São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

O outro lado do salário mínimo

MONICA BAER E SERGIO VALE

Antes de mais nada, é preciso dizer que a decisão de aumentar o salário mínimo para R$ 350 tem o irrefutável resultado de elevar o déficit público e o rombo do INSS e dos Estados e municípios. Estimamos que o impacto dessa alta será de 0,5% do PIB, uma deterioração razoável do déficit nominal e que, caso não se faça uma reforma efetivamente consistente da Previdência, tende a se perpetuar e piorar nos próximos anos.
Mas, como tudo em economia, há um custo e um benefício a serem medidos. Por enquanto se tem falado muito nos custos, que certamente são relevantes. E quais seriam os benefícios do aumento do mínimo? Afora as questões de o pagamento do mínimo se concentrar no Nordeste e beneficiar principalmente aposentados, o aumento real de cerca de 13% desta vez significará um incremento substancial em termos de poder de compra de quem recebe o pagamento atrelado ao salário.
Um exercício simples é útil para mostrar como o poder de compra de quem recebe o mínimo se modificou nos últimos anos. Se considerarmos a quantidade de cestas básicas que o salário mínimo poderia comprar, é indiscutível o ganho que se teve. De um vale em abril de 1995, quando o mínimo comprava 70% de uma cesta básica, chegamos neste mês, com o mínimo de R$ 350, comprando duas cestas básicas. A relação vale para São Paulo, já que se trata da cesta básica calculada pelo Dieese para o município, mas esse efeito deve ser semelhante no restante do país.
Em termos de produtos específicos, também se nota um ganho do poder aquisitivo de quem ganha mínimo. Para isso, construímos um índice de preços para produtos específicos e deflacionamos pelo mínimo. Considerando julho de 1994 igual a 100, nota-se o forte barateamento de vários desses produtos desde a época do Real. O frango é um caso típico dessa diminuição, com queda de 61,3% desde 94, e o pão francês, por causa do ainda alto preço do trigo, caiu apenas 30,4% no mesmo período. O arroz (-56,4%), o feijão (-32%) e o leite (-42,6%) também são exemplos de produtos da cesta básica que tiveram seus preços em queda.
São mais significativas as quedas em televisão e aparelho celular, de 82,1% no primeiro e de 89,9% no segundo. Nesse último caso, o efeito é ainda mais forte se considerarmos que a base de comparação é 2000, e não 1994, quando ainda se iniciava o uso dos celulares. O cimento também tem caído depois de se elevar continuamente até 2003 e caiu 47,3% desde então. No caso do cimento, esse ganho pode ser ainda maior com a recente queda do IPI e a eliminação do Imposto de Importação.
Esses três produtos são significativos das mudanças importantes na economia nos últimos tempos. Com os ganhos tecnológicos nos celulares e televisores, esses produtos viraram estrelas do consumo de duráveis, e mesmo quem recebe salário mínimo passou a consumi-los. No caso do cimento, 80% de seu consumo é o chamado "formiguinha", ou seja, é usado para os famosos puxadinhos e reformas afins. Não à toa, um dos principais usos do crédito consignado pelos aposentados, por exemplo, é para o consumo de materiais de construção.
É claro também o impacto político que esse efeito pode ter. Considerando a relação cesta básica/ salário mínimo nos períodos de eleição presidencial, nota-se uma melhora em outubro de 1998 com relação a outubro 1994, mas não tanto em outubro de 2002 em relação ao mesmo período de 1998. Pelo contrário, a escalada da inflação em 2002 e 2003 fez com que a relação cesta básica/salário mínimo alcançasse patamares semelhantes aos de 1996.
O que se percebe, agora, é que o aumento do salário mínimo, aliado ao baixo crescimento dos preços dos componentes da cesta básica, deve manter essa relação em torno de 2 ao longo de 2006. Esse é um fator que, com certeza, será fortemente explorado pelo governo na propaganda eleitoral e pode ter seu efeito pela significativa melhora nos últimos dois anos quando comparamos com os anos anteriores. Mas, de fato, há uma tendência histórica de melhora gradual que se estende há pelo menos dez anos, causada pela recuperação paulatina do mínimo, pela estabilização e pelo barateamento de alimentos e de outros produtos decorrente do avanço tecnológico. Isso não é obra de apenas um governo.


Monica Baer e Sergio Vale são economistas da MB Associados.
E-mail - sergio.vale@mbassociados.com.br
monica.baer@mbassociados.com.br


Excepcionalmente, hoje, a coluna de Paulo Nogueira Batista Jr. não é publicada.


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