São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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Ex-cortadora de cana espera até três meses por consulta médica

DA REPORTAGEM LOCAL

Corsina Alves de Castro, 57, que trabalhou 12 anos colhendo cana e está há cinco aposentada por invalidez, busca hoje atendimento no posto de Guariba para enfrentar os problemas de saúde. "Carregar tanto peso durante esses anos todos me trouxe problemas de coluna. Mas temos de esperar dois ou três meses para fazer uma consulta", diz a trabalhadora, que, quando empregada, tinha convênio médico pago, em parte, por uma usina da região. "Descontavam do meu salário R$ 20 de convênio médico. Acho que era metade do preço total", diz a aposentada, que informou desconhecer a lei que determina o repasse de 1% do preço da tonelada de cana para assistência social. Por uma jornada que variava entre 8 e 12 horas, dependendo da quantidade de cana, ela disse que recebia R$ 160. "Gasto parte da aposentadoria [R$ 500] com remédios. Não sobra muito para ajudar a sustentar as 15 pessoas que moram aqui em casa." A Feraesp (Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo), que representa cerca de 500 mil trabalhadores rurais, informou que pelo menos 2 milhões de pessoas são diretamente afetadas pelo não-repasse. "Os familiares desses empregados e a população também deixam de ser assistidos em programas sociais. Não é interesse só do trabalhador rural", afirma Elio Neves, presidente da federação. No ano passado, a federação pediu a intervenção do Ministério do Trabalho para resolver o assunto. Em uma reunião na DRT (Delegacia Regional do Trabalho) de São Paulo, com trabalhadores e empregadores em setembro de 2003, "se propôs a criação de uma comissão interministerial, mas não houve avanço na questão". "O que ocorreu é muito grave. Houve um acerto entre os usineiros para não pagar esse 1% e diante disso qual foi a atitude do governo Lula? Há uma lei federal que não está sendo cumprida. O governo não pode ignorar isso", afirma Neves. Para a Feraesp, os cortadores de cana pertencem a uma categoria das mais prejudicadas por condições insalubres de trabalho. "Eles têm inúmeros problemas de pulmão em função da fuligem da cana, ganham piso de R$ 300 e sofrem vários acidentes de trabalho. Para ganhar R$ 2 por dia, eles têm de colher uma tonelada de cana." Antônio Wilton Santos, 30, trabalha oito horas por dia e chega a cortar 200 metros de cana a R$ 0,12 o metro. "Isso em um dia bom e se o terreno do corte não tiver pedras". Mantido esse ritmo, consegue chegar a R$ 550 por mês. Desse total, Santos vê descontado todo mês em seu salário R$ 49,10 para o convênio médico. "Se dependesse do SUS [Sistema Única de Saúde], estaria perdido. O único inconveniente é o preço. Se a usina em que trabalho não descontasse esse dinheiro, já ajudava no leite dos filhos." O cortador Antônio Carlos Pereira Souza, 31, acha "justo" o trabalhador ter um convênio, mas "desde que seja de sua livre escolha". "É um absurdo ser obrigado a pagar o INSS e ainda ter de pagar convênio particular. Pagamos duas vezes para ter atendimento." (CR e FF)


Colaborou Joel Silva, repórter-fotográfico da Folha Ribeirão


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