São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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Talvez o dinheiro compre felicidade, afinal

Economistas rebatem tese dos anos 70 de que aumento da renda não necessariamente gera maior satisfação pessoal

Entre os americanos com renda superior a US$ 250 mil, 90% se dizem "muito felizes"; entre os que ganham até US$ 30 mil, o índice é de 42%

DAVID LEONHARDT
DO "NEW YORK TIMES"

Depois da Segunda Guerra Mundial, a economia japonesa passou por uma das maiores expansões que o mundo já viu.
Entre 1950 e 1970, a produção econômica per capita cresceu mais de 700%. O Japão, em apenas algumas décadas, transformou-se de nação devastada pela guerra em um dos países mais ricos do planeta.
No entanto, estranhamente, os cidadãos japoneses não parecem ter se tornado mais satisfeitos com as suas vidas. De acordo com uma pesquisa, a porcentagem de pessoas que responderam da maneira mais positiva possível quanto ao seu grau de satisfação pessoal na verdade caiu entre o final dos anos 50 e o começo dos 70. Os japoneses enriqueceram, mas aparentemente não se tornaram mais felizes.
O contraste se tornou um exemplo famoso da teoria conhecida como Paradoxo de Easterlin. Em 1974, Richard Easterlin, economista que então lecionava na Universidade da Pensilvânia, publicou um estudo no qual argumentava que o crescimento econômico não necessariamente propiciava mais satisfação.
As pessoas de países pobres, e isso não deve causar surpresa, tornavam-se mais felizes quando passavam a ser capazes de arcar com o custo dos produtos cotidianos. Mas, para além disso, ganhos adicionais pareciam simplesmente redefinir os padrões. Para expressar a questão em termos cotidianos, ter um iPod não torna uma pessoa mais feliz, porque, quando ela o tem, passa a desejar um iPod Touch. A renda relativa -os ganhos de uma pessoa em comparação com os de pessoas que a cercam- importa bem mais que a renda absoluta, escreveu Easterlin.
Mas agora o Paradoxo de Easterlin está sob ataque. Na semana passada, na Brookings Institution, em Washington, dois jovens economistas -coincidentemente da Universidade da Pensilvânia- apresentaram uma refutação da teoria.
No estudo, Betsey Stevenson e Justin Wolfers argumentam que dinheiro tende a trazer felicidade, mesmo que não a garanta. "A mensagem central é que a renda faz diferença," diz Stevenson.
Pesquisas conduzidas em todo o mundo pelo instituto Gallup demonstram que o índice de satisfação é mais elevado nos países mais ricos. Stevenson e Wolfers alegam que, na verdade, a renda absoluta tende a importar ainda mais do que a renda relativa.
Nos EUA, cerca de 90% das pessoas com renda mínima de US$ 250 mil ao ano se definem como "muito felizes", em recente pesquisa Gallup. Nos domicílios com renda anual inferior a US$ 30 mil, apenas 42% das pessoas responderam assim. Mas os dados internacionais da pesquisa sugerem que a turma da renda inferior a US$ 30 mil não se sentiria melhor se vivesse em um país mais pobre.
Apesar de ter passado sua carreira criticando os economistas por sua crença de que dinheiro é tudo, Daniel Kahneman, psicólogo da Universidade de Princeton laureado com o Nobel de Economia em 2002, afirmou que considera o estudo de Stevenson e Wolfers "bastante convincente". "Há um vasto e crescente volume de indícios de que o Paradoxo de Easterlin talvez não exista."
Easterlin, hoje professor na Universidade do Sul da Califórnia, concordou que as pessoas dos países mais ricos se sentem mais satisfeitas, mas está cético quanto a apontar a riqueza como causa de sua satisfação. O resultado poderia, em lugar disso, refletir diferenças culturais nas maneiras pelas quais as pessoas respondem a pesquisas de opinião, argumentou.
Ele estaria mais convencido, prosseguiu Easterlin, caso os índices de satisfação tivessem subido claramente em países individuais à medida que estes enriqueciam. Isso aconteceu em alguns casos, mas em outros -como nos Estados Unidos e na China-, não. "Todo mundo deseja demonstrar que o paradoxo de Easterlin não se sustenta", disse. Easterlin disse que Stevenson e Wolfers apresentaram uma "versão muito crua, sem provas suficientes".
Os dois, por sua vez, reconhecem que os dados sobre países individuais são confusos, ao longo do tempo. Mas apontam que o nível de satisfação cresceu em oito de dez países europeus para os quais já existia esse tipo de pesquisa em 1970. E também cresceu no Japão. Um grande motivo para que os Estados Unidos não registrem ascensão semelhante é o fato de que o pagamento por hora da maioria dos trabalhadores não subiu muito, recentemente.
"As provas são fracas em termos de série estatística", disse Wolfers. "Mas são mais compatíveis com a nossa tese do que com a dele." E onde ficamos, com tudo isso?
O crescimento econômico em si certamente não basta para garantir o bem-estar das pessoas -e essa é a grande contribuição de Easterlin ao estudo da economia. Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns problemas sérios de saúde, como o mau tratamento básico de doenças cardíacas, não derivam da falta de recursos.
Pesquisas recentes também constataram que algumas das coisas que mais propiciam felicidade às pessoas -trajetos curtos entre suas casas e o trabalho, o tempo passado com amigos- nada têm a ver com renda mais elevada.
Mas seria um erro levar esse argumento longe demais. O crescimento econômico pode também pagar por pesquisa científica que resulte em vidas mais longas e saudáveis; ou permitir viagens para visitar parentes que não vemos há anos, ou conhecer lugares a que nunca fomos. Quando você tem mais dinheiro, pode decidir trabalhar menos, e assim passar mais tempo com os amigos.
A riqueza é bom negócio e os povos do mundo parecem concordar. Em um momento no qual a economia americana parece ter caído em recessão, e a renda da maioria das famílias está estagnada há quase uma década, é bom que alguém nos leve a recordar por que a abundância de dinheiro importa.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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