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OPINIÃO ECONÔMICA
Wall Street é um perigo para a prosperidade atual
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Como no fim de todo período
prolongado de prosperidade
econômica, o mercado de ações
pode representar hoje um perigo
para a continuidade do crescimento da economia americana.
O aumento das vendas e dos lucros das empresas dos EUA nos
últimos anos criou um verdadeiro clima de euforia entre os investidores. A elevação contínua dos
preços das ações fez com que os
lucros obtidos nas aplicações nas
Bolsas de Valores superassem,
durante os últimos anos, os obtidos na compra de títulos que rendem juros, os chamados papéis de
renda fixa.
Progressivamente, na medida
em que ganhavam confiança no
mercado, os investidores foram
resgatando seus investimentos
mais conservadores e aumentando o percentual de sua riqueza financeira, investido em ações de
empresas privadas. A segurança
trazida por um mercado de trabalho vigoroso, próximo do ponto
de pleno emprego, levou também
um número crescente de assalariados a investir no mercado.
Como em todo ciclo dessa natureza, e já ocorreram vários na
história da humanidade, o passo
seguinte das pessoas foi tomar dinheiro emprestado para comprar
ações. O potencial de lucros no
mercado parecia superar em
muito os juros pagos por esses
empréstimos. Com esse mecanismo, o investidor cruza a fronteira
do investimento e entra na zona
da especulação. No investimento
tradicional, no caso de um colapso do mercado, o valor aplicado
pode reduzir-se, mas não desaparece. Na zona da especulação, na
mesma situação, o valor total do
investimento alavancado pode
desaparecer -e mesmo ficar negativo.
Nos Estados Unidos, é muito fácil comprar ações a prazo. Com o
pagamento inicial da ordem de
25%, a própria corretora financia
o restante com garantia das próprias ações compradas. Chama-se isso de conta margem ou compra alavancada. A corretora pode
pedir pagamentos adicionais, caso haja uma queda do preço das
ações compradas, ou, em uma situação limite de baixa generalizada, vender as ações caso o
cliente não deposite mais dinheiro em sua conta. Mas em um
mercado há tantos anos em alta,
a que os americanos chamam de
"Bull Market", essa hipótese não
está nos planos nem de investidores nem dos intermediários. Mesmo os cidadãos mais conservadores, depois de ouvir por muito
tempo histórias de lucros imensos
realizados no mercado, acabam
por sucumbir ao canto da sereia.
E entram para o grupo dos especuladores anônimos.
Em processos especulativos como o descrito acima, apesar dos
fundamentos sólidos da economia, sempre ocorrem exageros
nos pregões das Bolsas de Valores, os quais acabam criando condições para seu próprio fim. Quase sempre envolvem empresas de
setores de ponta tecnológica e para as quais é muito fácil criar histórias de lucros extraordinários.
Como são companhias novas,
sem histórico de lucros e resultados, constituem terreno fértil para os especuladores profissionais
venderem ilusões e levar os otários e incautos de sempre a comprar suas ações a preços inchados. Foi assim com as ações de
ferrovias na primeira década do
século 20, com as ações de companhias de radiodifusão e da indústria automobilística na crise de
1929 e, agora, com as ações ligadas à Internet ou nova economia.
O processo de alta das Bolsas
americanas durante os primeiros
anos do atual Bull Market -até
1998- refletiu de maneira adequada o vigoroso crescimento da
economia. Os ganhos de produtividade e os mercados abertos pelas novas tecnologias de redes de
computadores e telecomunicações criaram nos investidores
uma grande confiança sobre os
resultados futuros das empresas.
A extraordinária situação macroeconômica nos Estados Unidos, fruto do longo período de
crescimento, compôs um quadro
de otimismo generalizado. As
Bolsas de Nova York passaram a
ser procuradas por investidores
do mundo todo, aumentando a
demanda por ações e sustentando um crescimento contínuo de
suas cotações.
Mas, a partir de 1999, o exagero
dos preços das ações atingiu os
pregões eletrônicos da Nasdaq,
Bolsa de Valores que concentra
as negociações das empresas da
chamada nova economia. Empresas como a Amazon e a Yahoo! passaram a receber as atenções e os investimentos dos investidores ávidos por lucros mirabolantes. A Amazon, empresa de
venda de livros e discos pela Internet, passou a ter um valor de
mercado superior ao da General
Motors. O bom senso desapareceu e o mercado virou uma verdadeira caça ao tesouro. Esse
processo especulativo entrou por
2000, com o índice Nasdaq subindo mais de 70% em poucos meses.
As ações das novas empresas ligadas à Internet eram disputadas a
tapa pelos investidores antes de
seu lançamento no mercado.
Contam esta história, passada na
região de San Francisco, na Califórnia, berço do maior numero de
empresas de Internet vindo ao
mercado: uma das sócias de uma
companhia com ações em fase de
lançamento no mercado, os chamados IPOs, só conseguiu uma
hora no cabeleireiro da cidade
quando ofereceu como pagamento dos serviços uma certa quantidade de ações de sua empresa.
O mercado teve uma primeira
correção em maio passado, com a
queda violenta das cotações das
empresas de Internet pura, como
a Amazon e outras similares. Essas empresas passaram a valer,
em poucos meses, menos da metade.
Os investidores abandonaram
essas empresas de papel e voltaram-se para empresas mais sólidas, como as de telecomunicações
e de infra-estrutura da Internet,
como fabricantes de computadores, redes de fibras ópticas e outras. O mercado recuperou-se e
voltou a subir até as férias de verão nos Estados Unidos. De setembro para cá os preços das
ações voltaram a cair de forma
dramática e não encontraram
ainda um novo nível de suporte.
Oscilações diárias de mais de 10%
são hoje comuns nas principais
ações do mercado. Quem tem um
mínimo de conhecimento sobre
as Bolsas de Valores americanas
sabe que esse comportamento é
um sintoma de crise. O pior cenário, que hoje, em minha opinião,
tem uma chance não desprezível
de acontecer, é que a continuidade da instabilidade atual leve a
um movimento maciço de venda
de ações e à criação de um verdadeiro pânico nos mercados financeiros do mundo todo: é o tão temido "hard landing".
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 57,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES
e ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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