|
Texto Anterior | Índice
Talvez o dinheiro compre felicidade, afinal
Economistas rebatem tese dos anos 70 de que aumento da renda não necessariamente gera maior satisfação pessoal
Entre os americanos com renda superior a US$ 250 mil,
90% se dizem "muito felizes"; entre os que ganham até
US$ 30 mil, o índice é de 42%
DAVID LEONHARDT
DO "NEW YORK TIMES"
Depois da Segunda Guerra
Mundial, a economia japonesa
passou por uma das maiores
expansões que o mundo já viu.
Entre 1950 e 1970, a produção
econômica per capita cresceu
mais de 700%. O Japão, em
apenas algumas décadas, transformou-se de nação devastada
pela guerra em um dos países
mais ricos do planeta.
No entanto, estranhamente,
os cidadãos japoneses não parecem ter se tornado mais satisfeitos com as suas vidas. De
acordo com uma pesquisa, a
porcentagem de pessoas que
responderam da maneira mais
positiva possível quanto ao seu
grau de satisfação pessoal na
verdade caiu entre o final dos
anos 50 e o começo dos 70. Os
japoneses enriqueceram, mas
aparentemente não se tornaram mais felizes.
O contraste se tornou um
exemplo famoso da teoria conhecida como Paradoxo de
Easterlin. Em 1974, Richard
Easterlin, economista que então lecionava na Universidade
da Pensilvânia, publicou um estudo no qual argumentava que
o crescimento econômico não
necessariamente propiciava
mais satisfação.
As pessoas de países pobres,
e isso não deve causar surpresa,
tornavam-se mais felizes quando passavam a ser capazes de
arcar com o custo dos produtos
cotidianos. Mas, para além disso, ganhos adicionais pareciam
simplesmente redefinir os padrões. Para expressar a questão
em termos cotidianos, ter um
iPod não torna uma pessoa
mais feliz, porque, quando ela o
tem, passa a desejar um iPod
Touch. A renda relativa -os ganhos de uma pessoa em comparação com os de pessoas que a
cercam- importa bem mais
que a renda absoluta, escreveu
Easterlin.
Mas agora o Paradoxo de
Easterlin está sob ataque. Na
semana passada, na Brookings
Institution, em Washington,
dois jovens economistas
-coincidentemente da Universidade da Pensilvânia- apresentaram uma refutação da
teoria.
No estudo, Betsey Stevenson
e Justin Wolfers argumentam
que dinheiro tende a trazer felicidade, mesmo que não a garanta. "A mensagem central é
que a renda faz diferença," diz
Stevenson.
Pesquisas conduzidas em todo o mundo pelo instituto Gallup demonstram que o índice
de satisfação é mais elevado
nos países mais ricos.
Stevenson e Wolfers alegam
que, na verdade, a renda absoluta tende a importar ainda
mais do que a renda relativa.
Nos EUA, cerca de 90% das
pessoas com renda mínima de
US$ 250 mil ao ano se definem
como "muito felizes", em recente pesquisa Gallup. Nos domicílios com renda anual inferior a US$ 30 mil, apenas 42%
das pessoas responderam assim. Mas os dados internacionais da pesquisa sugerem que a
turma da renda inferior a US$
30 mil não se sentiria melhor se
vivesse em um país mais pobre.
Apesar de ter passado sua
carreira criticando os economistas por sua crença de que
dinheiro é tudo, Daniel Kahneman, psicólogo da Universidade de Princeton laureado com o
Nobel de Economia em 2002,
afirmou que considera o estudo
de Stevenson e Wolfers "bastante convincente". "Há um
vasto e crescente volume de indícios de que o Paradoxo de
Easterlin talvez não exista."
Easterlin, hoje professor na
Universidade do Sul da Califórnia, concordou que as pessoas
dos países mais ricos se sentem
mais satisfeitas, mas está cético
quanto a apontar a riqueza como causa de sua satisfação. O
resultado poderia, em lugar
disso, refletir diferenças culturais nas maneiras pelas quais as
pessoas respondem a pesquisas
de opinião, argumentou.
Ele estaria mais convencido,
prosseguiu Easterlin, caso os
índices de satisfação tivessem
subido claramente em países
individuais à medida que estes
enriqueciam. Isso aconteceu
em alguns casos, mas em outros -como nos Estados Unidos e na China-, não.
"Todo mundo deseja demonstrar que o paradoxo de
Easterlin não se sustenta", disse. Easterlin disse que Stevenson e Wolfers apresentaram
uma "versão muito crua, sem
provas suficientes".
Os dois, por sua vez, reconhecem que os dados sobre países
individuais são confusos, ao
longo do tempo. Mas apontam
que o nível de satisfação cresceu em oito de dez países europeus para os quais já existia esse tipo de pesquisa em 1970. E
também cresceu no Japão. Um
grande motivo para que os Estados Unidos não registrem ascensão semelhante é o fato de
que o pagamento por hora da
maioria dos trabalhadores não
subiu muito, recentemente.
"As provas são fracas em termos de série estatística", disse
Wolfers. "Mas são mais compatíveis com a nossa tese do que
com a dele." E onde ficamos,
com tudo isso?
O crescimento econômico
em si certamente não basta para garantir o bem-estar das pessoas -e essa é a grande contribuição de Easterlin ao estudo
da economia. Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns problemas sérios de saúde, como o
mau tratamento básico de
doenças cardíacas, não derivam da falta de recursos.
Pesquisas recentes também
constataram que algumas das
coisas que mais propiciam felicidade às pessoas -trajetos
curtos entre suas casas e o trabalho, o tempo passado com
amigos- nada têm a ver com
renda mais elevada.
Mas seria um erro levar esse
argumento longe demais. O
crescimento econômico pode
também pagar por pesquisa
científica que resulte em vidas
mais longas e saudáveis; ou
permitir viagens para visitar
parentes que não vemos há
anos, ou conhecer lugares a que
nunca fomos. Quando você tem
mais dinheiro, pode decidir trabalhar menos, e assim passar
mais tempo com os amigos.
A riqueza é bom negócio e os
povos do mundo parecem concordar. Em um momento no
qual a economia americana parece ter caído em recessão, e a
renda da maioria das famílias
está estagnada há quase uma
década, é bom que alguém nos
leve a recordar por que a abundância de dinheiro importa.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Venda on-line de ingressos cresce o dobro do comércio eletrônico Índice
|