São Paulo, sábado, 20 de setembro de 2008

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"Wall Street não afundou", afirma Soros

Avaliação é do megainvestidor, que culpa o Fed, o BC dos EUA, e o Tesouro americano pelas turbulências no mercado

Para ele, crise financeira surgiu da formação de uma superbolha que mergulha os Estados Unidos e a Europa numa recessão

CLAIRE GATINOIS
ANNE MICHEL
DO "MONDE"

George Soros, 77, multimiliardário e guru norte-americano dos mercados financeiros, faz sua análise da crise. O megainvestidor critica os "fundamentalistas do mercado", mas também o Federal Reserve, o BC dos EUA, e o Tesouro norte-americano, dizendo que são responsáveis pela formação de uma "superbolha" que está mergulhando os Estados Unidos e a Europa numa recessão.

 

PERGUNTA - Wall Street está afundando. Estamos assistindo à queda do império norte-americano?
GEORGE SOROS
- Wall Street não está afundando, está em crise. Os efeitos dessa crise vão depender de sua duração. A situação não é fatal: estamos à beira do abismo, mas ainda não caímos nele. O mercado continua a funcionar. Mas nos últimos dias surgiu um fato novo, sim: existe a possibilidade de o sistema explodir. O que está acontecendo é inacreditável. É a conseqüência do que eu chamo de "fundamentalismo do mercado", essa ideologia do "laissez-faire" e da auto-regulamentação dos mercados. A crise não se deve a fatores externos, ela não é conseqüência de uma catástrofe natural. É o sistema que provocou seu próprio colapso. Ele implodiu.

PERGUNTA - A política tem sua parte de responsabilidade nisso? O que é feito dos reguladores?
SOROS
- Alan Greenspan (ex-presidente do Fed) é responsável, porque ele deixou os juros baixos demais, por tempo demais, porque permitiu que a inovação financeira prosseguisse sem freios, considerando que havia mais a ganhar que a perder com isso. As autoridades de controle são igualmente responsáveis, por terem permitido liberdade demais aos atores dos mercados e permitido que se desenvolvesse um mercado de crédito monstruosamente estendido. Vejam o mercado dos derivativos de crédito. Ele é contabilizado em trilhões de dólares. O resultado dessa política é uma crise financeira que mergulha vítimas inocentes no sofrimento.

PERGUNTA - O que sr. acha das intervenções da administração americana? Elas serão eficazes?
SOROS
- Henry Paulson [o secretário do Tesouro dos Estados Unidos] reluta em usar dinheiro público. Num primeiro momento ele se negou a assinar um cheque em branco para salvar Freddie Mac e Fannie Mae, antes de ser obrigado a fazê-lo meses depois. Testemunhamos as mesmas hesitações com relação ao Lehman Brothers, que as autoridades acabaram por abandonar, e à AIG, que foi salva em razão do risco sistêmico que representava. Era preciso fazê-lo, senão a situação teria se tornado incontrolável. Mas essas ações foram lentas e contraproducentes. Enquanto se hesita, a situação se deteriora. E essas intervenções são curativas, não preventivas.

PERGUNTA - A crise de 1929 está sendo uma referência.
SOROS
- A grande diferença entre hoje e a crise de 1929 é a atitude das autoridades. Elas compreenderam que é preciso sustentar o sistema, mesmo que isso seja complicado e custe caro, e mesmo que não seja parte de sua cultura promover intervenções do Estado.

PERGUNTA - Quais são as conseqüências para a Europa?
SOROS
- A origem dos problemas está nos Estados Unidos, mas o problema envolve a Europa. Para ela, o futuro vai depender de como as autoridades vão gerir a crise. Devido à queda nos preços das matérias-primas, vamos ingressar num período de deflação. Acho que seria oportuno reduzir os juros.

PERGUNTA - E a economia real?
SOROS
- Essa crise vai se transmitir à economia real. Os Estados Unidos já se encontram em recessão, sem dúvida, e isso vai se acelerar nos próximos dois trimestres. Os bancos já restringiram seus créditos. E a opinião pública americana ficou chocada com o que aconteceu nesta semana. Os consumidores vão deixar de se endividar. Vão consumir menos.

PERGUNTA - Os países emergentes, como a China, vão sofrer?
SOROS
- Em vista do desaquecimento da economia mundial, as exportações chinesas vão diminuir. As autoridades têm meios de agir para estimular a economia, graças a suas reservas de divisas, mas será que o farão corretamente? A China é um Estado burocrático, e a crise econômica poderia degenerar em crise política, a exemplo da Indonésia em 1998. A crise do capitalismo americano poderia fazer o comunismo chinês tomar uma atitude.

PERGUNTA - Como sair do caos?
SOROS
- Todo o sistema financeiro americano precisa ser repensado. Os bancos de investimentos devem se apoiar nos bancos de depósitos. Será preciso criar regulamentos novos. A missão das autoridades é impedir a formação de bolhas. Elas têm os instrumentos para isso e precisam utilizá-los. O crédito precisa ser regulado da mesma maneira que o mercado monetário. É preciso exigir que os bancos tenham mais recursos próprios. Também é preciso impedir que os preços do setor imobiliário afundem e limitar a retomada de casas.

PERGUNTA - Entre Barack Obama e John McCain, qual lhe parece que tem condições melhores de promover uma reforma?
SOROS
- Acho que Obama compreende melhor a situação.

PERGUNTA - O sr. perdeu dinheiro?
SOROS
- Não perdi dinheiro, mas tampouco ganhei. Mas não vou lhe revelar meus segredos.

PERGUNTA - O sr. é o "pai" dos fundos de hedge, cujos excessos estão no cerne da crise. Tem remorsos?
SOROS
- Não sou o pai dos fundos de hedge, mas um deles. Se pudesse voltar atrás, o que faria? Eu especularia melhor.

Tradução de CLARA ALLAIN



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