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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Fora do lugar
Se algo há fora de lugar, não é o câmbio, mas algumas idéias defendidas contra todas as evidências
É PRATICAMENTE impossível
ler certos textos sem se deparar com a expressão "câmbio
fora do lugar" ou algo equivalente,
usualmente acompanhada por uma
historinha sobre a taxa de juros levar à apreciação "xxx" do câmbio (o
leitor fica livre para preencher o
"xxx" com "criminosa", "irresponsável", "leviana" ou qualquer outro adjetivo habitualmente utilizado).
Já
tive oportunidade de examinar as
dificuldades que membros dessa escola enfrentam em explicar por que
o câmbio seguiu se apreciando com
a diferença entre os juros domésticos e externos se estreitando a cada
mês, mas hoje quero abordar a noção do "câmbio fora de lugar".
Uma das formas de olhar o problema consiste em acompanhar a evolução da taxa de câmbio ao longo dos
anos ajustando-a pela diferença entre a inflação doméstica e a internacional. O melhor trabalho que conheço a esse respeito é o acompanhamento do Departamento Econômico do BC, que faz uma ponderação cuidadosa das diversas taxas
de câmbio de acordo com o volume
de comércio dos diferentes países
com o Brasil. De acordo com esses
dados, a taxa real de câmbio em janeiro deste ano estaria 1,7% abaixo
da média observada desde janeiro
de 1988, o que, convenhamos, não
parece ser nenhum desastre.
Isso dito, resultados com base
nessa abordagem são muito menos
robustos do que gostaríamos. Escolhas diferentes das medidas de inflação (preços no atacado ou ao consumidor) ou de período amostral levam a resultados distintos. A própria escolha da média do período como referência não é isenta de problemas, a começar porque, mesmo
com um número bastante elevado
de observações mensais, não há como ter certeza de que a taxa de câmbio é uma variável que retorna à média (acredito que sim, mas os testes
estatísticos são inconclusivos).
Nessa situação o melhor é voltar à
teoria econômica em busca de pistas
que dêem sentido aos dados, e, de fato, ela nos oferece um modelo que
identifica duas condições de equilíbrio expressas em razão da taxa real
de câmbio e da demanda doméstica
(consumo, investimento e gastos do
governo). A primeira condição é o
equilíbrio externo, ou seja, a manutenção de certo saldo na conta corrente que seja visto como sustentável ao longo dos anos.
A segunda se refere ao equilíbrio
doméstico, que pode ser interpretado como uma condição acerca da
evolução das taxas de inflação dos
produtos que não podem ser comercializados internacionalmente, tipicamente serviços (escola, aluguel,
cinema, manicure). Se a taxa de inflação desses produtos estiver crescendo, é sinal de excesso de demanda nesse mercado; se caindo, excesso de oferta. Em equilíbrio geral,
portanto, a inflação dos não-comercializáveis é estável e o país gera um
saldo em conta corrente percebido
como sustentável.
Caso, porém, a taxa de câmbio esteja "fora do lugar", alguma dessas
condições (ou ambas) não poderá
ser atendida. Em particular, deveríamos observar uma piora nas condições do balanço de pagamentos ou
uma queda acelerada das taxas de
inflação de produtos não comercializáveis internacionalmente, ou ainda uma combinação desses dois fenômenos. O que dizem os dados?
No que se refere ao balanço de pagamentos, não apenas o país registra
expressivo saldo na balança comercial, que se traduz em superávit próximo a US$ 14 bilhões na conta corrente, como também as expectativas
coletadas pelo BC acerca do saldo da
balança para 2007 (média superior a
US$ 40 bilhões) sugerem manutenção daquele superávit em mais de
1% do PIB.
Esse superávit, porém, poderia resultar de uma demanda doméstica
muito fraca, que reprimisse as importações e forçasse certos setores a
exportar mais por falta de mercado.
Só que a demanda doméstica tem
crescido bem (4% no ano passado),
acima de sua média desde 1993
(2,4%), sugerindo mais força que se
imagina, e deve crescer ainda mais
neste ano. Consistente com isso, a
inflação de não-comercializáveis
tem oscilado desde meados de 2006
ao redor de 4%.
Assim, a combinação de superávits expressivos em conta corrente
com demanda doméstica se expandindo vigorosamente não sugere nada de fundamentalmente errado
com a taxa de câmbio. Se algo há fora
de lugar, não é o câmbio, mas algumas idéias defendidas contra todas
as evidências.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, é economista-chefe
para a América Latina do Banco Real, doutor em Economia
pela Universidade da Califórnia, Berkeley, e ex-diretor de
Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil.
Internet: http://maovisivel.blogspot.com/
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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