São Paulo, sexta-feira, 20 de abril de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Brutalidades chinesas

Crédito bancário dobra, PIB bate recorde e Bolsa assusta o mundo. Rolo é político: China não quer um yuan forte

O SALDO comercial chinês no primeiro trimestre deste ano foi de US$ 46,4 bilhões. Sim, a diferença entre exportações e importações da China em três meses bate o saldo comercial brasileiro de um ano. As reservas aumentaram US$ 136 bilhões neste primeiro trimestre de 2007, para US$ 1,2 trilhão. São US$ 45,3 bilhões por mês empilhados no Banco Central chinês, o dobro do ritmo de acumulação de 2006. O TOTAL das reservas do Brasil é de uns US$ 115 bilhões, um espanto, em termos brasileiros.
Uma gorjeta, em termos chineses.
De onde tem vindo o dinheiro?
Além do brutal saldo do comércio exterior, vem das vendas de ações de empresas chinesas e da liqüidação de investimentos financeiros em moedas fortes.
No início deste ano, a China cresce ao ritmo anualizado de 11,1%, contra 10,4% no trimestre final de 2006. O investimento "urbano" em fábricas e construção civil anda mais devagar. Devagar? Cresceu 25% no trimestre. No começo de 2006, crescia a 30%. Os bancões globais estimam crescimento de 10,5% a 11% no ano.
A taxa básica de juros é recorde em oito anos, 6,4%, metade da brasileira. Subiu três vezes no ano passado, assim como subiram as reservas compulsórias (dinheiro que os bancos têm de deixar de lado, sem emprestar). Mas a média mensal de concessão de empréstimos bancários DOBROU no primeiro trimestre deste ano em relação a 2006.
O índice CSI 300 da Bolsa de Xangai avançou 177% nos últimos 12 meses e uns 50% neste ano. A classe média colocava quase todo o seu dinheiro nos bancos. Mas seu rendimento gira em torno de 3% ao ano. A inflação está na casa dos 3%. Isto é, o povo percebeu que perde dinheiro.
Bidu, a Bolsa sobe. O que caiu ontem foi nadica de neres, 4,7%.
O premiê Wen Jiabao disse que o governo vai limitar o crédito, o investimento industrial, o boom imobiliário e o enorme saldo comercial. Diz isso mais ou menos a cada trimestre. E nada.
A questão chave parece ser a moeda chinesa, que não se valoriza com as reservas trilionárias e crescentes do país, pois o governo não deixa.
Em tese, valorizar o yuan prejudica a criação de empregos, os quais sustentam a gigantesca migração dos miseráveis rurais para as cidades e a riqueza crescente dos industriais chineses. É um problema político.
Supondo que a valorização do yuan funcionasse, reduzindo o saldo comercial e um pouco do crescimento, o que fariam os pobres que querem participar do milagre? Trabalhariam no setor de serviços? No quê? Não seriam médicos, nem trabalhariam em "call centers", nem consertariam computadores. Virariam domésticos, manicures, abririam restaurantes?
Há risco nas diversas bolhas chinesas? Muito tem se dito que o mercado acionário chinês ainda tem baixo impacto no planeta. Será?
OK, o mercado de ações chinês ainda é nanico, fechado e primitivo, sem poder de fogo bastante para derrubar por si só Estados Unidos e Europa. Mas Bolsas asiáticas definitivamente já não conseguem resistir aos movimentos chineses. É uma cabeça-de-ponte, um primeiro tentáculo firme por onde pode ser transmitido um contágio financeiro chinês. Tóquio caiu 1,7% ontem.


vinit@uol.com.br

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