São Paulo, domingo, 20 de setembro de 2009

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ANÁLISE

Saída coordenada não é necessária

JIM O'NEILL
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

Os chefes de Estado que se preparam para a conferência de cúpula do G20 (Grupo dos 20 maiores países), nesta semana, têm enfatizado a necessidade de uma estratégia "de saída" coordenada para suas políticas monetárias e fiscais expansivas. Mas não está claro se isso será tão fácil ou tão importante quanto a admirável cooperação que exibiram após a quebra do Lehman Brothers.
Quando todos estão sofrendo do que parece ser o mesmo choque, o desejo de implementar uma resposta coordenada é forte e, por causa disso, a capacidade de ação nesse sentido se amplia. Quando todos estão se recuperando, o desejo de agir de forma coordenada se reduz, e como resultado a colaboração se torna mais difícil. Isso é provavelmente uma vantagem, já que alguns países podem precisar de uma estratégia de saída antes que os outros.
Até o colapso do Lehman Brothers, embora alguns países registrassem certo enfraquecimento em seus desempenhos econômicos, recessões pareciam longe de inevitáveis. As economias endividadas, que iam dos Estados Unidos à Rússia, passando pelo Reino Unido, pareciam se encaminhar para uma recessão cuja severidade, no entanto, era discutível.
Outras economias menos sujeitas a bolhas só entraram em recessão depois da quebra do Lehman Brothers e da paralisação do sistema mundial de comércio. Alguns dos países em questão ainda não cumprem os critérios tradicionais de uma recessão: dois trimestres consecutivos de queda no PIB (Produto Interno Bruto). A Austrália é um deles; a Polônia, outro. À medida que a crise se atenua, será que países como esses realmente precisam de medidas de apoio fiscal e monetário semelhantes às adotadas em outras nações?

Mais austeridade
Há dois outros aspectos importantes. Ao que parece, os líderes do G20 encorajarão suas autoridades a adotarem requerimentos de capital mais severos para os bancos, especialmente nos bons momentos, para que eles estejam mais preparados para maus momentos.
Mas nem todos os sistemas bancários dos países do G20 se comportaram da mesma maneira antes da crise. A adoção de normas de capitalização ajustadas ao ciclo econômico não será um desafio para todos.
Austrália, China, Brasil, Índia e talvez Espanha, a despeito do colapso de seu setor imobiliário, são apenas cinco exemplos. Seria não só compreensível como justificável que alguns bancos centrais considerassem os novos requerimentos de capitalização um desafio econômico desnecessário. A política monetária não deveria ser restringida por esse desafio no caso dos países que já têm uma estrutura regulatória melhor.
Além disso, já que muitos desses países se beneficiaram de políticas de estímulo adotadas pelas economias maiores, seria razoável perguntar se não deveriam adotar estratégias de saída mais cedo que os outros. A Austrália parece ter apresentado seu veredicto, e a expectativa é que o país aperte a política monetária ainda em 2009.

Bolhas financeiras
A cada dia as autoridades econômicas nos dizem que, de alguma maneira, prevenirão bolhas financeiras. Os políticos que afirmam isso muitas vezes culpam o setor privado pela crise que estamos vivendo. Mas é difícil manter o "vigor animal" de Keynes sob controle.
Caso as autoridades desejem prevenir bolhas, o uso de metas de inflação e produção para a fixação de taxas de juros precisará ser suplementado por algo mais, talvez índices de condições financeiras, em abordagem semelhante à adotada pelo Banco Central Europeu.
Para alguns países, nos quais o sistema financeiro continua intacto, isso sugere que a estratégia de saída deveria ser implementada mais cedo. Por outro lado, nos países cujos sistemas financeiros colapsaram, especialmente em que resgates foram bancados por dinheiro público, a recuperação parece imprevisível. Nesses casos, estratégias de saída antecipadas fazem pouco sentido.
A política fiscal oferece um terceiro argumento para que saídas coordenadas sejam desnecessárias. O acúmulo de desequilíbrios mundiais, embora não seja a causa da crise, talvez a tenha tornado inevitável. A crise forçou uma resposta política, que inclui medidas de estímulo ao crescimento nos países com índices elevados de poupança, de uma maneira que dificilmente teria ocorrido sob diferentes circunstâncias. A China é o exemplo mais claro, mas a Alemanha também agiu. O recém-eleito governo japonês parece igualmente ciente desse novo ambiente. Nenhum desses países, com poupanças internas altas e muitos anos de superavit em conta-corrente, deveria pensar em estratégias de saída semelhantes àquela necessária em outros casos.
Os líderes do G20 demonstraram grande sabedoria nos últimos 12 meses. A criação do G20 já representa um fantástico desdobramento. Mas seria melhor não exigirmos que todos os membros façam a mesma coisa ao mesmo tempo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


JIM O'NEILL é economista-chefe do Goldman Sachs e criador do termo "Bric"


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