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Usina de mudanças
AGNALDO BRITO
ENVIADO ESPECIAL AO PARÁ
O projeto hidrelétrico de Belo Monte, no Pará, terá mais do
que a missão de garantir a oferta de nova energia para a expansão da economia brasileira.
A construção desse gigante,
com impactos sobre 11 municípios e nove terras indígenas no
norte do Pará, significará uma
mudança completa da geografia econômica do Brasil, e sobretudo da Amazônia.
Está será a maior obra de infraestrutura já realizada no
país desde Itaipu e um teste para o que o governo sugere ser
um novo modelo de "ocupação
e uso sustentável" de uma região com baixíssimos índices
de desenvolvimento e, em parte, já corroída pela exploração
desordenada.
Se liberado pelo Ibama dentro de algumas semanas -como espera o governo-, Belo
Monte será o 3º maior empreendimento hidrelétrico do
planeta, com 11,2 mil MW, só
aquém do projeto chinês de
Três Gargantas (18 mil MW) e
de Itaipu (14 mil MW). A obra
vai exigir uma das maiores engenharias financeiras já montadas no hemisfério Sul. Demandará, segundo estimativas
do governo, R$ 20 bilhões ou
mais. O valor final será divulgado nesta semana.
Na Volta Grande, zona de
transição entre o médio e o baixo rio Xingu, o projeto inspira
reações diversas, da apreensão
à euforia. A obra afetará áreas
indígenas, desmatará grandes
áreas de floresta e secará parte
do rio Xingu. Promete, de outra
parte, levar empregos e infraestrutura a uma região miserável
que parece abandonada pelo
Estado brasileiro.
A usina só ficará pronta depois de uma década de obras.
Os números são superlativos. A
movimentação de terra (150
milhões de metros cúbicos) e
de rocha (60 milhões de metros
cúbicos) será superior à que foi
necessária para a construção
dos 82 quilômetros do Canal do
Panamá, que rasga a América
Central e liga os oceanos Pacífico e Atlântico. O empreendedor terá de movimentar 310
milhões de toneladas, o equivalente a mais de duas safras de
grãos do país.
A previsão é que Belo Monte
mobilize 100 mil pessoas, incluídos os 18,7 mil trabalhadores empregados nas obras, 23
mil nas atividades que orbitam
o empreendimento e um contingente de 55 mil pessoas em
busca do "novo Eldorado".
Projeto militar
Para os críticos, essa parece
ser uma conta subestimada.
Avaliam que a obra mobilizará
o dobro, 200 mil pessoas.
Rabiscado pela primeira vez
em 1975, quando o governo militar lançou grandes planos de
ocupação da Amazônia, o projeto deve finalmente sair do papel em dezembro, após um dos
maiores leilões públicos a ser
realizado no país, em ato que
concretiza um sonho do governo Lula. Grupos nacionais e internacionais de infraestrutura
estudam participar do projeto.
Maior obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Belo Monte promete
retomar e consolidar -despertando preocupação em ambientalistas- o plano nacional
de ocupação amazônica.
Os principais objetivos do
projeto, segundo o governo, são
nutrir o sistema elétrico brasileiro com farto potencial de hidroeletricidade e possibilitar a
industrialização da Amazônia.
Aliado do projeto, o governo
do Pará impõe como condição o
fornecimento de energia barata
para grandes mineradores. No
governo, a tendência é que o
pedido seja aceito.
"O Brasil pode retomar um
caminho que tínhamos abandonado. Um potencial hidrelétrico como o que temos na região Norte precisa ser explorado. Não é razoável que fiquemos comprando energia térmica quando temos uma opção renovável", diz Maurício Tolmasquim, presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).
Para os opositores, o problema é o modelo. "O que está em
discussão não é só a usina de
Belo Monte mas o modelo de
desenvolvimento que está por
trás do projeto. O impressionante é que de alguma maneira
o plano repete o modelo de
ocupação visto no período militar", diz Rodrigo Timóteo da
Costa e Silva, procurador do
Ministério Público Federal em
Altamira (PA). A região teme a
repetição de desastres ambientais como os ocorridos em Tucuruí (PA) e Balbina (AM).
A esperança do governo federal é a de que da Amazônia -4%
do território da Terra- venham os 4.000 MW anuais de
que o país precisa para expandir o parque gerador nacional e
assim manter distante qualquer ameaça de apagão.
Com 12% da água doce do
planeta, o país já concluiu que
70% da disponibilidade de hidrelétricas ainda não foi aproveitada e que 66% dessa riqueza fica no Norte. Por isso, após
os projetos do Madeira (6.400
MW) e de Belo Monte, deve vir
o próximo: o complexo hidrelétrico Tapajós. E este não com
uma, mas com cinco usinas.
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