São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
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MERCADO TENSO
Governadores das Províncias não aceitam corte de verbas do governo, mas sem ele o déficit fiscal será maior
Nervosismo argentino reflete crise profunda

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

O ministro argentino da Economia, Roque Fernández, foi obrigado a fazer ontem, no fim da tarde, um pronunciamento pela TV para negar que estivesse demissionário, horas depois de o segundo homem do ministério -Miguel Kiguel (subsecretário de Economia)- ter feito outro desmentido, o de que o peso seria desvalorizado.
Os dois fatos demonstram quão grave foi a escalada de nervosismo nos mercados argentinos ontem, provocada por um acentuado debilitamento do panorama econômico desde que o Brasil, o principal mercado argentino, foi colhido pelo vendaval financeiro.
A causa mais imediata do nervosismo de ontem foram os rumores de que Fernández renunciaria, em consequência do desacordo com os governadores do próprio partido governante (o peronista ou Justicialista, seu nome oficial).
O governo quer cortar 360 milhões de pesos (um peso vale US$ 1) das Províncias, numa desesperada tentativa de impedir que o déficit público fuja do controle.
Os governadores se negam a aceitar o corte. Conseguiram apoio do Congresso, embora este também tenha maioria (relativa) do partido do governo.
Os números do déficit são de fato dramáticos: da previsão inicial de um buraco de 2,65 bilhões de pesos, passou-se, sucessivamente, para 2,95 bilhões, para 4,95 bilhões (em abril, no acordo com o FMI) e, agora, para 5,10 bilhões.
São números que não incorporam os das Províncias (déficit de 2,8 bilhões de pesos).
Não é o único rombo inquietante -as contas externas também estão no vermelho. Só a balança comercial registrará déficit de US$ 3,5 bilhões, segundo a mais recente previsão do ministro da Indústria e Comércio, Alieto Guadagni.
Como os brasileiros aprenderam na própria carne, o que os economistas chamam de déficits gêmeos (o das contas públicas e o das contas externas) é a porta aberta para ataques especulativos contra uma moeda. No caso argentino, uma moeda que, desde abril de 1991, resiste impavidamente na cotação US$ 1 igual a um peso.
O irônico é que, no auge da crise brasileira, o esquema argentino era apontado como a âncora mais segura contra o turbilhão financeiro externo.
Agora que a economia brasileira revelou surpreendente capacidade de reação, dá-se o contrário: a paridade fixa peso-dólar está crescentemente sendo questionada.
Até seu criador, o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo, vem insinuando uma mudança no modelo: em vez de manter o peso atrelado ao dólar, sugere casá-lo (bem como ao real brasileiro) a uma cesta de moedas.
Seria uma maneira de compensar a excessiva valorização do dólar, na comparação com as moedas européias, por exemplo. Atrelado ao dólar, o peso perde competitividade, porque os importadores europeus precisam de mais dólares (ou pesos), como é óbvio, para comprar a mesma quantidade de produtos.
A Folha apurou que, na Aliança (o conglomerado opositor que é, por ora, favorito na disputa presidencial marcada para outubro), o sentimento predominante, entre seus formuladores políticos, é o de que a Argentina terá mesmo que desvalorizar a moeda para recuperar competitividade.
Enquanto isso não ocorre, a economia derrapa para a recessão, desde o último trimestre de 98. Tanto é assim que o próprio governo reviu sua previsão inicial (crescimento de 4,8%) para uma retração de 1,5%.
Mas o economista-chefe do BBV, Ernesto Gaba, em artigo para o jornal "Clarín", no domingo, chegou a prever queda de 2,9%, no cenário mais pessimista.
A única notícia relativamente otimista no panorama imediato foi o acordo, ontem pela manhã, entre os governadores e o ministro Fernández. Em vez de cortar os 360 milhões de pesos pretendidos, o governo receberá das Províncias um empréstimo de 220 milhões. O restante para o ajuste fiscal sairá de outras fontes.
Pode ter superado o impasse com Fernández mas, como o empréstimo terá que ser devolvido no próximo exercício fiscal, a debilidade orçamentária persiste -e, com ela, os fantasmas que ontem assombraram os mercados.



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