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OPINIÃO ECONÔMICA
O outro lado do salário mínimo
MONICA BAER E SERGIO VALE
Antes de mais nada, é preciso
dizer que a decisão de aumentar o salário mínimo para R$
350 tem o irrefutável resultado de
elevar o déficit público e o rombo
do INSS e dos Estados e municípios. Estimamos que o impacto
dessa alta será de 0,5% do PIB,
uma deterioração razoável do déficit nominal e que, caso não se faça uma reforma efetivamente consistente da Previdência, tende a se
perpetuar e piorar nos próximos
anos.
Mas, como tudo em economia,
há um custo e um benefício a serem medidos. Por enquanto se
tem falado muito nos custos, que
certamente são relevantes. E quais
seriam os benefícios do aumento
do mínimo? Afora as questões de o
pagamento do mínimo se concentrar no Nordeste e beneficiar principalmente aposentados, o aumento real de cerca de 13% desta
vez significará um incremento
substancial em termos de poder de
compra de quem recebe o pagamento atrelado ao salário.
Um exercício simples é útil para
mostrar como o poder de compra
de quem recebe o mínimo se modificou nos últimos anos. Se considerarmos a quantidade de cestas
básicas que o salário mínimo poderia comprar, é indiscutível o ganho que se teve. De um vale em
abril de 1995, quando o mínimo
comprava 70% de uma cesta básica, chegamos neste mês, com o
mínimo de R$ 350, comprando
duas cestas básicas. A relação vale
para São Paulo, já que se trata da
cesta básica calculada pelo Dieese
para o município, mas esse efeito
deve ser semelhante no restante do
país.
Em termos de produtos específicos, também se nota um ganho do
poder aquisitivo de quem ganha
mínimo. Para isso, construímos
um índice de preços para produtos
específicos e deflacionamos pelo
mínimo. Considerando julho de
1994 igual a 100, nota-se o forte barateamento de vários desses produtos desde a época do Real. O
frango é um caso típico dessa diminuição, com queda de 61,3%
desde 94, e o pão francês, por causa do ainda alto preço do trigo,
caiu apenas 30,4% no mesmo período. O arroz (-56,4%), o feijão (-32%) e o leite (-42,6%) também
são exemplos de produtos da cesta
básica que tiveram seus preços em
queda.
São mais significativas as quedas
em televisão e aparelho celular, de
82,1% no primeiro e de 89,9% no
segundo. Nesse último caso, o efeito é ainda mais forte se considerarmos que a base de comparação é
2000, e não 1994, quando ainda se
iniciava o uso dos celulares. O cimento também tem caído depois
de se elevar continuamente até
2003 e caiu 47,3% desde então. No
caso do cimento, esse ganho pode
ser ainda maior com a recente
queda do IPI e a eliminação do Imposto de Importação.
Esses três produtos são significativos das mudanças importantes
na economia nos últimos tempos.
Com os ganhos tecnológicos nos
celulares e televisores, esses produtos viraram estrelas do consumo de duráveis, e mesmo quem
recebe salário mínimo passou a
consumi-los. No caso do cimento,
80% de seu consumo é o chamado
"formiguinha", ou seja, é usado
para os famosos puxadinhos e reformas afins. Não à toa, um dos
principais usos do crédito consignado pelos aposentados, por
exemplo, é para o consumo de
materiais de construção.
É claro também o impacto político que esse efeito pode ter. Considerando a relação cesta básica/
salário mínimo nos períodos de
eleição presidencial, nota-se uma
melhora em outubro de 1998 com
relação a outubro 1994, mas não
tanto em outubro de 2002 em relação ao mesmo período de 1998.
Pelo contrário, a escalada da inflação em 2002 e 2003 fez com que a
relação cesta básica/salário mínimo alcançasse patamares semelhantes aos de 1996.
O que se percebe, agora, é que o
aumento do salário mínimo, aliado ao baixo crescimento dos preços dos componentes da cesta básica, deve manter essa relação em
torno de 2 ao longo de 2006. Esse é
um fator que, com certeza, será
fortemente explorado pelo governo na propaganda eleitoral e pode
ter seu efeito pela significativa melhora nos últimos dois anos quando comparamos com os anos anteriores. Mas, de fato, há uma tendência histórica de melhora gradual que se estende há pelo menos
dez anos, causada pela recuperação paulatina do mínimo, pela estabilização e pelo barateamento de
alimentos e de outros produtos
decorrente do avanço tecnológico.
Isso não é obra de apenas um governo.
Monica Baer e Sergio Vale são economistas da MB Associados.
E-mail - sergio.vale@mbassociados.com.br
monica.baer@mbassociados.com.br
Excepcionalmente, hoje, a coluna de Paulo Nogueira Batista Jr. não é publicada.
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