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Para Bresser, Brasil está em ciclo vicioso
Ex-ministro afirma que país enfrenta armadilha formada
por juros altos, baixa taxa de câmbio e ajuste fiscal frouxo
Bresser critica modelo que
orientou política econômica
nos últimos anos e propõe
novo desenvolvimentismo
em livro a ser lançado
DA REPORTAGEM LOCAL
O ex-ministro Luiz Carlos
Bresser-Pereira lança nesta semana o livro "Macronomia da
Estagnação". Resultado de sete
anos de pesquisas sobre a economia brasileira, o livro faz sérias críticas ao modelo que
orientou a política econômica
nos últimos anos.
Bresser propõe em seu livro o
que chama de "terceiro discurso". O novo desenvolvimentismo, como foi batizado, seria um
modelo intermediário entre a
ortodoxia "ditada pelo Fundo
Monetário Internacional e o
Banco Mundial para os países
em desenvolvimento" e o velho
desenvolvimentismo, baseado
na forte intervenção do Estado
na economia.
Para ele, o país vive hoje "numa armadilha, um ciclo vicioso
formado por juros altos, baixa
taxa de câmbio e ajuste fiscal
frouxo". Ele recebeu a Folha
para a seguinte entrevista:
(CRISTIANE BARBIERI)
FOLHA - O que é o novo desenvolvimentismo?
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA - É
um terceiro discurso entre a ortodoxia convencional e o velho
desenvolvimentismo. A ortodoxia é o conjunto de diagnósticos, recomendações e pressões que os países ricos, por meio do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, fazem aos países em desenvolvimento. Já o desenvolvimentismo era baseado na forte intervenção do Estado na
economia, de que o Brasil não
precisa mais. O país ainda precisa de política industrial, mas
o essencial é ter uma estratégia
nacional de desenvolvimento, o
novo desenvolvimentismo.
FOLHA - O segundo mandato do
governo Lula está dando passos nessa direção?
BRESSER - Estou mais otimista e
esperançoso em relação ao segundo governo Lula. Ele montou um ministério competente.
O ministro da Fazenda [Guido
Mantega] é muito melhor do
que o primeiro ministro [Antonio Palocci Filho], não tem
comparação. No BNDES, temos o Luciano Coutinho, e, no
FMI, o Paulo Nogueira Batista,
excelentes economistas. O PAC
não resolve nossos problemas,
mas é um passo correto.
FOLHA - Por que não resolve?
BRESSER - Porque o que não fizemos ainda foi mudar a política macroeconômica. Esse é o
tema fundamental do livro, que
está todo organizado em cima
da taxa de câmbio, da taxa de
juros, da taxa de inflação e do
ajuste fiscal.
FOLHA - As tão faladas reformas
estruturais não são essenciais para o
crescimento mais vigoroso?
BRESSER - Elas são importantes,
mas não é por falta de reformas
que o Brasil não está crescendo.
Estamos fazendo reformas como devem ser feitas, graduais.
O Brasil não cresce porque não
consegue uma verdadeira estabilidade macroeconômica.
FOLHA - Como assim?
BRESSER - A ortodoxia define
estabilidade macroeconômica
como estabilidade de preços.
Ganhamos muitos elogios vindos do Norte por isso, mas o fato de estarmos quase estagnados há 27 anos não importa.
FOLHA - O que é, então, a estabilidade macroeconômica?
BRESSER - É ter estabilidade de
preços, taxa de juros moderada
que garanta o equilíbrio fiscal,
taxa de câmbio competitiva que
garanta o equilíbrio das contas
externas e, finalmente, o pleno
emprego. Temos inflação controlada e, no momento, equilíbrio das contas externas. Mas
estamos sofrendo da doença
holandesa, que é incompatível
com o equilíbrio das contas externas a longo prazo.
FOLHA - O que é a doença holan-
desa?
