|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SAFRA
Real valorizado eleva custos internos de logística e retira competitividade da produção brasileira nas regiões de fronteira
Argentina "rouba" área de soja do Brasil
MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO
O Brasil inicia o plantio de uma
safra de soja que deve ser a de
maior incerteza nos últimos cinco
anos. A demanda externa pelo
produto é crescente, os preços internacionais estão dentro da média histórica, mas a taxa de câmbio retirou completamente a
competitividade da produção
brasileira nas áreas de novas fronteiras.
Nas condições atuais do câmbio, um produtor de Sorriso
(MT), o maior município produtor de soja do país, tem de produzir 61 sacas por hectare para pagar
apenas os custos de produção. A
produtividade da região, quando
o clima é bastante favorável, é de
50 sacas por hectare.
Com isso, os brasileiros pisaram
no freio e vão semear apenas 22
milhões de hectares, 1,3 milhão a
menos do que os 23,3 milhões do
ano passado.
Esse espaço "perdido" pelo Brasil será "ocupado" pela Argentina,
cuja plantação de soja subirá para
15,5 milhões de hectares nesta safra.
"A taxa de câmbio quebrou a espinha dorsal dos produtores das
novas fronteiras", segundo Fernando Muraro, diretor da Agência Rural, de Curitiba.
Segundo ele, a soja tem como
referência os preços internacionais em dólares, mas os custos de
logística são em reais. A valorização do real afeta "o coração da
formação dos preços da soja".
Com o real valorizado, os produtores recebem menos na hora
de vender. Mas o pior passa a ser o
custo de logística (transporte, taxas de portos etc.), "que explode"
em dólares, afirma Muraro. Ou
seja, devido à desvalorização da
moeda norte-americana internamente, os brasileiros recebem
menos reais ao exportar a soja,
mas pagam mais dólares pelos
custos internos de logística, que
são em reais. Nesse saldo, há um
forte desbalanço.
O custo médio de transporte de
uma tonelada de soja de Sorriso a
Paranaguá (PR) é de R$ 200. Se o
dólar se mantiver a R$ 2,30 na safra, em março e abril do próximo
ano as despesas com o transporte
serão de US$ 86,96, bem acima
dos US$ 60 da média dos últimos
cinco anos.
Ou seja, só para transportar e
colocar a soja de Sorriso nos navios no porto paranaense, os custos serão de US$ 4,50 a US$ 5 por
saca na próxima safra, US$ 1,50
acima da média dos últimos cinco
anos.
Prejuízo à vista
O câmbio valorizado também
pesa no bolso dos paranaenses,
mas com intensidade bem menor
do que para os mato-grossenses.
Mais próximos do porto, os produtores de Cascavel (PR) deverão
ter custo US$ 0,65 maior por saca,
devido ao câmbio.
Essa elevação dos custos de logística é repassada pelas tradings
e vai sair do bolso dos produtores,
que passam a receber menos pela
saca do produto.
Em um cenário pessimista, em
que o dólar se mantenha em R$
2,30 e os preços da soja em US$ 6
por bushel (27,2 quilos) em Chicago, a renda líquida por saca para os produtores de Sorriso será
de US$ 7,79, ou seja, US$ 129,80
por tonelada.
O produtor que obtiver menos
de 61 sacas por hectare não cobrirá os custos de produção, já que
este é de US$ 478,30 por hectare.
Quem produzir dentro da média
de 50 sacas por hectare terá prejuízo de 15% a 20% em relação ao
que foi investido na produção.
Já se o dólar voltar a R$ 3 no período de safra no próximo ano, a
renda líquida do produtor será de
US$ 9,01 por saca. Nesse caso,
com apenas 40,7 sacas colhidas
por hectare, o produtor conseguirá recuperar os investimentos feitos com o plantio. O que produzir
a mais é lucro.
"A situação fica ainda mais dramática para os produtores arrendatários de terras", diz Muraro.
"Eles repassam, em média, seis
sacas por hectare para os donos
da terra."
Lucro para argentinos
Aí entram os argentinos. Com
custo de logística menor do que o
dos brasileiros, devido à proximidade das áreas de produção dos
portos, e com uma taxa de câmbio
atual em 2,90 pesos por dólar, os
argentinos deverão ter boa lucratividade com a soja, o que está incentivando o plantio por lá.
O problema dos brasileiros é
que, mesmo reduzindo a área e a
oferta do produto, não há garantia de melhores preços, já que os
argentinos vão cobrir a fatia do
mercado deixada pelo Brasil.
A Argentina faz com o Brasil o
que os brasileiros fizeram com os
norte-americanos nos últimos
anos, quando os Estados Unidos
ficaram por cinco anos tendo redução de safra.
Nesse período, o Brasil saiu dos
13 milhões de hectares para 23,3
milhões destinados à soja. Os argentinos, que plantavam 8 milhões de hectares no início desta
década, já plantam 15,5 milhões.
Para o analista José Pitoli, o Brasil favorece o avanço da soja na
Argentina. Tradicional importador de milho da Argentina, os
brasileiros elevaram a produção
interna e reduziram as compras
argentinas. Essa importação brasileira menor favorece a troca de
área de milho por soja no país vizinho, já que eles não têm mais
um comprador cativo, diz Pitoli.
Anderson Galvão, analista de
soja da Céleres, de Uberlândia
(MG), diz que a situação realmente é crítica para os produtores de
algumas áreas. Mas, na sua avaliação, esses produtores devem continuar plantando soja, até mesmo
para poder rolar as dívidas.
Texto Anterior: Paralisação 2: Funcionários do Banco Central fazem greve
Próximo Texto: Frase Índice
|