São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A batalha do dólar


Uma forma de fortalecer o dólar sem elevar os juros nos EUA seria reduzir a atividade nas economias emergentes

A POLÍTICA do dólar fraco, que, por intenção e desleixo, foi marca dos anos Bush filho, está chegando ao fim. Por dois motivos. O primeiro é que a perda constante do valor da moeda mais importante do mundo encontrou agora um limite com a arbitragem com o petróleo e outras matérias-primas.
Por ser a unidade de conta desses produtos, toda vez que a moeda norte-americana perde valor, em especial com relação ao euro, sobe o preço desses produtos e acentua-se, nos mercados, o temor de uma espiral inflacionária.
No passado, essa arbitragem de valor da moeda norte-americana era feita contra o ouro. Mas o petróleo -também chamado de "o ouro negro" em construções mais românticas- tomou o lugar como refúgio seguro para recursos financeiros mais ariscos. Com essa correlação negativa entre o dólar e o preço de petróleo -para cada 1% de desvalorização do dólar em relação ao euro, o petróleo tem subido mais de US$ 2-, o combate à inflação nos Estados Unidos, no ponto atual do ciclo de sua economia, fica muito dificultado.
O segundo é a grande novidade do ciclo atual: pela primeira vez em muitas décadas, a desaceleração dos Estados Unidos está sendo incapaz de sincronizar o resto do mundo. O pólo dinâmico asiático, com outras economias emergentes, continua crescendo com elevada intensidade no uso de matérias-primas. Com isso, a inflação global permanece elevada mesmo com a desaceleração americana. Em outras palavras, a ação do Fed está sendo limitada pelo crescimento da China e talvez ele tenha de tolerar uma desaceleração mais profunda para que as pressões inflacionárias sejam reduzidas.
O dilema norte-americano é claro: o petróleo em alta tira renda dos consumidores via gastos com gasolina, representando um choque adicional à depressão do mercado imobiliário. Em tais condições e com a taxa de desemprego aumentando, o Fed gostaria de manter os juros muito baixos. Mas uma taxa de juros mais baixa nos Estados Unidos, com o Banco Central Europeu seguindo uma política monetária restritiva e o resto do mundo continuando a crescer, enfraquece a moeda norte-americana pela arbitragem financeira.
No momento seguinte, um dólar mais fraco eleva as cotações do petróleo, pressionando ainda mais a economia norte-americana via renda disponível menor para os consumidores americanos. O resultado final dessa cadeia de eventos antagônicos é a elevação da inflação cheia nos Estados Unidos e na Europa e a sensação dos mercados de que a política do Fed está na contramão de sua missão institucional de guardião da estabilidade de preços.
Mas como fortalecer o dólar sem aumentar os juros nos Estados Unidos e agravar os problemas de crescimento e dos resultados dos bancos norte-americanos? Essa verdadeira quadratura do círculo tem dominado os debates mais recentes sobre a inflação no mundo. Uma resposta clara seria a redução coordenada da atividade econômica nas economias do mundo emergente, visando reduzir as pressões nos mercados de petróleo e das commodities em geral.
Enquanto isso não ocorre, provavelmente o mundo terá de conviver com juros mais altos nos Estados Unidos e na Europa. A maioria dos analistas tem dificuldade em aceitar que o Fed elevará os juros com a economia fraca, simplesmente porque ele não faz isso desde o início dos anos 80. Não estão enxergando que a força motriz da economia mundial está em outro lugar, e até o todo-poderoso Fed precisa levar isso em conta.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

lcmb2@terra.com.br


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