprovação pela Câmara nesta semana de projeto de PPP (Parceria Público-Privada) constitui passo inicial na criação de instrumento de mobilização de recursos privados indispensáveis ao investimento, especialmente em infra-estrutura. Mas não é uma panacéia. Não é um remédio para resolver todos os males de crescimento que vitimam o país.
A principal virtude da PPP reside no papel de redutor de risco para o investimento privado. A adesão de um investidor a uma parceria com o setor público se torna mais atraente porque, em tese, haveria maior garantia de rentabilidade e recuperação do capital aplicado.
No entanto, a PPP deve ser bem implementada ou será insuficiente (ou até mesmo contraproducente) para o investimento privado. Há três motivos principais para preocupação.
Em primeiro lugar, a redução de risco para o setor privado não pode ser obtida à custa da elevação do risco fiscal. Preocupa, nesse sentido, que o projeto aprovado, cujo texto definitivo ainda não estava disponível no site da Câmara ontem, venha a representar possível burla à Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso poderá vir a ocorrer sem um comando claro de inclusão das despesas dos Estados com as PPPs em seus respectivos limites de endividamento.
A retomada do investimento não depende apenas de melhores condições para o agente privado. O equilíbrio das contas públicas é fundamental, ao gerar poupança pública capaz de financiar gastos sem gerar pressões inflacionárias ou de endividamento -que terminam por inviabilizar o crescimento.
Em segundo lugar, a PPP é um contrato guarda-chuva. A PPP não substitui as regras setoriais, mas as complementa. A parceria só funciona se, além dos termos gerais da PPP, estiverem definidas regras claras e adequadas para cada segmento de infra-estrutura.
Infelizmente, transcorridos quase 15 meses de governo Lula, isso ainda não ocorreu. E o pior é que as principais preocupações persistem em segmentos particularmente carentes de investimento, como os de saneamento e de energia elétrica. Na maioria das questões de infra-estrutura, há apenas promessas genéricas, como as que foram feitas na campanha presidencial.
De concreto, existem apenas episódios preocupantes de redução da autonomia das agências reguladoras setoriais, como o da demissão, na prática, de Luiz Schymura da presidência da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Em terceiro lugar, somam-se às indefinições microeconômicas as dúvidas quanto ao desempenho macroeconômico. É verdade que é quase impossível não crescer entre 3% e 4% em 2004 diante das previsões para o comportamento da economia mundial.
No entanto o excesso de conservadorismo da política monetária e a descoordenação dentro do partido do governo podem colocar a perder a atual janela de oportunidade. Isso faz com que as projeções para 2005-06 se tornem ainda mais incertas, inibindo a inversão de médio prazo.
Uma parceria bem-sucedida entre os setores público e privado em projetos de longa maturação requer objetivos e regras claras, bem como sinais favoráveis para a demanda futura. São todos elementos em falta na atual conjuntura.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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