São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A volta do pêndulo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Tenho uma amiga de longa data, mineira de BH, que é hoje uma profissional competente na atividade de conhecer e entender o que o povo pensa da vida. Em períodos normais a ação de sua empresa -Síntese- está dirigida, em maior intensidade, para questões ligadas à mensuração e avaliação de hábitos de consumo. Mas em épocas de eleições ela mergulha de cabeça no trabalho de avaliação do cenário político e das intenções de voto do eleitor.
Ela faz isso não só respondendo às demandas efetivas do mercado mas também porque a política é uma de suas paixões. Sua geração viveu intensamente o período de chumbo da ditadura, agora resgatada do esquecimento popular pelo "Lula Light" de Duda Mendonça. Nos anos em que estive engajado no governo FHC, Cássia Paixão representou para mim uma âncora importante, para evitar que eu perdesse o cidadão como referência da minha ação e do governo do qual eu participava. A história havia me ensinado que essa é uma das maiores armadilhas que cercam as pessoas que se engajam na atividade pública. Principalmente em momentos de efêmero sucesso!
Quando a campanha eleitoral que estamos vivendo começou a esquentar, apelei mais uma vez para Cássia. Queria entender e acompanhar como o povo estava vendo e sentindo esse processo. Muitas das reportagens do site Primeiraleitura e algumas de minhas colunas semanais aqui na Folha refletiram suas avaliações. Foi ela quem primeiro me alertou para a avaliação negativa que a maioria da população estava tendo do governo em razão de problemas objetivos, enfrentados no dia-a-dia. A estagnação da renda, as dificuldades crescentes no mercado de trabalho, o apagão e o aumento brutal das tarifas públicas estavam lentamente moldando a posição oposicionista da maioria da sociedade brasileira.
Posteriormente, foi ela também que me alertou para as dificuldades que Fernando Henrique encontraria para fazer seu sucessor e a avenida que estava começando a abrir-se para o PT e seu eterno candidato. Como o saudoso Mário Covas -um dos poucos políticos que conheço que mesmo depois de um longo período no poder não perdeu sua sensibilidade de entender o povo-, ela também me falava do cansaço da sociedade com a racionalidade de nosso presidente e de seu modelo econômico que não respondia mais às demandas e aos sonhos dos brasileiros.
As pesquisas qualitativas realizadas pela Síntese recentemente comprovam e reafirmam essas previsões feitas há algum tempo. O desgaste do governo FHC, apesar da admiração que a maioria dos brasileiros ainda tem pelo presidente, é ainda mais evidente, e o cansaço, mais explícito.
Cansaço com o discurso oficial sobre as vantagens do mundo globalizado e que estão cada vez mais distantes do dia-a-dia do cidadão comum; cansaço com as palavras do ministro da Fazenda ressaltando nossos bons fundamentos macroeconômicos e a avaliação negativa verbalizada pelos mercados e autoridades internacionais sobre a nossa economia; cansaço com os discursos favoráveis do FMI e de suas amarras sobre nossa política econômica; cansaço com a falta de respeito de altos funcionários, como o presidente da Petrobras, que não tem nenhuma emoção ao dizer que prefere ficar do lado dos 400 mil acionistas da empresa em detrimento dos milhões de consumidores do gás de cozinha, um produto essencial na cesta de consumo do brasileiro; cansaço da covardia do Copom na administração dos juros e sua eterna promessa de taxas mais baixos no futuro.
Frustrada em seu sonho de dias melhores, que o sucesso do Plano Real nos primeiros anos de FHC parecia prometer, a maioria dos brasileiros parece decidida a dar uma chance ao PT e a Lula. Os antigos receios e medos que o ex-líder metalúrgico sempre provocou no eleitor estão hoje menores. A opinião pública reconhece um processo de amadurecimento do partido, convertido de um socialismo radical à defesa da economia de mercado, e de seu símbolo maior -Lula-, apresentado sob um novo figurino, criado por Duda Mendonça. Essa nova postura do eleitor fica clara com os baixos índices de rejeição do candidato. Lula deixou de lado o discurso de lutas de classe e do conflito entre ricos e pobres e apresenta-se como o candidato de todos os brasileiros.
Aos militares, faz juras de amor e de respeito por seu espírito nacionalista e promete tudo, até a bomba atômica. Aos usineiros de açúcar, promete créditos e a volta dos dias de glória do álcool. Aos trabalhadores sem terra, promete a reforma agrária redentora. Aos brasileiros que ganham o salário mínimo, promete a sua multiplicação por dois em seu governo. Acena com a volta do crescimento econômico e do emprego.
E, para fechar essa agenda de promessas, assume o compromisso de respeitar o atual acordo com o FMI, que obrigará seu governo a realizar um superávit fiscal de 3,75% do PIB, nos próximos anos. Por mais impossível que possa parecer essa agenda, e o eleitor tem consciência disso, a maioria da sociedade está decidida a dar a vez para o PT e Lula. Talvez até no primeiro turno!
A história pode estar armando uma grande arapuca para o PT e seu candidato a presidente. Ele pode tomar posse em um período de grande crise econômica e financeira no mundo, o que tornará a administração de nossa economia muito difícil. Se em seguida da vitória nas urnas o PT e seus seguidores entrarem em euforia pela chegada ao poder e perderem a capacidade de entender as limitações que vão existir para um governo de esquerda, sem a confiança dos chamados mercados, em 2003 poderemos viver dias muito difíceis.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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