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BENJAMIN STEINBRUCH
Sobre maracujina e adrenalina
Passados quatro anos, está claro que a "Carta ao Povo Brasileiro" é cumprida só na parte de acalmar o mercado
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O PRATO PRINCIPAL era bacalhau assado ao modo do minho com arroz de mariscos e
chanfrana de cabrito. A sobremesa,
toucinho do céu. Mas o restaurante
não era na região norte de Portugal.
Tratava-se da Adega de Leone, casa
que serve comida portuguesa em
Ribeirão Preto, no interior de São
Paulo.
A descrição desse almoço, em
2002, está no livro "Sobre Formigas
e Cigarras", escrito pelo ex-ministro
da Fazenda e atual deputado federal
Antonio Palocci Filho e lançado na
semana passada. O livro, no capítulo 2, conta que foi nesse almoço, em
maio daquele ano, que nasceu a
idéia da "Carta ao Povo Brasileiro".
Para quem não se lembra, esse
documento já passou para a história
como o compromisso que garantiu
a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em seu primeiro mandato, por
ter ajudado o governo do PT, ainda
nem eleito, em 2002, a jogar sua primeira dose de maracujina na economia, na expressão do próprio Antonio Palocci Filho.
Sem nenhuma dúvida, a "Carta ao
Povo Brasileiro" teve influência decisiva na campanha eleitoral de
2002. Até 22 de junho daquele ano,
quando o presidente Lula assinou e
leu solenemente esse documento,
temia-se que o governo do PT, uma
vez eleito, romperia contratos, daria calote na dívida, acabaria com o
controle rigoroso das contas públicas e com o superávit fiscal e abandonaria a política de metas de inflação. Se essa percepção do mercado
não fosse cirurgicamente debelada
naquele momento, certamente a
conjuntura econômica ficaria tão
conturbada que poderia até mesmo
inviabilizar o pleito.
Por isso, a Carta foi um marco. Ela
anunciou explicitamente que o novo modelo proposto pelo PT e seus
aliados não seria adotado por atos
voluntaristas, e sim a partir de uma
ampla negociação democrática e
nacional; que a "premissa" da transição política seria o respeito a contratos e obrigações do país; que o superávit primário seria preservado;
que o combate à inflação continuaria; e que as contas públicas seriam
mantidas sob controle.
Tanto no capítulo 2 do livro de
Palocci quanto na memória geral
das pessoas, a "Carta ao Povo Brasileiro" é lembrada pelos itens enumerados acima. É lembrada, portanto, pelos seus compromissos
mais conservadores, pelas doses e
overdoses de maracujina.
Quem se der ao trabalho de reler o
texto integral da Carta, no entanto,
verá que ela enumera também -e
principalmente- compromissos de
mudanças, muito mais enfatizados
do que os outros. A primeira frase
do documento diz "O Brasil quer
mudar", e a segunda, "Mudar para
crescer, incluir, pacificar".
Ao reafirmar o "compromisso
histórico com o combate à inflação", o texto da Carta, assinado pelo
presidente Lula, acrescenta que isso
deveria vir "acompanhado do crescimento, da geração de empregos e
da distribuição de renda".
Apesar do esforço e da boa vontade do presidente, não foi isso o que
se viu nos primeiros quatro anos de
governo. O crescimento médio
anual desse quadriênio foi de 2,6%,
praticamente o mesmo verificado
no governo de Fernando Henrique
Cardoso.
Na semana passada, surgiu a suspeita de que o Banco Central estaria
trabalhando para atingir uma "meta oculta" de inflação, inferior à estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, de 4,5% tanto para
2006 quanto para este ano. A inflação medida pelo IPCA (Índice de
Preços ao Consumidor Amplo), que
fechou o ano passado em 3,14%,
bem abaixo da meta oficial, deve
atingir 3,8% neste ano, segundo a
expectativa do mercado.
O Banco Central obviamente nega
a existência dessa "meta oculta",
embora os críticos a evoquem para
explicar a relutância do Copom
(Conselho de Política Monetária)
em reduzir as taxas de juros a um ritmo mais rápido.
Passado o primeiro governo do
presidente Lula, está claro que a
"Carta ao Povo Brasileiro" tem sido
cumprida apenas na parte da maracujina, aquela que foi redigida às
pressas para acalmar o mercado naquele tenebroso maio de 2002.
Eram e são itens importantes. Mas
eles teriam de ser complementados
com doses de adrenalina, de medidas desenvolvimentistas. E que só
agora, com o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), parecem começar a sair do papel. A conferir.
BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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