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Livro conta história do mercado de ações
Primeiro presidente da CVM, Roberto Teixeira da Costa narra evolução do mercado de capitais brasileiro desde os anos 50
Obra mostra a crise dos
anos 70 e o processo de criação de instituições para proteger interesses dos acionistas minoritários
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
Nas últimas cinco décadas,
poucos setores no Brasil mudaram tanto quanto o mercado de
capitais. No final dos anos 50,
as ações eram vendidas de porta em porta a investidores individuais. O economista Roberto
Teixeira da Costa viveu todas as
fases e as relatou no livro "Mercado de Capitais, Uma Trajetória de 50 Anos", editado pela
Imprensa Oficial.
O livro é apresentado por
Olavo Setubal e João Paulo dos
Reis Velloso e a orelha é escrita
pelo economista Delfim Netto.
No livro, Teixeira da Costa
conta como, em 1958, para surpresa dos pais, deixou o Citibank para ingressar na Deltec
S/A - Investimento, Crédito e
Financiamento, que, na época,
era responsável pelo lançamento de ações de grandes empresas no mercado.
Fala também de sua experiência como primeiro presidente da CVM (Comissão de
Valores Mobiliários). Apesar de
o mandato ter acontecido durante a ditadura militar, o economista conta que nunca recebeu nenhum telefonema de militar ou de político lhe fazendo
qualquer pedido.
Teixeira da Costa diz que entrou na CVM a convite de Mário Henrique Simonsen, no governo Geisel. No encontro com
o então presidente, Geisel lhe
fez uma única observação:
"Coisa que nasce torta no Brasil
é muito difícil de consertar.
Portanto, não faça concessões".
A seguir, a entrevista:
FOLHA - Por que o sr. decidiu escrever o livro?
ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA - Eu fiz
este livro porque completei 50
anos de trabalho. Comecei a
trabalhar, em 56, no Citibank,
como estagiário, e, dois anos
depois, passei para a Deltec,
fundada no Brasil por americanos. Em 58, ela estava no seu
auge. Abriu o capital de várias
empresas brasileiras.
Eu me seduzi pela idéia de ingressar em uma empresa nova,
com projeto de capitalizar grupos nacionais. Meus pais acharam estranho eu deixar o Citibank para ir à Deltec. Ela criou
uma cadeia de vendedores de
ações de norte a sul do país.
Em 58, nós chegamos a ter
mais de 150 vendedores. Não
eram agentes autônomos, mas
sim vendedores com filiais instaladas que vendiam ações de
grandes empresas. Foi uma
época pioneira do mercado.
FOLHA - Como o sr. se tornou o primeiro presidente da CVM?
TEIXEIRA DA COSTA - Bom, de 71 a
75, ocorreu a grande crise do
mercado, na qual foram perdidas fortunas. O mercado entrou em parafuso. O Mário
Henrique Simonsen, que era
ministro da Fazenda no governo Geisel, elegeu como uma de
suas primeiras preocupações o
fortalecimento do mercado de
capitais para desenvolver a economia do Brasil.
O Mário Henrique convidou
os juristas Alfredo Lamy e José
Luís Bulhões Pedreira para reformarem a Leis das S.A. -uma
das razões da crise dos anos 70
foi que a lei não dava proteção
mínima aos acionistas. Isso explica toda aquela sorte de abusos da época.
Inspirado no modelo da SEC
[Securities and Exchange Commission] americana, Bulhões
Pedreira criou a CVM. A crise
dos anos 70 deixou evidente
que o mercado não tinha instituições que defendessem o
mercado. O investidor era muito especulativo, entrava e saía
em manadas. Como eu já tinha,
de 58 a 76, uma larga experiência no mercado, achavam que
eu era a pessoa que ia agradar a
gregos e troianos.
Em fevereiro de 77, o Mário
me convidou. Eu tinha escrito e
apresentado uma série de ponderações pelas quais eu achava
que não deveria ser escolhido,
mas o Mário virou a página e
perguntou: Quando é que você
começa? Em fevereiro de 77, eu
me mudei com armas e bagagens de São Paulo para o Rio de
Janeiro. O Mário me deu plena
autonomia para estruturar a
CVM. A escolha dos diretores e
tudo o mais foi feita sem nenhuma interferência.
FOLHA - Por que o sr. saiu da CVM?
TEIXEIRA DA COSTA - Ao final de
79, três anos depois, eu cheguei
à conclusão de que o trabalho
tinha chegado a um bom termo.
A CVM era respeitada e conhecida nacional e internacionalmente e iria entrar em uma nova fase, mais heróica, dos julgamentos. E julgar pessoas é uma
coisa muito complicada. Você
tem que se despir totalmente
dos seus conceitos e preconceitos e analisar objetivamente os
processos. Preferi sair da CVM.
FOLHA - O sr. foi para onde depois?
TEIXEIRA DA COSTA - Quando saí
da CVM, o Bulhões Pedreira foi
muito simpático e me emprestou uma sala no escritório dele.
Não tinha secretária. Foi quando aprendi como era difícil falar com as pessoas. A barreira
que as secretárias criam é incrível. Eu falava a maior besteira
para a secretária e só assim a
pessoa para quem eu ligava entrava na linha.
Nesse tempo, recebi duas
propostas, uma para ir para o
grupo Brasmotor, e outra do
Moraes de Abreu para ser vice-presidente do Itaú. Até que o
Walter Moreira Salles, com
quem eu tinha trabalhado no
Unibanco, criou uma empresa
chamada Brasilpar e me chamou para tocar o negócio.
O objetivo da empresa era
desenvolver o conceito de venture capital no Brasil. Achei que
a Brasilpar seria interessante,
porque eu podia juntar um
pouco a minha experiência financeira e, ao mesmo tempo,
poder escolher projetos. Para
culminar, quatro anos atrás, eu
fui convidado pela Bolsa de São
Paulo para presidir a Câmara
de Arbitragem da Bovespa,
criada com o novo mercado.
Posso dizer que vivi todo o ciclo
do mercado de capitais.
FOLHA - O sr. acredita que o mercado de capitais no Brasil pode viver
uma crise, como a dos anos 70?
TEIXEIRA DA COSTA - Crises sempre podem acontecer, mas as
condições são muito diferentes. Você tem hoje uma lei bem
mais objetiva, que protege muito mais os minoritários. Os investidores estão muito mais
bem informados. E a CVM está
muito mais estruturada.
FOLHA - Por que houve o "boom"
das ações no governo Lula?
TEIXEIRA DA COSTA - Eu acho que,
primeiro, houve uma convergência de fatores favoráveis. O
governo FHC, de alguma maneira, preparou isso. Mas os resultados não foram colhidos
por ele. Houve a queda da inflação e teve o "boom" de exportações brasileiras, que favoreceu
empresas como a Vale do Rio
Doce e a Petrobras.
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