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MERCADO TENSO
Governadores das Províncias não aceitam corte de verbas do governo, mas sem ele o déficit fiscal será maior
Nervosismo argentino reflete crise profunda
CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial
O ministro argentino da Economia, Roque Fernández, foi obrigado a fazer ontem, no fim da tarde,
um pronunciamento pela TV para
negar que estivesse demissionário,
horas depois de o segundo homem
do ministério -Miguel Kiguel
(subsecretário de Economia)- ter
feito outro desmentido, o de que o
peso seria desvalorizado.
Os dois fatos demonstram quão
grave foi a escalada de nervosismo
nos mercados argentinos ontem,
provocada por um acentuado debilitamento do panorama econômico desde que o Brasil, o principal mercado argentino, foi colhido
pelo vendaval financeiro.
A causa mais imediata do nervosismo de ontem foram os rumores
de que Fernández renunciaria, em
consequência do desacordo com
os governadores do próprio partido governante (o peronista ou Justicialista, seu nome oficial).
O governo quer cortar 360 milhões de pesos (um peso vale US$
1) das Províncias, numa desesperada tentativa de impedir que o déficit público fuja do controle.
Os governadores se negam a
aceitar o corte. Conseguiram apoio
do Congresso, embora este também tenha maioria (relativa) do
partido do governo.
Os números do déficit são de fato
dramáticos: da previsão inicial de
um buraco de 2,65 bilhões de pesos, passou-se, sucessivamente,
para 2,95 bilhões, para 4,95 bilhões
(em abril, no acordo com o FMI) e,
agora, para 5,10 bilhões.
São números que não incorporam os das Províncias (déficit de
2,8 bilhões de pesos).
Não é o único rombo inquietante
-as contas externas também estão no vermelho. Só a balança comercial registrará déficit de US$
3,5 bilhões, segundo a mais recente
previsão do ministro da Indústria
e Comércio, Alieto Guadagni.
Como os brasileiros aprenderam
na própria carne, o que os economistas chamam de déficits gêmeos
(o das contas públicas e o das contas externas) é a porta aberta para
ataques especulativos contra uma
moeda. No caso argentino, uma
moeda que, desde abril de 1991, resiste impavidamente na cotação
US$ 1 igual a um peso.
O irônico é que, no auge da crise
brasileira, o esquema argentino
era apontado como a âncora mais
segura contra o turbilhão financeiro externo.
Agora que a economia brasileira
revelou surpreendente capacidade
de reação, dá-se o contrário: a paridade fixa peso-dólar está crescentemente sendo questionada.
Até seu criador, o ex-ministro da
Economia Domingo Cavallo, vem
insinuando uma mudança no modelo: em vez de manter o peso atrelado ao dólar, sugere casá-lo (bem
como ao real brasileiro) a uma cesta de moedas.
Seria uma maneira de compensar a excessiva valorização do dólar, na comparação com as moedas
européias, por exemplo. Atrelado
ao dólar, o peso perde competitividade, porque os importadores europeus precisam de mais dólares
(ou pesos), como é óbvio, para
comprar a mesma quantidade de
produtos.
A Folha apurou que, na Aliança
(o conglomerado opositor que é,
por ora, favorito na disputa presidencial marcada para outubro), o
sentimento predominante, entre
seus formuladores políticos, é o de
que a Argentina terá mesmo que
desvalorizar a moeda para recuperar competitividade.
Enquanto isso não ocorre, a economia derrapa para a recessão,
desde o último trimestre de 98.
Tanto é assim que o próprio governo reviu sua previsão inicial (crescimento de 4,8%) para uma retração de 1,5%.
Mas o economista-chefe do BBV,
Ernesto Gaba, em artigo para o jornal "Clarín", no domingo, chegou
a prever queda de 2,9%, no cenário
mais pessimista.
A única notícia relativamente
otimista no panorama imediato foi
o acordo, ontem pela manhã, entre
os governadores e o ministro Fernández. Em vez de cortar os 360
milhões de pesos pretendidos, o
governo receberá das Províncias
um empréstimo de 220 milhões. O
restante para o ajuste fiscal sairá de
outras fontes.
Pode ter superado o impasse
com Fernández mas, como o empréstimo terá que ser devolvido no
próximo exercício fiscal, a debilidade orçamentária persiste -e,
com ela, os fantasmas que ontem
assombraram os mercados.
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