São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2006

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Livro conta história do mercado de ações

Primeiro presidente da CVM, Roberto Teixeira da Costa narra evolução do mercado de capitais brasileiro desde os anos 50

Obra mostra a crise dos anos 70 e o processo de criação de instituições para proteger interesses dos acionistas minoritários

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Nas últimas cinco décadas, poucos setores no Brasil mudaram tanto quanto o mercado de capitais. No final dos anos 50, as ações eram vendidas de porta em porta a investidores individuais. O economista Roberto Teixeira da Costa viveu todas as fases e as relatou no livro "Mercado de Capitais, Uma Trajetória de 50 Anos", editado pela Imprensa Oficial. O livro é apresentado por Olavo Setubal e João Paulo dos Reis Velloso e a orelha é escrita pelo economista Delfim Netto. No livro, Teixeira da Costa conta como, em 1958, para surpresa dos pais, deixou o Citibank para ingressar na Deltec S/A - Investimento, Crédito e Financiamento, que, na época, era responsável pelo lançamento de ações de grandes empresas no mercado. Fala também de sua experiência como primeiro presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Apesar de o mandato ter acontecido durante a ditadura militar, o economista conta que nunca recebeu nenhum telefonema de militar ou de político lhe fazendo qualquer pedido. Teixeira da Costa diz que entrou na CVM a convite de Mário Henrique Simonsen, no governo Geisel. No encontro com o então presidente, Geisel lhe fez uma única observação: "Coisa que nasce torta no Brasil é muito difícil de consertar. Portanto, não faça concessões". A seguir, a entrevista:

 

FOLHA - Por que o sr. decidiu escrever o livro?
ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA
- Eu fiz este livro porque completei 50 anos de trabalho. Comecei a trabalhar, em 56, no Citibank, como estagiário, e, dois anos depois, passei para a Deltec, fundada no Brasil por americanos. Em 58, ela estava no seu auge. Abriu o capital de várias empresas brasileiras. Eu me seduzi pela idéia de ingressar em uma empresa nova, com projeto de capitalizar grupos nacionais. Meus pais acharam estranho eu deixar o Citibank para ir à Deltec. Ela criou uma cadeia de vendedores de ações de norte a sul do país. Em 58, nós chegamos a ter mais de 150 vendedores. Não eram agentes autônomos, mas sim vendedores com filiais instaladas que vendiam ações de grandes empresas. Foi uma época pioneira do mercado.

FOLHA - Como o sr. se tornou o primeiro presidente da CVM?
TEIXEIRA DA COSTA
- Bom, de 71 a 75, ocorreu a grande crise do mercado, na qual foram perdidas fortunas. O mercado entrou em parafuso. O Mário Henrique Simonsen, que era ministro da Fazenda no governo Geisel, elegeu como uma de suas primeiras preocupações o fortalecimento do mercado de capitais para desenvolver a economia do Brasil. O Mário Henrique convidou os juristas Alfredo Lamy e José Luís Bulhões Pedreira para reformarem a Leis das S.A. -uma das razões da crise dos anos 70 foi que a lei não dava proteção mínima aos acionistas. Isso explica toda aquela sorte de abusos da época. Inspirado no modelo da SEC [Securities and Exchange Commission] americana, Bulhões Pedreira criou a CVM. A crise dos anos 70 deixou evidente que o mercado não tinha instituições que defendessem o mercado. O investidor era muito especulativo, entrava e saía em manadas. Como eu já tinha, de 58 a 76, uma larga experiência no mercado, achavam que eu era a pessoa que ia agradar a gregos e troianos. Em fevereiro de 77, o Mário me convidou. Eu tinha escrito e apresentado uma série de ponderações pelas quais eu achava que não deveria ser escolhido, mas o Mário virou a página e perguntou: Quando é que você começa? Em fevereiro de 77, eu me mudei com armas e bagagens de São Paulo para o Rio de Janeiro. O Mário me deu plena autonomia para estruturar a CVM. A escolha dos diretores e tudo o mais foi feita sem nenhuma interferência.

FOLHA - Por que o sr. saiu da CVM?
TEIXEIRA DA COSTA
- Ao final de 79, três anos depois, eu cheguei à conclusão de que o trabalho tinha chegado a um bom termo. A CVM era respeitada e conhecida nacional e internacionalmente e iria entrar em uma nova fase, mais heróica, dos julgamentos. E julgar pessoas é uma coisa muito complicada. Você tem que se despir totalmente dos seus conceitos e preconceitos e analisar objetivamente os processos. Preferi sair da CVM.

FOLHA - O sr. foi para onde depois?
TEIXEIRA DA COSTA
- Quando saí da CVM, o Bulhões Pedreira foi muito simpático e me emprestou uma sala no escritório dele. Não tinha secretária. Foi quando aprendi como era difícil falar com as pessoas. A barreira que as secretárias criam é incrível. Eu falava a maior besteira para a secretária e só assim a pessoa para quem eu ligava entrava na linha. Nesse tempo, recebi duas propostas, uma para ir para o grupo Brasmotor, e outra do Moraes de Abreu para ser vice-presidente do Itaú. Até que o Walter Moreira Salles, com quem eu tinha trabalhado no Unibanco, criou uma empresa chamada Brasilpar e me chamou para tocar o negócio. O objetivo da empresa era desenvolver o conceito de venture capital no Brasil. Achei que a Brasilpar seria interessante, porque eu podia juntar um pouco a minha experiência financeira e, ao mesmo tempo, poder escolher projetos. Para culminar, quatro anos atrás, eu fui convidado pela Bolsa de São Paulo para presidir a Câmara de Arbitragem da Bovespa, criada com o novo mercado. Posso dizer que vivi todo o ciclo do mercado de capitais.

FOLHA - O sr. acredita que o mercado de capitais no Brasil pode viver uma crise, como a dos anos 70?
TEIXEIRA DA COSTA
- Crises sempre podem acontecer, mas as condições são muito diferentes. Você tem hoje uma lei bem mais objetiva, que protege muito mais os minoritários. Os investidores estão muito mais bem informados. E a CVM está muito mais estruturada.

FOLHA - Por que houve o "boom" das ações no governo Lula?
TEIXEIRA DA COSTA
- Eu acho que, primeiro, houve uma convergência de fatores favoráveis. O governo FHC, de alguma maneira, preparou isso. Mas os resultados não foram colhidos por ele. Houve a queda da inflação e teve o "boom" de exportações brasileiras, que favoreceu empresas como a Vale do Rio Doce e a Petrobras.


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