São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Lengalengando

BENJAMIN STEINBRUCH

Sim, prezado leitor, existe o verbo lengalengar. Ele está no "Aurélio" e em outros bons dicionários. Significa fazer lengalenga, que é uma conversa ou discurso monótono e repetitivo. Conjuga-se, inclusive, em todas as suas formas, da mesma maneira que largar, inclusive no gerúndio, como no título deste artigo.
Começo conjugando esse verbo pouco usado para dizer que lengalenga é o que se fez na economia brasileira em matéria de crescimento nos últimos anos. Há muito tempo perdemos a velha garra pelo desenvolvimento, que é a única forma de criar empregos e melhorar o bem-estar dos brasileiros.
Corro inclusive o risco de ser acusado de lengalengar, porque tenho insistido inúmeras vezes nesse tema do desenvolvimento. Mas, certamente, lengalenga muito maior é o discurso persistentemente centrado no controle fiscal e que pretende deixar o crescimento para o futuro em nome da manutenção da estabilidade. Vale lembrar a genial frase de John Maynard Keynes: "No longo prazo, estaremos todos mortos". Para Keynes, os economistas se atribuem uma tarefa demasiadamente fácil e inútil se, em momentos tempestuosos, somente podem dizer que o oceano voltará a ficar tranquilo quando o furacão passar.
A era FHC vai terminar deixando aos brasileiros o importante legado da estabilidade. É bom observar que quando FHC lançou o Plano Real, em 1994, a inflação girava em torno de 40% ao mês. O programa teve enorme sucesso e tirou de cena o fantasma da elevação continuada de preços. Lembram-se do famoso dragão que a imprensa usava para simbolizar a inflação? Nunca mais foi visto nas páginas dos jornais.
Mas, assim como o legado da estabilidade, infelizmente, FHC deixará uma marca negativa. O crescimento médio da economia nos oito anos de governo, que agora já pode ser estimado com pequena margem de erro, será inferior a 2,5% ao ano. É pouco. A renda per capita dos brasileiros terá avançado apenas 1,8% ao ano nesse período, embora a economia mundial tenha vivido ao mesmo tempo um extraordinário período de crescimento. O bloco de países emergentes teve expansão acumulada de quase 50% nos últimos oito anos. A economia americana cresceu 30% e o Brasil, infelizmente, não embarcou nesse "bonde": o PIB aumentou pouco mais de 20%.
A revista "Dinheiro" fez um levantamento do conteúdo dos pronunciamentos do ministro da Fazenda, Pedro Malan, publicados no site do Ministério da Fazenda. Em 30 meses no cargo, o ministro defendeu 171 vezes a idéia de pisar no freio da economia e 78 vezes a de acelerar o crescimento. Devemos, é claro, fazer justiça ao ministro Malan. Ele conduziu a economia brasileira durante períodos difíceis e atravessou várias crises internacionais, como a do México, a da Ásia, a da Rússia e, recentemente, a da Argentina. Não deixou o barco afundar. Mas também é fato, como mostra o levantamento da revista, que primou por um discurso conservador em matéria de desenvolvimento.
A cantilena monótona e repetitiva que empurrou para o futuro o crescimento, inspirada nas receitas recessivas do Fundo Monetário Internacional, é uma das maiores lengalengas destes anos do Real. A reforma tributária é outra. Há anos, quase se formou um consenso no país sobre a necessidade dessa reforma para aliviar a pesada carga que incide de forma cumulativa sobre a produção e compromete as exportações. Mas os oito anos de FHC também vão encerrar-se sem essa reestruturação, ainda que a responsabilidade, nesse caso, caiba igualmente ao Legislativo. Há ainda uma terceira lengalenga, que é o discurso sobre a reforma da Previdência Social para tapar o enorme buraco aberto pelas aposentadorias do setor público.
Não há como resolver o país sem parar de conjugar esse estranho verbo lengalengar.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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