São Paulo, quinta-feira, 20 de setembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

O que é um miserável?


Pnad abre rodada de medição de pobreza. Há progressos, mas renda para definir o que é um pobre é baixa demais


"A POBREZA caiu". "Recorde". "Resultados não eram tão bons faz 20, 30 anos". A divulgação da Pnad, o balanço socioeconômico do país realizado anualmente pelo IBGE, suscita quase de imediato uma série de pesquisas refinadas sobre taxas de miséria ou pobreza. A metralha estatística tornou-se mais cerrada e por vezes eufórica depois dos progressos reais, embora modestos, dos últimos 4 ou 12 anos: a escolha do período depende do gosto político do freguês (mais tucano ou petista, "neoliberal" ou "desenvolvimentista"). Pelos números que estão no forno ou já em público, a taxa de miséria teria caído entre 10% e 15% de 2005 para 2006. Sim, deve ter caído o nível de miséria. Mas caiu para onde?
Nas pesquisas de economistas, estatísticos e cientistas sociais, e os estudos brasileiros são reconhecidos como de muito bom nível técnico, pobreza e indigência freqüentemente são definidas por linhas de corte de renda. Se o rendimento do infeliz está abaixo de "x" ou "y" reais por mês, o cidadão aparece na estatística como pobre ou miserável.
Alguns pesquisadores definem tal limiar por meio da quantidade mínima de renda que satisfaz necessidades alimentares de um indivíduo, sua "ração básica". A renda domiciliar per capita para definir um pobre na metrópole paulista seria aquela inferior a R$ 250 por mês (a renda total de um domicílio dividida pelo número de moradores). A do miserável seria inferior a R$ 125 mensais. Trata-se de medidas de pobreza absoluta; tais dados são aproximações do têm sido utilizados por agora. Uns preferem medidas de pobreza absoluta: a renda dos que estão abaixo da média nacional. No Brasil de 2006, a renda de 70% a 80% das pessoas não passava dessa média. Os limiares de pobreza são algo arbitrários. Não há o que fazer além de debater méritos e ênfases dos estudos elaborados segundo as diversas orientações técnicas e ideológicas.
Mas o que se passa se medirmos a desgraça social com indicadores do Dieese, para ficar num exemplo só? O Dieese calcula o preço da cesta básica em várias cidades, baseado na em um decreto de 1938, do tempo de Getúlio Vargas, sobre a "ração mínima" para um indivíduo. Também calcula o salário mínimo necessário para uma família de dois adultos e duas crianças dar conta de comida, escola, roupa, transporte etc. Em setembro de 2006, quando foram coletados os dados da Pnad divulgada agora, o salário mínimo necessário do Dieese era de R$ 1.492.
Na ocasião, o rendimento médio dos domicílios era de R$ 1.687; mais de 70% deles estavam abaixo dessa média. Em setembro, a cesta do Dieese custava R$ 130 em Recife. Uma estimativa da renda domiciliar per capita dos recifenses dá conta de que 50% vivia com menos de R$ 140.
Ainda não há medidas mais completas e combinadas do bem estar social de famílias e indivíduos. Renda apenas não diz o bastante. É difícil, mas seria preciso combinar medidas de renda, acesso a escola e saúde. Descontar o peso de impostos antipobre etc. Checar o investimento ou incentivo estatal pró-pobre (não só em assistência, mas em criação de emprego). E moderar comemorações num país em que a metade mais pobre das famílias se vira com uns R$ 500 por mês, em média.

vinit@uol.com.br


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