São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2004

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INTEGRAÇÃO

Europa abriria mercado em troca de poder vender veículo de luxo

Argentina propõe cota de carros à UE

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS

A Argentina quer oferecer à União Européia cotas para a venda de carros de luxo no Mercosul, em troca da possibilidade de o bloco do Sul vender imediatamente seus veículos no rico mercado europeu, hoje protegido por uma tarifa de 6,5%.
Se as montadoras argentinas e brasileiras, que se reúnem hoje em Bruxelas, conseguirem definir uma posição comum, a proposta fará parte do pacote que está sendo negociado desde ontem entre o Mercosul e o conglomerado europeu de 25 países.
Na verdade, a proposta argentina não fala em carros de luxo, mas "em cotas para montadoras que não estão instaladas no Mercosul", diz Martín Redrado, vice-chanceler, principal negociador argentino e que mantém papel importante na negociação entre os blocos, mesmo tendo a Argentina passado a presidência de turno do Mercosul para o Brasil.
Acontece que montadoras européias não instaladas no Brasil ou na Argentina são poucas. A única lembrada ontem foi a alemã BMW, que fabrica de fato automóveis de luxo.
O fato de o setor automotivo estar entrando na negociação é usado pelo embaixador Régis Arslanian, chefe da delegação brasileira, como mais uma demonstração de que o Mercosul fez tudo o que podia para melhorar sua oferta aos europeus, uma vez que o setor é dos mais protegidos no Brasil e na Argentina, com uma tarifa de importação de 35%.
Por achar que fez tudo o que podia, o Mercosul cobrou ontem dos europeus uma melhora na oferta agrícola, sem o que o pacote em negociação ficaria desequilibrado. "Negociação que não seja equilibrada não é saudável", diz o embaixador.
Do lado europeu, Karl Falkenberg, o negociador-chefe, disse que os dois blocos tinham "a melhor oportunidade" para fechar a negociação dentro do prazo estabelecido (até outubro).
Arslanian concordou, mas acrescentou: "Não faremos um acordo a qualquer preço".
O preço que o Mercosul cobra é, evidentemente, uma melhor oferta agrícola, embora, pelas contas do setor privado, a proposta em negociação acrescente US$ 2,5 bilhões à pauta brasileira de exportações. "As oportunidades criadas são imensas", diz documento que 33 entidades da agricultura e agronegócio encaminharam ao chanceler Celso Amorim.
Ontem, primeiro dia de uma negociação que, nesta fase, irá até sexta-feira, os europeus "já deram algumas indicações de possíveis melhorias", conta Arslanian. Melhorias que se referem a todas as reivindicações do Mercosul. Entre elas, cotas mais generosas e redução das tarifas de importação para quantidades que excedam as cotas a serem acertadas.
Redrado acrescenta que os europeus mencionaram também produtos específicos em que haveria ofertas mais suculentas. Pescado, por exemplo, item de grande interesse para a Argentina, que já exporta para a Europa US$ 600 milhões anuais, a metade de suas vendas externas totais.
Carne, produto de alto interesse para todo o Mercosul, também entrou nas conversas, assim como itens aparentemente menos charmosos (biscoitos), que, porém, compõem a rubrica PAPs (Produtos Agrícolas Processados, de maior valor agregado).

Para depois
De todo modo, o Mercosul não conta para a negociação desta semana com a apresentação formal, por escrito, das ofertas européias melhoradas. "Deverão fazê-lo entre este CNB e a reunião de Brasília, na segunda semana de agosto", diz Redrado.
CNB é Comitê de Negociações Birregionais, principal instância técnica das discussões, que está fazendo agora a última das reuniões programadas pelos ministros dos dois blocos no encontro que tiveram em novembro.
Mas, como demonstração de que os dois lados têm pressa em chegar a um acordo, haverá novas reuniões mais ou menos a cada 15 dias, quando o ritmo até agora era de uma a cada 45 dias.
Os negociadores europeus admitiram ontem que o Mercosul apresentou propostas claras e efetivas nas áreas de serviços e investimentos.
Mas falta outro item básico para a Europa: compras governamentais, um mercado avaliado, no Mercosul, em US$ 6 bilhões, só levando em conta a administração direta (na Europa, o setor gasta US$ 250 bilhões/ano).
O Mercosul até elaborou sua proposta, mas decidiu só colocá-la no papel quando os europeus melhorarem sua oferta agrícola.
O bom momento da negociação já produziu intenções de investimento, antes mesmo que ela termine: a Del Monte norte-americana diz que, se os europeus aceitarem aumentar a cota de bananas exportada pelo Mercosul das 30 mil toneladas oferecidas para 120 mil, investirá US$ 120 milhões no país, para produzir e exportar.


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