São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2001

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VIZINHO EM CRISE

Wall Street ainda desconfia do câmbio duplo; dólar bate outro recorde no Brasil; risco Argentina cai um pouco

Cavallo grita, mas mercado ainda não escuta

DA REPORTAGEM LOCAL

A desconfiança internacional em relação à Argentina diminuiu ontem um pouco, mas investidores no Brasil e em Wall Street ainda não estão certos a respeito do significado e do futuro do câmbio duplo do país, que entrou ontem em vigor.
Ontem foi o primeiro dia útil do mercado argentino após o anúncio do pacote que, na prática, desvalorizou o peso para operações de comércio exterior.
Domingo Cavallo, o superministro da Economia argentino, criticou o mercado, que não teria entendido suas medidas, mas as incertezas sobre a manutenção do modelo cambial argentino continuaram. No Brasil, o dólar voltou a subir. No comercial, a alta foi de 1,14%, com a moeda norte-americana cotada ao final dos negócios em R$ 2,48 (venda).
O índice Embi do JP Morgan (medida do risco-país) para a Argentina ficou em 987 pontos percentuais ante 1000 pontos na segunda-feira. O índice mede o quanto de juros os papéis da dívida externa dos mercados emergentes pagam a mais que os títulos do Tesouro dos EUA, considerados de risco zero -trata-se, na prática, de uma medida do temor que os investidores têm de que um certo país dê um calote.
A recuperação do risco-país da Argentina deveu-se em grande parte ao baixo preço dos títulos de mercado emergentes. Muitos desses papéis valorizaram-se ontem. Os C-bonds, papéis brasileiros mais negociados, subiram 1,21%, vendidos 73,88 centavos de dólar.
No primeiro dia de negócios, os novos títulos argentinos, os Globals 2008, registraram queda de 0,3%. Os FRBs, que perdem para os Globals 2008 o posto de papéis argentinos mais negociados, valorizaram-se em 1,64%.

Desvalorização
Os analistas internacionais temem que o câmbio duplo proposto por Cavallo seja apenas um prenúncio da desvalorização do peso. "Num aspecto local, as medidas podem estimular a economia. O problema é que elas criam mais incertezas num ambiente já muito tenso", afirmou Juan Plett, da corretora Mackintosh.
"Os mercados não gostam de notícias inesperadas, que vieram a se somar ao ceticismo que existe sobre a argentina", afirmou o economista-chefe para mercados emergentes do ABN Amro, Arturo Porzecanski, um dos mais respeitados de Wall Street. "Ante um novo anúncio, seja bom, mau ou regular, a primeira reação é vender, depois se fazem perguntas."
Os receios de Wall Street foram os mesmos que levaram o dólar a subir na praça paulista. Em dois dias, a moeda norte-americana subiu 2,78% no Brasil. No acumulado deste ano, o dólar valorizou-se 27,11%.
Nem mesmo cerca de US$ 100 milhões que teriam sido vendidos ao mercado pelo Banco do Brasil, segundo operadores, ajudou a conter a alta do dólar. Esse dinheiro seria da venda de ações da Embraer no exterior da carteira da Previ (fundo de pensão dos funcionários do BB), cuja liquidação ocorreu ontem.
Para o economista Carlos Kawall, do Citibank, o nervosismo no mercado brasileiro foi alimentado por "interpretação tendenciosa das medidas argentinas".
Na avaliação de Kawall, a hipótese de que haveria corrida aos bancos na Argentina, como se especulou na segunda-feira, foi considerada apenas pelos operadores brasileiros.
"Hoje (ontem) foi um dia de cautela. Nos próximos dias saberemos como se comportaram os depósitos bancários."
Muitos analistas de mercado dos EUA ainda desconfiam do futuro da conversibilidade (leia texto à página B4).


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