São Paulo, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A Argentina em apuros

A inflação na Argentina chegou a um nível perigoso; quem sabe não está chegando a hora de chamar Lavagna de volta?

NÃO SÓ a Argentina -eu também estou em apuros. Tentei escapar de publicar artigo nesta quinta-feira, mas avisei tarde demais e o Jacques Constantino, que cuida das colunas, disse-me que não teria tempo de encontrar um artigo substituto. Perdoe-me, leitora, se o artigo não sair a altura do tema.
A Argentina é um país muito especial. Já escrevi várias vezes a respeito dela nesta coluna e em outras publicações. Nos tempos de Carlos Menem e Domingo Cavallo, na década de 1990, a minha preocupação central era que os argentinos pudessem ser arrastados para a dolarização total e a subordinação completa aos Estados Unidos, contaminando em alguma medida a posição brasileira e solapando de vez a integração sul-americana. Depois, sobreveio a crise terrível de 1999-2002, uma das piores de que se tem notícia.
Surgiu então uma espécie de salvador da pátria: Roberto Lavagna, um dos melhores, provavelmente o melhor ministro da Economia que apareceu na América Latina em muito, muito tempo. Lavagna conseguiu, primeiramente, restaurar a moeda nacional, libertando-a da vinculação rígida ao dólar, estabelecida no governo Menem, e afastando o risco de dolarização plena da economia. Mostrou que era perfeitamente possível romper a ligação com o dólar sem recair na hiperinflação, como muitos temiam. Em 2004, a taxa de inflação diminuiu para apenas 4,4%, contrariando previsões tenebrosas.
Se tivesse feito só isso, Lavagna já teria entrado para a história econômica argentina. Mas fez mais: liderou a reestruturação da dívida. Nervos de aço. Com coragem e criatividade, acabou conseguindo que a maioria dos credores aceitasse uma espécie de contrato de adesão, que reduziu consideravelmente o estoque e o serviço da dívida pública. A proposta de Lavagna gerou muitas reações iradas no exterior, mas ele ficou firme e acabou prevalecendo.
O que aconteceu, na prática, foi uma reestruturação unilateral da maior parte da dívida.
Infelizmente, Lavagna desentendeu-se com o presidente Néstor Kirchner e deixou o cargo em novembro de 2005. Desde então, a qualidade da política econômica argentina vem sofrendo sensível deterioração. Os seus sucessores deixaram muito a desejar.
A situação da Argentina não é de todo ruim. A economia continua crescendo em ritmo acelerado, mais de 8% ao ano. O balanço de pagamentos em transações correntes registra superávits ano após ano. As contas públicas também estão bastante ajustadas.
O grande problema é a volta da inflação -problema agravado pelo descrédito dos índices oficiais de preços. A taxa de inflação oficial foi de 8,5% em 2007. Ninguém acredita nesse número. Técnicos do instituto que calcula os índices de preços estimaram a inflação de 2007 em 26%.
A Ecolatina, firma de consultoria fundada por Lavagna, apresentou uma estimativa de 24%. Roberto Frenkel, um dos mais importantes economistas argentinos, supõe que a taxa de inflação esteja por volta de 20%.
Como observou Frenkel, a inflação chegou a um nível perigoso. Aumenta a freqüência com que se ajustam os preços e os salários. Os contratos tendem a se encurtar. A economia fica mais vulnerável a choques e à aceleração da inflação. É urgente estabelecer uma política crível de combate à inflação.
Quem sabe não está chegando a hora de chamar Lavagna de volta?


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


Texto Anterior: Incorporação: Decreto de Lula deixa Besc mais perto do BB
Próximo Texto: Vinicius Torres Freire: As últimas do divórcio americano
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.