São Paulo, terça-feira, 20 de setembro de 2005

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SAFRA

Real valorizado eleva custos internos de logística e retira competitividade da produção brasileira nas regiões de fronteira

Argentina "rouba" área de soja do Brasil

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

O Brasil inicia o plantio de uma safra de soja que deve ser a de maior incerteza nos últimos cinco anos. A demanda externa pelo produto é crescente, os preços internacionais estão dentro da média histórica, mas a taxa de câmbio retirou completamente a competitividade da produção brasileira nas áreas de novas fronteiras.
Nas condições atuais do câmbio, um produtor de Sorriso (MT), o maior município produtor de soja do país, tem de produzir 61 sacas por hectare para pagar apenas os custos de produção. A produtividade da região, quando o clima é bastante favorável, é de 50 sacas por hectare.
Com isso, os brasileiros pisaram no freio e vão semear apenas 22 milhões de hectares, 1,3 milhão a menos do que os 23,3 milhões do ano passado.
Esse espaço "perdido" pelo Brasil será "ocupado" pela Argentina, cuja plantação de soja subirá para 15,5 milhões de hectares nesta safra.
"A taxa de câmbio quebrou a espinha dorsal dos produtores das novas fronteiras", segundo Fernando Muraro, diretor da Agência Rural, de Curitiba.
Segundo ele, a soja tem como referência os preços internacionais em dólares, mas os custos de logística são em reais. A valorização do real afeta "o coração da formação dos preços da soja".
Com o real valorizado, os produtores recebem menos na hora de vender. Mas o pior passa a ser o custo de logística (transporte, taxas de portos etc.), "que explode" em dólares, afirma Muraro. Ou seja, devido à desvalorização da moeda norte-americana internamente, os brasileiros recebem menos reais ao exportar a soja, mas pagam mais dólares pelos custos internos de logística, que são em reais. Nesse saldo, há um forte desbalanço.
O custo médio de transporte de uma tonelada de soja de Sorriso a Paranaguá (PR) é de R$ 200. Se o dólar se mantiver a R$ 2,30 na safra, em março e abril do próximo ano as despesas com o transporte serão de US$ 86,96, bem acima dos US$ 60 da média dos últimos cinco anos.
Ou seja, só para transportar e colocar a soja de Sorriso nos navios no porto paranaense, os custos serão de US$ 4,50 a US$ 5 por saca na próxima safra, US$ 1,50 acima da média dos últimos cinco anos.

Prejuízo à vista
O câmbio valorizado também pesa no bolso dos paranaenses, mas com intensidade bem menor do que para os mato-grossenses. Mais próximos do porto, os produtores de Cascavel (PR) deverão ter custo US$ 0,65 maior por saca, devido ao câmbio.
Essa elevação dos custos de logística é repassada pelas tradings e vai sair do bolso dos produtores, que passam a receber menos pela saca do produto.
Em um cenário pessimista, em que o dólar se mantenha em R$ 2,30 e os preços da soja em US$ 6 por bushel (27,2 quilos) em Chicago, a renda líquida por saca para os produtores de Sorriso será de US$ 7,79, ou seja, US$ 129,80 por tonelada.
O produtor que obtiver menos de 61 sacas por hectare não cobrirá os custos de produção, já que este é de US$ 478,30 por hectare. Quem produzir dentro da média de 50 sacas por hectare terá prejuízo de 15% a 20% em relação ao que foi investido na produção.
Já se o dólar voltar a R$ 3 no período de safra no próximo ano, a renda líquida do produtor será de US$ 9,01 por saca. Nesse caso, com apenas 40,7 sacas colhidas por hectare, o produtor conseguirá recuperar os investimentos feitos com o plantio. O que produzir a mais é lucro.
"A situação fica ainda mais dramática para os produtores arrendatários de terras", diz Muraro. "Eles repassam, em média, seis sacas por hectare para os donos da terra."

Lucro para argentinos
Aí entram os argentinos. Com custo de logística menor do que o dos brasileiros, devido à proximidade das áreas de produção dos portos, e com uma taxa de câmbio atual em 2,90 pesos por dólar, os argentinos deverão ter boa lucratividade com a soja, o que está incentivando o plantio por lá.
O problema dos brasileiros é que, mesmo reduzindo a área e a oferta do produto, não há garantia de melhores preços, já que os argentinos vão cobrir a fatia do mercado deixada pelo Brasil.
A Argentina faz com o Brasil o que os brasileiros fizeram com os norte-americanos nos últimos anos, quando os Estados Unidos ficaram por cinco anos tendo redução de safra.
Nesse período, o Brasil saiu dos 13 milhões de hectares para 23,3 milhões destinados à soja. Os argentinos, que plantavam 8 milhões de hectares no início desta década, já plantam 15,5 milhões.
Para o analista José Pitoli, o Brasil favorece o avanço da soja na Argentina. Tradicional importador de milho da Argentina, os brasileiros elevaram a produção interna e reduziram as compras argentinas. Essa importação brasileira menor favorece a troca de área de milho por soja no país vizinho, já que eles não têm mais um comprador cativo, diz Pitoli.
Anderson Galvão, analista de soja da Céleres, de Uberlândia (MG), diz que a situação realmente é crítica para os produtores de algumas áreas. Mas, na sua avaliação, esses produtores devem continuar plantando soja, até mesmo para poder rolar as dívidas.


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