São Paulo, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

As últimas do divórcio americano

Rolo financeiro deve piorar, mas dados não desqualificam a hipótese de parte do mundo descolar da crise dos EUA

ESTÁ NO FORNO uma nova rodada de anúncios de desastres financeiros, alguns sendo assados na Europa e no mercado de seguro contra calotes financeiros, que está queimando de novo. A estagnação americana mal começou, é coisa de um trimestre e pouco, ainda.
Isto posto, no entanto, segue animado o debate sobre o "descolamento" ou "descasamento" ("decoupling") -a hipótese de parte relevante do planeta não sofrer nesta crise os efeitos plenos do baixo crescimento econômico nos EUA. Por ora, ainda no começo do primeiro tempo desse jogo, as notícias dão vantagem para os mais otimistas.
No início de fevereiro, os economistas do JP Morgan haviam apontado que o "repasse" da desaceleração americana para os emergentes vinha sendo até então um terço menor do que de costume. A alta persistente do preço das matérias-primas é outro indício ao menos provisório da resistência das economias emergentes, "Chíndia" (China e Índia) em particular, mas também no Brasil, na Rússia, no leste Europeu etc.
Ontem, a Economist Intelligence Unit revisou de 1,5% para 0,8% sua estimativa para o PIB americano em 2008, mas manteve seu cenário de alta para preços de commodities (com exceção de metais industriais, para os quais prevê queda, o que porém não se observa até agora). O presidente da maior produtora mundial de fertilizantes, a Potash, disse à Bloomberg que há risco de fome devido à escassez de grãos.
Em pesquisa do instituto alemão IFO e da FGV, o "índice de clima econômico" na América Latina ainda continua positivo, apesar de uma ligeira deterioração (as coisas não vão tão bem no México ou no Chile, por exemplo). Mas, nos Brics, o índice de otimismo ficou estável (Brasil, Índia) ou subiu (China, Rússia).
Também ontem, Alexandre Schwartsman, economista-chefe para a América Latina do ABN, apresentou uma conta inevitavelmente provisória a respeito da hipótese do possível divórcio entre EUA e resto do mundo. Comparou o ritmo de crescimento das importações de EUA, China, Europa e o do resto do planeta, desde 1993. Verificou a conhecida associação entre queda do crescimento das importações americanas com as do restante do planeta durante quase todo o período, com exceção do presente momento e de 1997-98, quando as crises russa e asiática compreensivelmente baixaram a correlação.
No final de 2005, o crescimento das importações americanas e as mundiais (afora EUA) iam de mãos dadas, a um ritmo de quase 14% no acumulado de 12 meses. No final de 2006, a correlação começa a despencar. No final de 2007, as importações americanas haviam relaxado o passo a cerca de 5%, enquanto o resto do mundo acelerava, na média, para 15%. Schwartsman ressalta que essa é uma primeira aproximação do problema, que não se sabe do que será da crise daqui em diante etc.
Há muita gente séria para quem o "descolamento" é um mito alucinado. Pode ser. Pode ser também que não tenhamos visto nem parte do rolo financeiro euroamericano e seus efeitos na economia "real". Mas os fatos à vista até agora indicam que poderá sobrevir uma novidade grande a respeito da influência da economia americana no resto do planeta.


vinit@uol.com.br

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