São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 2000

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OPINIÃO ECONÔMICA

Wall Street é um perigo para a prosperidade atual

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Como no fim de todo período prolongado de prosperidade econômica, o mercado de ações pode representar hoje um perigo para a continuidade do crescimento da economia americana. O aumento das vendas e dos lucros das empresas dos EUA nos últimos anos criou um verdadeiro clima de euforia entre os investidores. A elevação contínua dos preços das ações fez com que os lucros obtidos nas aplicações nas Bolsas de Valores superassem, durante os últimos anos, os obtidos na compra de títulos que rendem juros, os chamados papéis de renda fixa.
Progressivamente, na medida em que ganhavam confiança no mercado, os investidores foram resgatando seus investimentos mais conservadores e aumentando o percentual de sua riqueza financeira, investido em ações de empresas privadas. A segurança trazida por um mercado de trabalho vigoroso, próximo do ponto de pleno emprego, levou também um número crescente de assalariados a investir no mercado.
Como em todo ciclo dessa natureza, e já ocorreram vários na história da humanidade, o passo seguinte das pessoas foi tomar dinheiro emprestado para comprar ações. O potencial de lucros no mercado parecia superar em muito os juros pagos por esses empréstimos. Com esse mecanismo, o investidor cruza a fronteira do investimento e entra na zona da especulação. No investimento tradicional, no caso de um colapso do mercado, o valor aplicado pode reduzir-se, mas não desaparece. Na zona da especulação, na mesma situação, o valor total do investimento alavancado pode desaparecer -e mesmo ficar negativo.
Nos Estados Unidos, é muito fácil comprar ações a prazo. Com o pagamento inicial da ordem de 25%, a própria corretora financia o restante com garantia das próprias ações compradas. Chama-se isso de conta margem ou compra alavancada. A corretora pode pedir pagamentos adicionais, caso haja uma queda do preço das ações compradas, ou, em uma situação limite de baixa generalizada, vender as ações caso o cliente não deposite mais dinheiro em sua conta. Mas em um mercado há tantos anos em alta, a que os americanos chamam de "Bull Market", essa hipótese não está nos planos nem de investidores nem dos intermediários. Mesmo os cidadãos mais conservadores, depois de ouvir por muito tempo histórias de lucros imensos realizados no mercado, acabam por sucumbir ao canto da sereia. E entram para o grupo dos especuladores anônimos.
Em processos especulativos como o descrito acima, apesar dos fundamentos sólidos da economia, sempre ocorrem exageros nos pregões das Bolsas de Valores, os quais acabam criando condições para seu próprio fim. Quase sempre envolvem empresas de setores de ponta tecnológica e para as quais é muito fácil criar histórias de lucros extraordinários. Como são companhias novas, sem histórico de lucros e resultados, constituem terreno fértil para os especuladores profissionais venderem ilusões e levar os otários e incautos de sempre a comprar suas ações a preços inchados. Foi assim com as ações de ferrovias na primeira década do século 20, com as ações de companhias de radiodifusão e da indústria automobilística na crise de 1929 e, agora, com as ações ligadas à Internet ou nova economia.
O processo de alta das Bolsas americanas durante os primeiros anos do atual Bull Market -até 1998- refletiu de maneira adequada o vigoroso crescimento da economia. Os ganhos de produtividade e os mercados abertos pelas novas tecnologias de redes de computadores e telecomunicações criaram nos investidores uma grande confiança sobre os resultados futuros das empresas. A extraordinária situação macroeconômica nos Estados Unidos, fruto do longo período de crescimento, compôs um quadro de otimismo generalizado. As Bolsas de Nova York passaram a ser procuradas por investidores do mundo todo, aumentando a demanda por ações e sustentando um crescimento contínuo de suas cotações.
Mas, a partir de 1999, o exagero dos preços das ações atingiu os pregões eletrônicos da Nasdaq, Bolsa de Valores que concentra as negociações das empresas da chamada nova economia. Empresas como a Amazon e a Yahoo! passaram a receber as atenções e os investimentos dos investidores ávidos por lucros mirabolantes. A Amazon, empresa de venda de livros e discos pela Internet, passou a ter um valor de mercado superior ao da General Motors. O bom senso desapareceu e o mercado virou uma verdadeira caça ao tesouro. Esse processo especulativo entrou por 2000, com o índice Nasdaq subindo mais de 70% em poucos meses. As ações das novas empresas ligadas à Internet eram disputadas a tapa pelos investidores antes de seu lançamento no mercado. Contam esta história, passada na região de San Francisco, na Califórnia, berço do maior numero de empresas de Internet vindo ao mercado: uma das sócias de uma companhia com ações em fase de lançamento no mercado, os chamados IPOs, só conseguiu uma hora no cabeleireiro da cidade quando ofereceu como pagamento dos serviços uma certa quantidade de ações de sua empresa.
O mercado teve uma primeira correção em maio passado, com a queda violenta das cotações das empresas de Internet pura, como a Amazon e outras similares. Essas empresas passaram a valer, em poucos meses, menos da metade.
Os investidores abandonaram essas empresas de papel e voltaram-se para empresas mais sólidas, como as de telecomunicações e de infra-estrutura da Internet, como fabricantes de computadores, redes de fibras ópticas e outras. O mercado recuperou-se e voltou a subir até as férias de verão nos Estados Unidos. De setembro para cá os preços das ações voltaram a cair de forma dramática e não encontraram ainda um novo nível de suporte. Oscilações diárias de mais de 10% são hoje comuns nas principais ações do mercado. Quem tem um mínimo de conhecimento sobre as Bolsas de Valores americanas sabe que esse comportamento é um sintoma de crise. O pior cenário, que hoje, em minha opinião, tem uma chance não desprezível de acontecer, é que a continuidade da instabilidade atual leve a um movimento maciço de venda de ações e à criação de um verdadeiro pânico nos mercados financeiros do mundo todo: é o tão temido "hard landing".


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 57, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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