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Fisco vê indícios de sonegação de ICMS em restaurantes
Notas emitidas em SP lançam os 10% dos garçons como "troco'; prática visa evitar o imposto sobre os serviços, diz a Fazenda
Estado quer cobrar com base no que diz a lei; associação de restaurantes alega que 10% é remuneração variável e não deve ser tributada
CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL
A Secretaria da Fazenda paulista vai fechar o cerco aos restaurantes que não pagam ICMS
(Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços) sobre
os 10% dos serviços que devem
ser repassados aos garçons.
Para o fisco, o ICMS incide
sobre o valor da conta mais o
serviço. O restaurante que não
contabiliza como receita os
10% do serviço dos garçons sonega imposto e será autuado. O
piso salarial de um garçom em
São Paulo é de R$ 735, mas,
com o serviço, ele recebe quase
um salário a mais por mês.
A decisão da Fazenda paulista de intensificar a fiscalização
em bares e restaurantes surgiu
após ter acesso a notas fiscais
que discriminam como "troco"
o valor referente aos 10% dos
garçons. Essa prática seria adotada, na avaliação do fisco, para
escapar do pagamento do imposto sobre os serviços.
Para cobrar o imposto sobre
os 10% da conta paga nos bares
e restaurantes, a Fazenda paulista se baseia, principalmente,
no artigo 2º da lei do ICMS, que
diz que o imposto incide sobre
o "fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabelecimento, incluídos os serviços
que lhes sejam inerentes".
Dezenas de restaurantes da
Grande São Paulo utilizam a
prática do "troco" para excluir
da receita os 10% dos garçons.
Nas notas fiscais a que a Folha
teve acesso, o "troco" é discriminado mesmo quando a conta
é paga com cartão.
"Troco é troco. Gorjeta é gorjeta. Chamar gorjeta de troco é
um artifício que denota má-fé e
intenção de fraudar", diz Antônio Carlos de Moura Campos,
diretor-adjunto da Diretoria
Executiva da Administração
Tributária da Fazenda paulista.
"O Código de Defesa do Consumidor também menciona,
em seu artigo 6º, que o serviço
deve ser corretamente especificado na nota", diz Campos.
Fúria arrecadatória
Para os restaurantes, cobrar
ICMS do dinheiro que seria dos
garçons revela a "fúria arrecadatória do fisco paulista".
Carlos Augusto Pinto Dias,
advogado da ANR (Associação
Nacional dos Restaurantes),
diz que os 10% dos serviços dos
garçons fazem parte de remuneração variável dos empregados e não devem ser tributados.
"É por essa razão que os 10%
são lançados na nota fiscal como "troco". Esse dinheiro vai
para o bolso do garçom. O restaurante não tem controle sobre esse valor, que não é cobrado de forma compulsória."
Na avaliação da ANR, que representa 80 redes de restaurantes no país, a legislação do
ICMS, ao citar que a cobrança
do imposto deve ser feita sobre
os serviços prestados, se refere
aos serviços do estabelecimento, como "delivery" e bufê, e
não sobre o serviço do garçom.
"A lei fala de serviços de forma genérica, e não do serviço
do garçom", afirma Roberto
Bielawski, diretor da ANR.
Percival Maricato, advogado
da Abrasel (Associação Brasileira dos Bares e Restaurantes),
que reúne 6.000 sócios no país,
diz que o máximo que poderia
ser discutido é a incidência de
ISS (Imposto Sobre Serviços)
sobre o serviço do garçom.
"Não há sonegação de ICMS
ao excluir o dinheiro do garçom
da nota fiscal emitida pelos restaurantes. O que existe, sim, é
uma disposição dos governos,
principalmente do paulista, de
elevar a arrecadação", afirma.
A Abrasel defende que os
10% dos serviços sejam distribuídos aos garçons da mesma
forma que a PLR [Participação
nos Lucros e Resultados], só
que duas vezes por mês. "Nem
o dono do restaurante nem o
governo devem colocar a mão
nesse dinheiro", diz Maricato.
Pela lei, não há encargos trabalhistas (como INSS, 13º salário e FGTS) no pagamento da
PLR. "O setor defende que
aconteça o mesmo com a gorjeta." Existem dois projetos de lei
em tramitação na Câmara e no
Senado que tratam da distribuição da gorjeta e que preveem que os restaurantes fiquem com parte do valor.
Bom-senso
Clóvis Panzarini, consultor
tributário, diz que, do ponto de
vista jurídico, "não há o que discutir". "O ICMS incide sobre os
10% dos serviços dos garçons.
Mas o bom-senso diz que deveria ser excluído o imposto sobre
a gorjeta, que é opcional. Isso
me parece mais uma voracidade fiscal. O dinheiro da gorjeta
não deve ficar nem com o restaurante nem com o fisco."
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