|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Lengalengando
BENJAMIN STEINBRUCH
Sim, prezado leitor, existe o
verbo lengalengar. Ele está no
"Aurélio" e em outros bons dicionários. Significa fazer lengalenga,
que é uma conversa ou discurso
monótono e repetitivo. Conjuga-se, inclusive, em todas as suas formas, da mesma maneira que largar, inclusive no gerúndio, como
no título deste artigo.
Começo conjugando esse verbo
pouco usado para dizer que lengalenga é o que se fez na economia brasileira em matéria de
crescimento nos últimos anos. Há
muito tempo perdemos a velha
garra pelo desenvolvimento, que
é a única forma de criar empregos
e melhorar o bem-estar dos brasileiros.
Corro inclusive o risco de ser
acusado de lengalengar, porque
tenho insistido inúmeras vezes
nesse tema do desenvolvimento.
Mas, certamente, lengalenga
muito maior é o discurso persistentemente centrado no controle
fiscal e que pretende deixar o crescimento para o futuro em nome
da manutenção da estabilidade.
Vale lembrar a genial frase de
John Maynard Keynes: "No longo
prazo, estaremos todos mortos".
Para Keynes, os economistas se
atribuem uma tarefa demasiadamente fácil e inútil se, em momentos tempestuosos, somente
podem dizer que o oceano voltará
a ficar tranquilo quando o furacão passar.
A era FHC vai terminar deixando aos brasileiros o importante legado da estabilidade. É bom observar que quando FHC lançou o
Plano Real, em 1994, a inflação
girava em torno de 40% ao mês.
O programa teve enorme sucesso
e tirou de cena o fantasma da elevação continuada de preços.
Lembram-se do famoso dragão
que a imprensa usava para simbolizar a inflação? Nunca mais
foi visto nas páginas dos jornais.
Mas, assim como o legado da estabilidade, infelizmente, FHC
deixará uma marca negativa. O
crescimento médio da economia
nos oito anos de governo, que
agora já pode ser estimado com
pequena margem de erro, será inferior a 2,5% ao ano. É pouco. A
renda per capita dos brasileiros
terá avançado apenas 1,8% ao
ano nesse período, embora a economia mundial tenha vivido ao
mesmo tempo um extraordinário
período de crescimento. O bloco
de países emergentes teve expansão acumulada de quase 50% nos
últimos oito anos. A economia
americana cresceu 30% e o Brasil,
infelizmente, não embarcou nesse
"bonde": o PIB aumentou pouco
mais de 20%.
A revista "Dinheiro" fez um levantamento do conteúdo dos pronunciamentos do ministro da Fazenda, Pedro Malan, publicados
no site do Ministério da Fazenda.
Em 30 meses no cargo, o ministro
defendeu 171 vezes a idéia de pisar no freio da economia e 78 vezes a de acelerar o crescimento.
Devemos, é claro, fazer justiça ao
ministro Malan. Ele conduziu a
economia brasileira durante períodos difíceis e atravessou várias
crises internacionais, como a do
México, a da Ásia, a da Rússia e,
recentemente, a da Argentina.
Não deixou o barco afundar. Mas
também é fato, como mostra o levantamento da revista, que primou por um discurso conservador em matéria de desenvolvimento.
A cantilena monótona e repetitiva que empurrou para o futuro
o crescimento, inspirada nas receitas recessivas do Fundo Monetário Internacional, é uma das
maiores lengalengas destes anos
do Real. A reforma tributária é
outra. Há anos, quase se formou
um consenso no país sobre a necessidade dessa reforma para aliviar a pesada carga que incide de
forma cumulativa sobre a produção e compromete as exportações.
Mas os oito anos de FHC também
vão encerrar-se sem essa reestruturação, ainda que a responsabilidade, nesse caso, caiba igualmente ao Legislativo. Há ainda
uma terceira lengalenga, que é o
discurso sobre a reforma da Previdência Social para tapar o enorme buraco aberto pelas aposentadorias do setor público.
Não há como resolver o país
sem parar de conjugar esse estranho verbo lengalengar.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Crédito para exportadores é emergencial Próximo Texto: Impostos: Erro na lei pode elevar IR em 2003 Índice
|