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ARTIGO
A economia Madoff
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
A REVELAÇÃO de que
Bernard Madoff -brilhante investidor (ou
assim quase todos acreditavam), filantropo, pilar da comunidade- era um trapaceiro
causou choque em todo o mundo, e é compreensível que isso
tenha acontecido. A escala de
sua suposta fraude, da ordem
de US$ 50 bilhões, é difícil de
compreender.
Mas eu certamente não devo
ser a única pessoa a estar fazendo a pergunta óbvia: até que
ponto a história de Madoff difere da história do setor de investimentos como um todo?
O setor de serviços financeiros passou a última geração expandindo cada vez mais sua
participação na riqueza nacional, e isso tornou as pessoas
que o dirigem incrivelmente ricas. No entanto, a esta altura,
parece que boa parte das empresas do setor estava destruindo, e não criando, valor. E
não se trata apenas de dinheiro:
a vasta riqueza acumulada por
aqueles que administravam o
dinheiro alheio exerceu um
efeito de corrupção sobre a
nossa sociedade mais ampla.
Vamos começar pelas remunerações. No ano passado, o salário médio dos trabalhadores
nos segmentos de "títulos, contratos de commodities e investimentos" era mais de quatro
vezes superior ao salário dos
empregados do restante da
economia. Remuneração da ordem de US$ 1 milhão ao ano
não tinha nada de especial, e
até mesmo renda da ordem de
US$ 20 milhões ao ano parecia
comum para alguns executivos.
A renda dos norte-americanos mais ricos registrou crescimento explosivo na geração
que passou, enquanto os salários dos trabalhadores comuns
se estagnavam. Mas com certeza todos aqueles superastros
das finanças mereciam os milhões que faturavam, não é?
Não necessariamente. O sistema de pagamento em Wall
Street recompensa suntuosamente a aparência de lucro,
mesmo que essa aparência venha a se provar ilusória.
Considerem o exemplo hipotético de um administrador de
investimentos que alavanque o
dinheiro que obtém junto a
seus clientes fazendo dívidas
elevadas no mercado, e depois
invista a maior parte desse capital combinado em ativos de
alto retorno mas arriscados, como por exemplo títulos dúbios
lastreados por hipotecas.
Por algum tempo -digamos
que enquanto uma bolha persistir no setor de habitação-,
ele (e esses administradores
quase sempre são homens) obterá grandes lucros e receberá
grandes bonificações. Depois,
quando a bolha estourar e seus
investimentos se transformarem em lixo tóxico, os investidores que confiaram dinheiro a
ele terão imensos prejuízos
-mas o administrador manterá o dinheiro de sua bonificação. OK, talvez meu exemplo
não seja assim tão hipotético.
Assim, qual é a diferença entre o que Wall Street costumava fazer e o que aconteceu no
caso Madoff? Bem, Madoff supostamente ignorou certas etapas do processo e decidiu simplesmente roubar o dinheiro
dos clientes, em lugar de receber altos honorários enquanto
expunha o capital dos investidores a riscos que estes não
compreendiam. E, enquanto
Madoff aparentemente praticava fraudes deliberadas, muitos dos profissionais de Wall
Street acreditavam nas patranhas que contavam. Ainda assim, o resultado final é o mesmo (exceto no que tange à prisão domiciliar): os administradores de fundos enriqueceram
e os investidores viram seu dinheiro desaparecer.
E estamos falando de muito
dinheiro, em todo esse processo. Nos últimos anos, o setor financeiro respondia por 8% do
Produto Interno Bruto (PIB)
dos Estados Unidos, ante menos de 5% uma geração atrás.
Se esses 3% adicionais representam dinheiro que não tinha
base em valores reais -e é provável que o faça-, estamos falando de US$ 400 bilhões
anuais em fraudes, desperdícios e abusos.
Além disso, os custos da era
da fraude nas finanças norte-americanas vão além do dinheiro diretamente perdido.
Em seu nível mais cru, os ganhos espúrios de Wall Street
corromperam e continuam a
corromper a política, e de maneira simpaticamente bipartidária. De funcionários do governo Bush como Christopher
Cox, o presidente da Securities
and Exchange Commission
(SEC, órgão que fiscaliza o regulamenta o mercado de valores mobiliários), que preferiu
fechar os olhos diante dos crescentes indícios de fraude, aos
democratas que ainda não eliminaram a repugnante lacuna
fiscal que beneficia executivos
de fundos de hedge e de empresas privadas (alô, senador
Schumer), os políticos nunca
recusaram ordens do dinheiro.
Enquanto isso, como determinar que proporção do futuro
do nosso país terminou danificada pela atração magnética da
riqueza pessoal, que por muitos
anos atraiu alguns dos nossos
melhores e mais brilhantes jovens a bancos de investimento,
em detrimento da ciência, do
serviço público e tudo o mais?
Acima de tudo, a vasta riqueza que estava sendo amealhada
em nosso inchado sistema financeiro, e que idealmente deveria ter sido conquistada por
mérito, servia para solapar nosso senso de realidade e para distorcer nosso julgamento.
Pensem na maneira pela qual
quase todas as pessoas em posições importantes desconsideraram os sinais de alerta quanto a uma crise iminente. Como
isso pôde acontecer? Como,
por exemplo, Alan Greenspan
pode ter declarado não muitos
anos atrás que "o sistema financeiro como um todo se tornou mais resistente" -e graças
aos derivativos, aliás? A resposta, acredito, é que existe uma
tendência natural, mesmo entre as elites, a transformar em
ídolos os homens que estão ganhando muito dinheiro, e a
presumir que eles sabem exatamente o que estão fazendo.
Afinal, foi por isso que tantas
pessoas confiaram em Madoff.
Agora, enquanto contemplamos as ruínas e tentamos compreender como as coisas podem ter dado errado, a resposta
se torna simples: estamos diante das conseqüências do louco
mundo de Madoff.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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