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AÇÚCAR AMARGO
Sem respaldo jurídico, setor deixou de recolher, desde 99, percentual destinado a trabalhadores; Estado se omite
Produtor de cana deixa de repassar R$ 1 bi
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Por omissão do Estado, produtores de cana-de-açúcar deixaram
de repassar entre 1999 e 2004 ao
menos R$ 1 bilhão destinado legalmente a serviços de assistência
médica e a projetos sociais para
empregados do setor.
Esse é o montante que não foi
pago por produtores paulistas de
cana com base nas safras colhidas
nesse período, incluindo multas.
Ainda não há cálculos sobre o
quanto deixou de ser recolhido
em outras regiões onde há produção de cana no país.
Desde 1965, produtores de cana,
de açúcar e de álcool são obrigados (pela Lei 4.870) a recolher 1%,
1% e 2%, respectivamente, sobre
o comércio desses produtos para
custear a assistência médica e social dos trabalhadores do setor.
Em 1999, os produtores de cana
se reuniram e decidiram sustar o
pagamento sob a alegação de que
o tabelamento do preço do produto havia acabado.
Para eles, como o preço oficial
da cana deixou de existir com a
desregulamentação do setor,
também teria perdido a vigência a
obrigação legal de investir na assistência aos trabalhadores.
A interrupção do pagamento é
polêmica por três motivos: 1) os
produtores não pediram respaldo
judicial para suspender o recolhimento -tomaram a decisão por
conta própria; 2) o governo não
reagiu, não fiscalizou nem questionou o argumento extrajudicial
usado pelos plantadores. O Ministério da Agricultura, responsável pela política do setor, só se manifestou após o Ministério Público Estadual e a Defende, ONG formada por um grupo de advogados, decidirem intervir judicialmente; 3) ao menos uma entidade
de produtores -a Associação de
Fornecedores de Cana de Piracicaba, que reúne 4.800 fornecedores- continua pagando, por
achar que a taxa ainda é devida.
Com relação aos produtores de
açúcar e de álcool, não há informações de o repasse previsto na
lei estar ou não sendo feito.
Até o final desta semana, a Defende, responsável pelos cálculos
do montante devido, vai entrar
com ações na Justiça para cobrar
esse dinheiro de 20 associações de
fornecedores de cana. O Ministério Público em Ribeirão Preto
também prepara uma ação civil
pública para manter o repasse.
Pela lei, as associações de fornecedores são as responsáveis pelo
recolhimento e pelo repasse do
dinheiro para hospitais, ambulatórios e programas educacionais.
Em março, a ONG moveu uma
ação contra a Associação dos Fornecedores de Cana de Guariba
(Socicana) e mais oito usinas da
região. Quer reinstituir o recolhimento da taxa e determinar o pagamento dos atrasados.
A ONG não obteve liminar nessa ação -que está em andamento-, mas o Ministério Público
em Guariba opinou a favor do repasse. "Se está na lei, tem de ser
cumprido", afirma o promotor
Fernando Cezar Burghetti.
A Socicana, uma das 20 associações que não recolhe a taxa, representa 800 plantadores de cana da
região. Entre seus associados está
Paulo de Araújo Rodrigues, filho
do ministro Roberto Rodrigues
(Agricultura). Ele ocupa o cargo
de vice-presidente da Socicana.
Procurado pela Folha, Araújo Rodrigues não foi localizado. Recados foram deixados em seu celular e em sua residência.
Em 2001, o Ministério Público
Estadual em Guariba já havia entrado com ação na Justiça contra a
Socicana para defender o recolhimento. Mas a Justiça considerou
que a associação era parte ilegítima - não poderia responder
nesse processo no lugar das usinas e dos plantadores de cana.
Inicialmente, o Ministério da
Agricultura era responsável pelo
cumprimento da lei. Após a extinção do IAA (Instituto do Açúcar e
do Álcool), que ocorreu em 1990,
o setor ficou sob a responsabilidade do Ministério da Fazenda.
Logo após o fim do tabelamento
do preço da cana, a Procuradoria
Geral da Fazenda Nacional emitiu
um parecer no qual citava que a
aplicação da lei estava com "eficácia contida" -a lei está vigente,
mas necessita de regulamentação.
Depois da Fazenda, o setor ficou
sob controle do Ministério da Indústria. Desde 99, passou para a
Agricultura. "Nossa posição é
que, se houver decisão final da
Justiça de que a lei está em vigor e
que temos de fiscalizar, vamos tomar as providências para que isso
seja feito", diz Ângelo Bressan Filho, diretor do Departamento do
Açúcar e do Álcool do ministério.
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