São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2004

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AÇÚCAR

Agricultores belgas temem "invasão" brasileira

Produtores europeus criticam fim de subsídios e atacam Brasil

DO ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS

Os produtores belgas de açúcar, falando em nome de seus colegas de toda a Europa, encaminharam documento ao comissário (espécie de ministro) de Agricultura da União Européia, o austríaco Franz Fischler, no qual protestam contra o corte nos subsídios a eles concedidos e colocam o Brasil no centro das críticas.
Os produtores dizem, primeiro, que a reforma anunciada por Fischler na semana passada "abrirá as portas para uma invasão do açúcar brasileiro, que tomará todo o mercado europeu", para acrescentar que "os únicos beneficiários serão os comerciantes, transportadores e grandes proprietários de terra no Brasil".
Contra-ataca Elizabeth Seródio, representante da Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), que reúne 98 associados, responsáveis por 65% da produção brasileira de açúcar:
"A reforma européia não beneficia os ricos ou os pobres, mas os produtores mais competitivos", afirmou.
Seródio diz que, no centro-sul brasileiro, o açúcar é produzido a um custo de US$ 98 por tonelada, ao passo que o preço mínimo garantido aos produtores europeus é hoje de 642 e, mesmo após a reforma, ficará em 421, mais de quatro vezes o preço do açúcar brasileiro.

Protestos
O protesto dos produtores europeus foi encaminhado ontem a Fischler justamente no momento em que ele explicava a sua proposta de reforma aos ministros de Agricultura dos 25 países-membros da UE.
A maioria ficou contra, especialmente os ministros de países como Espanha, Grécia e Itália, que são os menos competitivos.
O porta-voz de Fischler, Gregor Kreuzhuber, reconheceu que a reação dos ministros "não foi positiva", uma maneira branda de qualificar as críticas recebidas.
Mas Kreuzhuber diz que a oposição dos ministros não significa que a reforma vá ser abandonada.
"Fischler tem grande experiência em reformas da política agrícola e sabe que nunca é fácil fazê-las", afirma o porta-voz.
Desta vez, no entanto, é particularmente difícil, na medida em que se trata, como diz Kreuzhuber, de um "setor complexo", ao qual a UE dedica a metade exata dos subsídios à exportação que agora pretende reduzir.
É difícil também por "se tratar de um lobby poderoso", completa o porta-voz.
Chris Scott-Wilson, vice-presidente do "Grupo Canguru", instituição do Parlamento Europeu que faz campanha para completar o mercado interno da UE e, por isso mesmo, critica as distorções provocadas pelos subsídios, dá uma idéia mais precisa da força do lobby do açúcar na Europa:
"As estatísticas da Comissão Européia mostram que a fazenda média de beterraba é maior e tem maior renda por hectare que outras fazendas, precisamente pelas peculiares vantagens do regime do açúcar" (o açúcar europeu é feito de beterraba, diferentemente do brasileiro, que vem da cana).

Brasil
O Brasil vai se beneficiar da reforma européia não para invadir o mercado europeu, diferentemente do que dizem os produtores belgas. A Europa é auto-suficiente em açúcar e, o que precisa importar, o faz dos chamados países ACP (Ásia, Caribe, Pacífico) e da Índia.
O benefício para o Brasil virá, em tese, de dois lados: com menor estímulo à produção européia, os preços no mercado internacional devem subir, o que é bom para um país que é o maior exportador do produto (13,370 milhões de toneladas).
Além disso, o açúcar brasileiro terá menos concorrência do europeu em terceiros mercados, com a redução dos subsídios.

Mercosul
A única chance de o Brasil ganhar também mercado na Europa é se, na negociação direta com a União Européia, o Mercosul conseguir a cota de 1,8 milhão de toneladas que está pedindo.
A oferta européia, até agora, é zero, exceto por uma microcota de 23 mil toneladas, que, mesmo assim, paga uma tarifa de US$ 98 a tonelada.
Apesar de o porta-voz de Franz Fischler dizer que as críticas dos ministros não vão bloquear a reforma, o fato é que a reunião de ontem foi apenas a primeira. Em outubro, o governo holandês (presidente de turno da União Européia) pretende convocar uma reunião mais ampla para discutir o assunto. É nesse mesmo mês que muda a Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado, o que significa que Fischler pode nem estar presente para defender a sua proposta, que, por tabela, coincide com interesses brasileiros. (CLÓVIS ROSSI)


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