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"Wall Street não afundou", afirma Soros
Avaliação é do megainvestidor, que culpa o Fed, o BC dos EUA, e o Tesouro americano pelas turbulências no mercado
Para ele, crise financeira surgiu da formação de uma superbolha que mergulha os Estados Unidos e a Europa numa recessão
CLAIRE GATINOIS
ANNE MICHEL
DO "MONDE"
George Soros, 77, multimiliardário e guru norte-americano dos mercados financeiros,
faz sua análise da crise. O megainvestidor critica os "fundamentalistas do mercado", mas
também o Federal Reserve, o
BC dos EUA, e o Tesouro norte-americano, dizendo que são
responsáveis pela formação de
uma "superbolha" que está
mergulhando os Estados Unidos e a Europa numa recessão.
PERGUNTA - Wall Street está afundando. Estamos assistindo à queda
do império norte-americano?
GEORGE SOROS - Wall Street não
está afundando, está em crise.
Os efeitos dessa crise vão depender de sua duração. A situação não é fatal: estamos à beira
do abismo, mas ainda não caímos nele. O mercado continua
a funcionar. Mas nos últimos
dias surgiu um fato novo, sim:
existe a possibilidade de o sistema explodir. O que está acontecendo é inacreditável. É a conseqüência do que eu chamo de
"fundamentalismo do mercado", essa ideologia do "laissez-faire" e da auto-regulamentação dos mercados. A crise não
se deve a fatores externos, ela
não é conseqüência de uma catástrofe natural. É o sistema
que provocou seu próprio colapso. Ele implodiu.
PERGUNTA - A política tem sua parte de responsabilidade nisso? O que
é feito dos reguladores?
SOROS - Alan Greenspan (ex-presidente do Fed) é responsável, porque ele deixou os juros
baixos demais, por tempo demais, porque permitiu que a
inovação financeira prosseguisse sem freios, considerando que havia mais a ganhar que
a perder com isso. As autoridades de controle são igualmente
responsáveis, por terem permitido liberdade demais aos atores dos mercados e permitido
que se desenvolvesse um mercado de crédito monstruosamente estendido. Vejam o mercado dos derivativos de crédito.
Ele é contabilizado em trilhões
de dólares. O resultado dessa
política é uma crise financeira
que mergulha vítimas inocentes no sofrimento.
PERGUNTA - O que sr. acha das intervenções da administração americana? Elas serão eficazes?
SOROS - Henry Paulson [o secretário do Tesouro dos Estados Unidos] reluta em usar dinheiro público. Num primeiro
momento ele se negou a assinar
um cheque em branco para salvar Freddie Mac e Fannie Mae,
antes de ser obrigado a fazê-lo
meses depois. Testemunhamos
as mesmas hesitações com relação ao Lehman Brothers, que
as autoridades acabaram por
abandonar, e à AIG, que foi salva em razão do risco sistêmico
que representava. Era preciso
fazê-lo, senão a situação teria
se tornado incontrolável. Mas
essas ações foram lentas e contraproducentes. Enquanto se
hesita, a situação se deteriora.
E essas intervenções são curativas, não preventivas.
PERGUNTA - A crise de 1929 está
sendo uma referência.
SOROS - A grande diferença entre hoje e a crise de 1929 é a atitude das autoridades. Elas
compreenderam que é preciso
sustentar o sistema, mesmo
que isso seja complicado e custe caro, e mesmo que não seja
parte de sua cultura promover
intervenções do Estado.
PERGUNTA - Quais são as conseqüências para a Europa?
SOROS - A origem dos problemas está nos Estados Unidos,
mas o problema envolve a Europa. Para ela, o futuro vai depender de como as autoridades
vão gerir a crise. Devido à queda nos preços das matérias-primas, vamos ingressar num período de deflação. Acho que seria oportuno reduzir os juros.
PERGUNTA - E a economia real?
SOROS - Essa crise vai se transmitir à economia real. Os Estados Unidos já se encontram em
recessão, sem dúvida, e isso vai
se acelerar nos próximos dois
trimestres. Os bancos já restringiram seus créditos. E a
opinião pública americana ficou chocada com o que aconteceu nesta semana. Os consumidores vão deixar de se endividar. Vão consumir menos.
PERGUNTA - Os países emergentes,
como a China, vão sofrer?
SOROS - Em vista do desaquecimento da economia mundial,
as exportações chinesas vão diminuir. As autoridades têm
meios de agir para estimular a
economia, graças a suas reservas de divisas, mas será que o
farão corretamente? A China é
um Estado burocrático, e a crise econômica poderia degenerar em crise política, a exemplo
da Indonésia em 1998. A crise
do capitalismo americano poderia fazer o comunismo chinês tomar uma atitude.
PERGUNTA - Como sair do caos?
SOROS - Todo o sistema financeiro americano precisa ser repensado. Os bancos de investimentos devem se apoiar nos
bancos de depósitos. Será preciso criar regulamentos novos.
A missão das autoridades é impedir a formação de bolhas.
Elas têm os instrumentos para
isso e precisam utilizá-los. O
crédito precisa ser regulado da
mesma maneira que o mercado
monetário. É preciso exigir que
os bancos tenham mais recursos próprios. Também é preciso impedir que os preços do setor imobiliário afundem e limitar a retomada de casas.
PERGUNTA - Entre Barack Obama e
John McCain, qual lhe parece que
tem condições melhores de promover uma reforma?
SOROS - Acho que Obama compreende melhor a situação.
PERGUNTA - O sr. perdeu dinheiro?
SOROS - Não perdi dinheiro,
mas tampouco ganhei. Mas não
vou lhe revelar meus segredos.
PERGUNTA - O sr. é o "pai" dos fundos de hedge, cujos excessos estão
no cerne da crise. Tem remorsos?
SOROS - Não sou o pai dos fundos de hedge, mas um deles. Se
pudesse voltar atrás, o que faria? Eu especularia melhor.
Tradução de CLARA ALLAIN
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