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LIGAÇÕES PERIGOSAS
Empresa apresentou atestados de sindicalistas que diziam ser ela a única capaz de oferecer serviços
Telemar usa sindicato para ganhar licitação
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
A disputa entre as companhias
telefônicas ganhou um componente inusitado: para conseguir
contratos com o setor público,
sem licitação, a Telemar apresentou atestados de dirigentes sindicais trabalhistas assegurando ser
ela a única operadora capaz de
oferecer serviços que, segundo a
Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), podem ser
prestados por dezenas de outros
concorrentes. A própria empresa
redigiu as declarações.
Em novembro do ano passado,
ela assinou contrato com o governo do Ceará, de cerca de R$ 13 milhões, sem licitação pública, amparada na declaração do presidente do Sinttel (sindicato dos telefônicos) do Estado, José Ribamar Ribeiro Freitas, de que ela seria a única a oferecer o "Pabx virtual", uma das muitas tecnologias
existentes para comunicação corporativa, com integração de telefonia fixa e celular.
Freitas afirmou à Folha que resistiu a assinar a declaração, mas
que foi forçado a fazê-lo porque a
empresa pressionou para que fosse realizada uma assembléia para
votar o assunto. Como a maior
parte dos associados do Sinttel do
Ceará são funcionários da Telemar, que ganham comissão por
vendas ou remuneração por desempenho, a assembléia votou
pela assinatura do documento.
Freitas, que é empregado da
Embratel, disse que o documento
trouxe dissabores ao sindicato.
Ele disse que, na ocasião, chegou a
procurar a direção da Embratel,
no Rio, para informá-la do que estava acontecendo, mas que a empresa deu pouca atenção ao fato,
imaginando que o texto não teria
conseqüência, já que os sindicatos
de trabalhadores não têm poder
para atestar a capacidade de prestação de serviços das empresas.
Para surpresa da Embratel, no entanto, o governo do Ceará usou a
declaração como respaldo jurídico para dispensar a licitação.
O que houve no Ceará não foi
um fato isolado, nem tampouco
Freitas foi o primeiro sindicalista
a emitir um documento para favorecer a Telemar na disputa.
O primeiro episódio conhecido
aconteceu em 2003, em Pernambuco, quando a Telemar também
obteve contratos com o governo
estadual, com dispensa de licitação pública, baseada na tese de
"notória especialização", amparada em declaração do Sinttel.
A prática se ampliou no ano
passado, quando os sindicatos
dos telefônicos do Rio de Janeiro e
da Bahia -além do do Ceará-
ofereceram declarações de igual
teor à Telemar. A Folha tem cópias dos documentos emitidos
pelas três entidades. Segundo os
sindicalistas, a prática teria se repetido em pelo menos mais dois
Estados do Nordeste.
Além do governo do Ceará, o do
Estado do Rio confirmou à Folha
que também assinou contratos
com a Telemar, com dispensa de
licitação, amparados em declaração de exclusividade de prestação
de serviço assinada pelo coordenador-geral do Sinttel fluminense, Luis Antonio Santos Silva.
Protesto
A estratégia da Telemar para
afastar os concorrentes nas contratações do setor público levou
ao desgaste dos dirigentes sindicais que atenderam à solicitação
da operadora. Eles passaram a ser
criticados não só pelas empresas
concorrentes da Telemar, mas
também por outros sindicalistas
que passaram a suspeitar da natureza do conluio.
O problema estourou no primeiro semestre deste ano, com a
reação da Embratel. A empresa,
concorrente histórica das gigantes da telefonia fixa local (Telemar, Telefônica e Brasil Telecom),
mandou carta a todos os dirigentes do Sinttel dentro da área de
concessão da Telemar (16 Estados) perguntando se haviam assinado atestados de exclusividade
de serviços.
Os que responderam afirmativamente tiveram que desautorizar as declarações que haviam dado. No dia 27 de maio, Silva registrou, em cartório, uma segunda
declaração dizendo que a anterior
não corresponde "à realidade
competitiva atual do mercado" e
que outras empresas, também autorizadas pela Anatel, estão habilitadas a oferecer serviços similares ao da Telemar e de sua subsidiária de telefonia celular Oi, e
que o documento anterior não
tem valor legal para embasar dispensa de licitação.
Medida semelhante foi tomada
pelos sindicatos da Bahia e do
Ceará. Em março deste ano, a diretoria do sindicato baiano assinou documento em que afirma
não ter competência para dar pareceres sobre habilitação de prestadores de serviços de telecomunicações, e que a declaração anterior, de junho de 2004, tinha sido
dada pelo então presidente Everaldo Cosme Pereira, sem conhecimento do restante da diretoria.
Novo assédio
Apesar da reação da Embratel e
do recuo dos dirigentes sindicais,
a Telemar voltou a procurar os
sindicatos, nos últimos meses, pedindo que assinassem declarações com o mesmo teor das anteriores. Desta vez, no entanto, o assédio foi rejeitado.
O presidente do Sinttel do Maranhão, Antônio Pires de Alencar,
funcionário da Telemar há 25
anos, contou à Folha que foi procurado por um funcionário do escritório regional da empresa, que
lhe pediu para assinar duas declarações em favor da Telemar e da
Oi. Também foi procurada a direção do Sinttel do Espírito Santo.
Os textos, entregues à Folha por
Alencar, são iguais aos que foram
assinados, em 2004, pelos dirigentes sindicais do Rio, Bahia e Ceará,
o que mostra que a própria Telemar redigiu os atestados que embasaram as dispensas de licitação.
Alencar disse que achou estranho o documento proposto e que,
"com medo de entrar numa fria",
decidiu consultar a direção da Fittel (a federação dos sindicatos dos
telefônicos). Como conseqüência,
a Fittel enviou circular a todos os
sindicatos orientado os sindicalistas a não assinar os documentos.
A federação diz defender a concorrência e que as declarações de
exclusividade podem criar constrangimentos para os sindicatos.
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