São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Juros, pirotecnia e mistificação

Endividamento em alta leva governo e bancos a novo surto de desconversa sobre as razões do custo do dinheiro

DUAS MANIAS típicas de período eleitoral reapareceram no debate sobre juros. Do lado do governo, o surto anti-"spread" e lucros bancários. Do lado dos desafetos, exageros sobre a inadimplência dos brasileiros, superendividados com estímulo do governo.
As duas manias foram detonadas, mas não justificadas, pelo mesmo problema real. A partir de junho, bancos e Banco Central passaram a atribuir a persistência de "spreads" altos ao aumento do crédito e da inadimplência das pessoas físicas. "Spread" é a diferença entre os juros bancários e as despesas dos bancos para obter e emprestar dinheiro.
Ali no início da campanha eleitoral, em julho, Lula pediu a sua equipe econômica um pacote contra os "spreads" (e juros). O BC baixava os juros desde setembro de 2005, e os "spreads" só começariam a cair em março de 2006. Lula afligiu-se. Os bancos passaram a conter os empréstimos às pessoas físicas em março. A inadimplência continuava a aumentar, piorando em maio. Mais crédito ruim, mais "spread".
Mas a inadimplência das pessoas físicas subia desde junho do ano passado. Empréstimos em atraso de mais de 90 dias eram então 5,9% do total. Em dezembro, 6,7%. Em junho de 2006, 7,2%. Mais: o "spread" para pessoa física já foi maior, e com inadimplência menor, em 2005.
A participação do crédito para pessoas físicas sobre o total dos empréstimos ao setor privado sobe desde FHC. Sob FHC 1, desde o Real, subiu 40%. Sob FHC 2, 54%. Sob Lula, 46%. Se mais gente toma mais empréstimos, a qualidade do tomador pode diminuir; a capacidade de pagar, a renda disponível, também.
Mas, no total dos empréstimos do setor financeiro privado, a qualidade do crédito está próxima do nível em torno do qual têm flutuado desde 2004. O efeito da inadimplência nos bancos ainda está mal explicado.
O hipotético limite de endividamento individual não deve prejudicar ainda mais o crescimento (e tal limite pode ser alargado, pouco, pelo aumento homeopático, mas constante, da massa de salários). O surto anti-"spread" não deve resultar em nada que possa impressionar o cidadão que vai comprar a geladeira ou a TV para ver o sucesso do crescimento chinês durante a Olimpíada de 2008, em Pequim.
Criar um cadastro de bons pagadores pode aumentar a competição entre os bancos e reduzir juros. Mas um bom cadastro depende de os bancos compartilharem muita informação de clientes (o que os bancos não querem) e de lei (que se arrasta no Congresso). E tem efeito no médio e no longo prazos. Baixar a taxa paga pelos bancos para o fundo que garante os depósitos de correntista de bancos que quebrem é, como diz um diretor de grande banco, gota no oceano.
Tirar os bens (como a casa própria) de quem não paga empréstimo ajuda a reduzir juros, mas depende de lei dura e clara, além de convencer os juízes a cumpri-la.
Baixar o compulsório seria a medida de impacto mais imediato e claro (e de interesse dos bancos e dos ministros econômicos mais políticos de Lula). Mas não será adotada, não faz sentido e é palavra maldita para um BC que ainda contém a expansão do crédito e da economia com juros reais altíssimos.


vinit@uol.com.br

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