BRESSER - É a doença que atinge
os países produtores de petróleo ou que têm recursos naturais abundantes e baratos, como ferro e agronegócios no
Brasil. Chama-se doença holandesa porque, na década de
60, foi descoberto gás de petróleo na Holanda e a taxa de câmbio começou a se valorizar.
Com isso, perceberam que o
país estava ameaçado de trocar
a Philips, por exemplo, pelo gás
de petróleo.
FOLHA - Por quê?
BRESSER - Porque países que sofrem da doença holandesa têm
dinheiro, mas as indústrias que
estejam utilizando tecnologia
no estado da arte internacional
são impedidas de serem competitivas por causa da apreciação do câmbio.
FOLHA - Qual foi a solução?
BRESSER - Eles colocaram um
imposto de exportação no gás e
trouxeram a taxa de câmbio para patamares mais próximos do
interesse de toda a indústria.
FOLHA - Colocar um imposto em
setores fortemente exportadores
não vai contra tudo o que o país faz
hoje? O barulho não seria enorme?
BRESSER - Esse imposto causa
um receio muito grande aos exportadores, mas sem motivo.
Atividades como mineração e
agronegócio são muito importantes para o Brasil. São tecnologicamente sofisticadas, com
empresários modernos e competentes. Se colocarmos um
imposto de R$ 0,50 sobre uma
taxa de câmbio de R$ 2, eles não
perdem nada. Ao contrário, até
ganham um pouco na venda de
seus produtos com o câmbio
valorizado. E toda a economia
em geral ganha mais.
FOLHA - O senhor citou o caso da
Holanda na década de 60. Funcionaria nos dias de hoje, da economia
globalizada?
BRESSER - O Chile faz isso hoje
com o cobre. Mas quem faz isso
com maestria é a Noruega, que
descobriu petróleo no mar do
Norte há 20 ou 30 anos. O dinheiro do imposto de exportação foi colocado num fundo de
títulos e ações internacionais.
O dinheiro não entra na economia e não pressiona câmbio e
inflação. Só o rendimento líquido do fundo entra na Noruega.
FOLHA - Por que o senhor diz que o
brasileiro é hoje um refém?
BRESSER - Os brasileiros são reféns porque a ortodoxia ameaça o tempo todo: "se vocês baixarem os juros, a inflação volta". Mentira! Volta coisa nenhuma! Se fizerem o que proponho, e isso envolve depreciação da taxa de câmbio, a inflação vai voltar um pouco, sim.
FOLHA - Mas isso não é arriscado?
BRESSER - A inflação sobe um
pouquinho e depois volta para
baixo se os preços públicos forem desindexados.
FOLHA - Economistas dizem que
suas idéias pertencem ao passado.
BRESSER - Sei que vou ser chamado de nacionalista atrasado.
Ser nacionalista é vestir a camisa do país. É entender que, no
mundo da globalização, existe a
possibilidade e a necessidade
da cooperação entre povos e
nações, mas que a regra fundamental é a da competição.
FOLHA - O que isso significa?
BRESSER - O capitalismo é baseado na competição não apenas entre empresas mas também entre os Estados-nações.
Se a globalização é uma grande
competição, o desenvolvimento econômico é o sucesso dessa
competição. Nós estamos fracassando miseravelmente há
27 anos. Estamos ficando para
trás, para trás e para trás.
FOLHA - Por quê?
BRESSER - Com a crise dos anos
80, o Brasil perdeu a idéia de
nação e voltou a aceitar uma estratégia dada pelos concorrentes, que não têm interesse em
que sejamos bem-sucedidos.
FOLHA - Qual é a solução?
BRESSER - Há países que estão
crescendo extraordinariamente, como China, Índia, Malásia,
Rússia e, agora, Argentina, porque têm estratégias nacionais
de desenvolvimento a seu modo, definindo sua taxa de câmbio, pondo juros a níveis civilizados, com ajuste fiscal e um
pouco de política industrial.
Leia a entrevista na íntegra
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u117334.shtml
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